Romilda e Rudinei
O
ônibus antigo e, antigamente, já o chamavam de Dinossauro, aguardava na rua
detrás da rodoviária de Virtuália. Sairá dali, pegará a rodovia Virtual, passará
pelo distrito de Wormhole depois, entrará na Estrada Real e seguirá para Pariscida
do Norte. Todas as sextas-feiras é esse seu itinerário e, sempre sai lotado.
Todos já estavam sentados. Faltavam dois viajantes. Uma senhorita, com a cabeça
e parte do rosto coberto com os cabelos compridos e bem tratados, estava na
improvisada plataforma aguardando o último passageiro para então entrar. Sendo
a última, com certeza, sobraria apenas um último lugar e a pessoa que estaria
sentada na poltrona ao lado não teria como repudiá-la (mesmo que sem demonstrá-lo).
E lá vinha o Rudinei “toctocteando” o chão com sua bengala. Cego de nascença, andava
o mais rápido que podia para não perder o ônibus. Romilda o viu e pensou:
- Olha só, o penúltimo passageiro é deficiente
visual; vou ajudá-lo a embarcar e... vou fazer melhor, vou levá-lo até a uma
poltrona e sentar-me ao seu lado. Não enxergando meu rosto não vai sentir repulsa,
como a maioria das pessoas que me olham! –
Romilda tinha razão neste aspecto, pois nascera com um horrendo defeito em sua
face. Tinha uma parte do rosto, até bonita demais, porém o lado esquerdo tinha uma
deformação. Esta deformação foi seu martírio nos seus vinte e cinco anos de
vida, mesmo tendo um corpo impecável em matéria de beleza estética.
- Posso ajudá-lo, meu jovem! – falou a moça ao Rudinei, com sua linda voz e
costumeira meiguice.
- Oh! Sim, e te agradeceria muito se me
levasse a uma poltrona vazia do ônibus!-
falou-lhe entusiasmado o rapaz que apesar de deficiência visual tinha ótima
aparência.
No final do
ônibus, perto da toalete, tinha um par de poltronas juntas desocupado e lá se sentaram. Após as
apresentações foram conversando, por três horas, até chegarem ao destino. Lá
chegando, já desceram do ônibus de mãos dadas. Romilda era locutora da rádio Espacial FM
de Virtuália e Rudinei era professor de música na Universidade Sideral, da
mesma cidade. Então, assuntos não lhes faltaram.
- Desculpa-me, Romilda, mas apesar de achar tua voz lindíssima e meiga
sinto profunda tristeza nela. Falaste-me que não tens ninguém na vida e... (Rudinei foi interrompido).
- Rudinei, fui criada por minha avó,
pois nem minha mãe quis saber de mim. Vivo num mundo de solidão e de muita
tristeza!
- Por favor, Romilda, posso tatear-lhe o
rosto?
Romilda gelou e
de seus olhos começaram a verter lágrimas em abundância, pois sabia que ao
tocar seu rosto deformado, também ele, sentiria repulsa e talvez acabasse ali
uma amizade que começara tão naturalmente.
Sem falar nada Romilda pegou as mãos do
rapaz e as direcionou para seu rosto e olhando para o rosto lindo de Rudinei
esperou a reação.
Rudinei tateou ambos os lados do rosto
da senhorita e passou-lhe os polegares sobre seus olhos fechados e falou:
- Por que estas chorando Romilda? Não
estou entendendo?
Aquele gesto e a
reação do rapaz fizeram com que Romilda chorasse ainda mais e aos soluços balbuciou:
- Meu recalque é este defeito no lado
esquerdo do rosto. Venho sofrendo preconceito e rejeição desde que me conheço
como gente! Você não o sentiu ao tatear-me? Você sentiu apenas as minhas
lágrimas, Rudinei?
- No
mundo de escuridão em que vivo existe também tristeza e solidão, mas sem a
visão eu “enxergo” com o espírito e, para o espírito, não importa o invólucro a
que ele está confinado e sim os sentimentos, Romilda!
Depois
de falar isto aconteceu o primeiro beijo de ambos e dali por diante tristeza e solidão saíram suas de vidas de mãos
dadas.”
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