Vacilos
Há
três anos:
- Pare “adonde” está, Tião! Levante os
braços e te encosta no muro, “discostas” para mim! – gritou o cabo Liberato, - o Polaco.
-
Que foi que eu fiz cabo? Saí do presídio hoje cedo e estou desde as sete horas
andando para ir para casa; não tomei café e nem almocei ainda, aliás, não comi
nada desde ontem da hora da janta!- trêmulo falou o Nego Tião.
- A delegada, da Delegacia das Mulheres de Virtuália, Doutora Maria
Trinta e Oito, pediu para te levar até ela, vamos, entre na viatura! –
ordenou o cabo.
Sem mais argumentar, Tião obedeceu.
Na delegacia:
-
Trouxe o cabra, Polaco! – perguntou Maria Trinta e Oito, esposa do delegado
Carabina Doze.
-
“Truxe” doutora, “taquiêle”!
-
Seu covarde, fica três anos trancafiado e tão logo é liberto e já apronta de novo?
E o pior, comete o mesmo crime? – indignada falava a delegada.
-
Eu não fiz nada antes e nem agora, doutora! Por favor, não estou entendendo
nada, eu nunca cometi nenhum crime! – balbuciava o Tião e continuava:
-
Eu cumpri três anos de cadeia inocente e... - o preso foi interrompido:
-
Foi ele delegado, hoje de manhã, ele chegou em minha casa e me arrebentou de pancada;
quebrou até meu pivô de porcelana! – chorava de lacrimejar a Deolinda toda
cheia de manchas vermelhas e com o dente postiço, intacto, na mão.
- O que você diz disso Tião? – perguntou a delegada.
-
Eu não fiz nada, saí do presídio hoje cedo e, como não tinha dinheiro nem para
a condução, vim a pé do Complexo Prisional de Virtuália; são três léguas da
Restinga Molhada até aqui, doutora!
-
Mas foi ele que fez isto, doutora; o português da quitanda, seu Marconi, viu
tudo, - ele é testemunha! – exaltada, quase berrava a morenaça jambo.
-
Tranque-o cabo; vou averiguar! – mandou a Maria Trinta e Oito.
Tião ficou uma semana na cadeia de
transição e, na segunda-feira, seguinte, lá estava ele novamente diante do
juiz, juntamente com Deolinda, seu advogado, o Marconi e o advogado público
defendendo o afrodescendente Sebastião.
Foi
rápida a sessão e o reincidente Tião, sem álibi nenhum, foi reconduzido ao CPV
para cumprir mais três anos em regime fechado.
...
- Boa tarde Marconi separou as minhas
encomendas?
-
Sim Linda, escolhi tudo de melhor para você, a morenaça mais linda de todo o
Vale Virtualiano do Rio do Peixe; eu mesmo levarei quando fechar meu
estabelecimento, ok?
-
Ok, portuga esperto, eu te aguardo, porém...
- Que, porém, meu pedaço?
- Eu preciso que me empreste uma
quantia; o dinheiro que recebo do Estado, por estar o arrimo de minha família
preso, não saiu ainda e eu não sei o motivo e preciso... - Deolinda foi interrompida:
- Eu levo, também, o dinheiro, minha
linda! Lembras que dia é amanhã?
- Lembro sim; é o dia em que o Tião sai
do presídio! – completou
Deolinda.
- Vamos repetir a dose, cabrocha?
- Vamos sim e tem que ser amanhã quando
acordarmos, mas você tem que pegar mais leve, seu bruto! – falou debochadamente e sorrindo a morena.
No
dia seguinte, nove horas e quinze minutos, na delegacia;
- O que houve com a senhora, Dona
Deolinda? – perguntou a
delegada Maria Trinta e oito, prosseguindo:
- Você está muito ferida, por que não
foi direto a Pronto Socorro de Virtuália, o PSV?
- Tive que fugir para cá, doutora, senão
o Tião me matava; foi ele que me espancou hoje cedo quando saiu do presídio! – falava e chorava a Deolinda e continuava:
- O Sr. Marconi, que me entregava umas
encomendas que pedi à quitanda, viu tudo, mas não pode fazer nada, pois o Tião
o ameaçou!
-Cabo Liberato, vai buscar o seu Marconi
da quitanda para ver se ele confirma! –
ordenou a delegada.
Dez
minutos depois:
- Aqui está o português, doutora! – falou o polaco.
- Eu vi tudo delegada, o crioulo é
covarde e esmurrou a Linda, digo, a Dona Deolinda prá valer!
- Escrivão já digitou a queixa dessa
senhora e digite também o que o Sr. Marconi acabou de dizer e dê para eles
assinarem! – ordenou a
delegada.
Deolinda
e Marconi entreolharam-se contendo a satisfação enquanto assinavam a queixa,
porém a delegada falou alto e em claras palavras:
- A senhora está detida e o Sr. Marconi
também; tranque-os cabo!
- Como detida, eu sou espancada por esse meu marido marginal e sou eu quem vai presa?
- Deolinda, seu marido foi solto há três
dias e me procurou e implorou para que ficasse preso aqui na minha delegacia,
me falou que seria isto, exatamente, que aconteceria! Vamos averiguar os casos
anteriores!
- Ai, Jisuis! – exclamou baixinho o português.
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