domingo, 30 de setembro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


Raiva

Foi uma semana inteira de chuva constante. Teteca estava sem chão, no literal da palavra. O Ribeirão Limpo e o Rio do Peixe transbordaram e levou parte de seu barraco, suas quinquilharias, seus sonhos, sua pouca alegria, seu sono e aumentou, em muito, sua bagagem de melancolia, tristeza, insônia e principalmente a raiva com Deus e o mundo, enfim, vivia um pesadelo.
Professora aposentada há vinte e oito anos. Toda sua carreira como mestre, das antigas – ela só tinha estudado até a quarta série primária – foi na fazenda da tricentenária família Bispo Cardeal. É de se lastimar, mas na vida interia ela só conseguiu apenas aquela espelunca, perto da confluência do ribeirão com o rio e, um salário mínimo mensal.
 Naquele domingo de manhã ela saiu do albergue da prefeitura de Virtuália, onde estava alojada, e foi ver a situação do seu casebre, - longe duas léguas do centro da cidade. O dia estava límpido como só a bonança sabe deixá-lo, ficando o sol, mais brilhante naquele dia de final de verão. Sentou-se num elevado de terra, perto do que restou do paupérrimo patrimônio, iniciando uma ladainha de praguejamento maldizendo o mundo. Por fim, apoiou os cotovelos nos joelhos e concheou as mãos nos ouvidos para não ouvir a alegria de viver dos pássaros, através de seus cantos.
Chorou... chorou!...de tristeza, de raiva e pela sua malfadada sorte, supostamente destinada, segundo ela, pelo Criador.
         Respirou fundo, tentando se acalmar, e percebeu um pássaro que voava de um galho, de uma paineira, até à barranca do ribeirão e voltava com uma bolinha de barro no bico. Era um João-de-barro em plena atividade na construção de seu ninho-residência; o pássaro era acelerado. Colocava a argila no, já quase finalizado, teto e fazia com o bico o que um exímio pedreiro faz com a espátula de acabamento. Depois ele ia até a frente da casinha e ficava como que verificando sua obra. Em seguida, voava até um capinzal e trazia no bico uma folha, de capim, morta; colocava-a na ultima porção de barro que trouxera e parou por um instante e desatou a cantar com alegria de ver seu lar quase pronto. Voou de volta até o ribeirão para buscar mais matéria prima.
         -Pássaro idiota! Tendo essa trabalheira toda em construir uma casa de barro! Porque não faz como todos os outros pássaros, - um ninho só de capim? – falou isso e jogou uma pedra na direção da construção do pedreiro das matas, destruindo-a.
         -Ah! Ah!Ah!Ah! Quero ver a reação dele quando retornar! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!
         O João-de-barro voltou com uma porção de terra sovada no bico e pousou no galho defronte a casinha não entendendo a tragédia. Depois adentrou no ninho destruído, juntou o que trazia no bico, com o que restou da destruição e reiniciou a construção.
         Teteca irritou-se mais ainda com a persistência do pássaro. Olhou seu barraco com água pela metade e danou a praguejar:
- Desgraça, desgraça! O que é que fiz para merecer isto?Por que Deus me castiga assim? Vou ter que começar tudo de novo quando as águas abaixarem! Maldição! Maldição!”






Um comentário:

  1. Minha inspiração para este conto veio-me à mente após ver um João-de-barro construindo sua casa.

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