Raiva
Foi
uma semana inteira de chuva constante. Teteca estava sem chão, no literal da
palavra. O Ribeirão Limpo e o Rio do Peixe transbordaram e levou parte de seu
barraco, suas quinquilharias, seus sonhos, sua pouca alegria, seu sono e
aumentou, em muito, sua bagagem de melancolia, tristeza, insônia e
principalmente a raiva com Deus e o mundo, enfim, vivia um pesadelo.
Professora
aposentada há vinte e oito anos. Toda sua carreira como mestre, das antigas –
ela só tinha estudado até a quarta série primária – foi na fazenda da
tricentenária família Bispo Cardeal. É de se lastimar, mas na vida interia ela
só conseguiu apenas aquela espelunca, perto da confluência do ribeirão com o
rio e, um salário mínimo mensal.
Naquele domingo de manhã ela saiu do albergue
da prefeitura de Virtuália, onde estava alojada, e foi ver a situação do seu casebre,
- longe duas léguas do centro da cidade. O dia estava límpido como só a bonança
sabe deixá-lo, ficando o sol, mais brilhante naquele dia de final de verão.
Sentou-se num elevado de terra, perto do que restou do paupérrimo patrimônio, iniciando
uma ladainha de praguejamento maldizendo o mundo. Por fim, apoiou os cotovelos
nos joelhos e concheou as mãos nos ouvidos para não ouvir a alegria de viver
dos pássaros, através de seus cantos.
Chorou...
chorou!...de tristeza, de raiva e pela sua malfadada sorte, supostamente destinada,
segundo ela, pelo Criador.
Respirou fundo, tentando se acalmar, e percebeu um pássaro
que voava de um galho, de uma paineira, até à barranca do ribeirão e voltava
com uma bolinha de barro no bico. Era um João-de-barro em plena atividade na
construção de seu ninho-residência; o pássaro era acelerado. Colocava a argila
no, já quase finalizado, teto e fazia com o bico o que um exímio pedreiro faz
com a espátula de acabamento. Depois ele ia até a frente da casinha e ficava como
que verificando sua obra. Em seguida, voava até um capinzal e trazia no bico
uma folha, de capim, morta; colocava-a na ultima porção de barro que trouxera e
parou por um instante e desatou a cantar com alegria de ver seu lar quase
pronto. Voou de volta até o ribeirão para buscar mais matéria prima.
-Pássaro idiota! Tendo essa trabalheira toda em construir
uma casa de barro! Porque não faz como todos os outros pássaros, - um ninho só
de capim? – falou isso e jogou uma pedra na direção da construção do
pedreiro das matas, destruindo-a.
-Ah! Ah!Ah!Ah! Quero ver a reação dele quando retornar! Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah!
O João-de-barro voltou com uma
porção de terra sovada no bico e pousou no galho defronte a casinha não
entendendo a tragédia. Depois adentrou no ninho destruído, juntou o que trazia
no bico, com o que restou da destruição e reiniciou a construção.
Teteca irritou-se mais ainda com a persistência do pássaro.
Olhou seu barraco com água pela metade e danou a praguejar:
- Desgraça, desgraça! O que é que fiz para merecer isto?Por que
Deus me castiga assim? Vou ter que começar tudo de novo quando as águas
abaixarem! Maldição! Maldição!”
Minha inspiração para este conto veio-me à mente após ver um João-de-barro construindo sua casa.
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