quinta-feira, 20 de setembro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


Vacilos

                Há três anos:
- Pare “adonde” está, Tião! Levante os braços e te encosta no muro, “discostas” para mim! – gritou o cabo Liberato, - o Polaco.
            - Que foi que eu fiz cabo? Saí do presídio hoje cedo e estou desde as sete horas andando para ir para casa; não tomei café e nem almocei ainda, aliás, não comi nada desde ontem da hora da janta!- trêmulo falou o Nego Tião.
            - A delegada, da Delegacia das Mulheres de Virtuália, Doutora Maria Trinta e Oito, pediu para te levar até ela, vamos, entre na viatura! – ordenou o cabo.
            Sem mais argumentar, Tião obedeceu.
            Na delegacia:
            - Trouxe o cabra, Polaco! – perguntou Maria Trinta e Oito, esposa do delegado Carabina Doze.
            - “Truxe” doutora, “taquiêle”! 
            - Seu covarde, fica três anos trancafiado e tão logo  é liberto e já apronta de novo? E o pior, comete o mesmo crime? – indignada falava a delegada.
            - Eu não fiz nada antes e nem agora, doutora! Por favor, não estou entendendo nada, eu nunca cometi nenhum crime! – balbuciava o Tião e continuava:
            - Eu cumpri três anos de cadeia inocente e...  - o preso foi interrompido:
            - Foi ele delegado, hoje de manhã, ele chegou em minha casa e me arrebentou de pancada; quebrou até meu pivô de porcelana! – chorava de lacrimejar a Deolinda toda cheia de manchas vermelhas e com o dente postiço, intacto, na mão.
            - O que você diz disso Tião? – perguntou a delegada.
            - Eu não fiz nada, saí do presídio hoje cedo e, como não tinha dinheiro nem para a condução, vim a pé do Complexo Prisional de Virtuália; são três léguas da Restinga Molhada até aqui, doutora!
            - Mas foi ele que fez isto, doutora; o português da quitanda, seu Marconi, viu tudo, - ele é testemunha! – exaltada, quase berrava a morenaça jambo.
            - Tranque-o cabo; vou averiguar! – mandou a Maria Trinta e Oito.
            Tião ficou uma semana na cadeia de transição e, na segunda-feira, seguinte, lá estava ele novamente diante do juiz, juntamente com Deolinda, seu advogado, o Marconi e o advogado público defendendo o afrodescendente  Sebastião.
Foi rápida a sessão e o reincidente Tião, sem álibi nenhum, foi reconduzido ao CPV para cumprir mais três anos em regime fechado.
...
- Boa tarde Marconi separou as minhas encomendas?
      - Sim Linda, escolhi tudo de melhor para você, a morenaça mais linda de todo o Vale Virtualiano do Rio do Peixe; eu mesmo levarei quando fechar meu estabelecimento, ok?
         - Ok, portuga esperto, eu te aguardo, porém...
- Que, porém, meu pedaço?
- Eu preciso que me empreste uma quantia; o dinheiro que recebo do Estado, por estar o arrimo de minha família preso, não saiu ainda e eu não sei o motivo e preciso... - Deolinda foi interrompida:
- Eu levo, também, o dinheiro, minha linda! Lembras que dia é amanhã?
- Lembro sim; é o dia em que o Tião sai do presídio! – completou Deolinda.
- Vamos repetir a dose, cabrocha?
- Vamos sim e tem que ser amanhã quando acordarmos, mas você tem que pegar mais leve, seu bruto! – falou debochadamente e sorrindo a morena.
No dia seguinte, nove horas e quinze minutos, na delegacia;
- O que houve com a senhora, Dona Deolinda? – perguntou a delegada Maria Trinta e oito,  prosseguindo:
- Você está muito ferida, por que não foi direto a Pronto Socorro de Virtuália, o PSV?
- Tive que fugir para cá, doutora, senão o Tião me matava; foi ele que me espancou hoje cedo quando saiu do presídio! – falava e chorava a Deolinda e continuava:
- O Sr. Marconi, que me entregava umas encomendas que pedi à quitanda, viu tudo, mas não pode fazer nada, pois o Tião o ameaçou!
-Cabo Liberato, vai buscar o seu Marconi da quitanda para ver se ele confirma! – ordenou a delegada.
Dez minutos depois:
- Aqui está o português, doutora! – falou o polaco.
- Eu vi tudo delegada, o crioulo é covarde e esmurrou a Linda, digo, a Dona Deolinda prá valer!
- Escrivão já digitou a queixa dessa senhora e digite também o que o Sr. Marconi acabou de dizer e dê para eles assinarem! – ordenou a delegada.
Deolinda e Marconi entreolharam-se contendo a satisfação enquanto assinavam a queixa, porém a delegada falou alto e em claras palavras:
- A senhora está detida e o Sr. Marconi também; tranque-os cabo!
- Como detida, eu sou espancada por esse meu marido marginal  e sou eu quem vai presa?
- Deolinda, seu marido foi solto há três dias e me procurou e implorou para que ficasse preso aqui na minha delegacia, me falou que seria isto, exatamente, que aconteceria! Vamos averiguar os casos anteriores!
- Ai, Jisuis! – exclamou baixinho o português.

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