sábado, 6 de outubro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


Romilda e Rudinei
O ônibus antigo e, antigamente, já o chamavam de Dinossauro, aguardava na rua detrás da rodoviária de Virtuália. Sairá dali, pegará a rodovia Virtual, passará pelo distrito de Wormhole depois, entrará na Estrada Real e seguirá para Pariscida do Norte. Todas as sextas-feiras é esse seu itinerário e, sempre sai lotado. Todos já estavam sentados. Faltavam dois viajantes. Uma senhorita, com a cabeça e parte do rosto coberto com os cabelos compridos e bem tratados, estava na improvisada plataforma aguardando o último passageiro para então entrar. Sendo a última, com certeza, sobraria apenas um último lugar e a pessoa que estaria sentada na poltrona ao lado não teria como repudiá-la (mesmo que sem demonstrá-lo). E lá vinha o Rudinei “toctocteando” o chão com sua bengala. Cego de nascença, andava o mais rápido que podia para não perder o ônibus. Romilda o viu e pensou:
         - Olha só, o penúltimo passageiro é deficiente visual; vou ajudá-lo a embarcar e... vou fazer melhor, vou levá-lo até a uma poltrona e sentar-me ao seu lado. Não enxergando meu rosto não vai sentir repulsa, como a maioria das pessoas que me olham! – Romilda tinha razão neste aspecto, pois nascera com um horrendo defeito em sua face. Tinha uma parte do rosto, até bonita demais, porém o lado esquerdo tinha uma deformação. Esta deformação foi seu martírio nos seus vinte e cinco anos de vida, mesmo tendo um corpo impecável em matéria de beleza estética.
         - Posso ajudá-lo, meu jovem! – falou a moça ao Rudinei, com sua linda voz e costumeira meiguice.
         - Oh! Sim, e te agradeceria muito se me levasse a uma poltrona vazia do ônibus!- falou-lhe entusiasmado o rapaz que apesar de deficiência visual tinha ótima aparência.
No final do ônibus, perto da toalete, tinha um par de poltronas juntas  desocupado e lá se sentaram. Após as apresentações foram conversando, por três horas, até chegarem ao destino. Lá chegando, já desceram do ônibus  de mãos dadas. Romilda era locutora da rádio Espacial FM de Virtuália e Rudinei era professor de música na Universidade Sideral, da mesma cidade. Então, assuntos não lhes faltaram.
         - Desculpa-me, Romilda,  mas apesar de achar tua voz lindíssima e meiga sinto profunda tristeza nela. Falaste-me que não tens ninguém na vida e... (Rudinei foi interrompido).
         - Rudinei, fui criada por minha avó, pois nem minha mãe quis saber de mim. Vivo num mundo de solidão e de muita tristeza!
         - Por favor, Romilda, posso tatear-lhe o  rosto?
Romilda gelou e de seus olhos começaram a verter lágrimas em abundância, pois sabia que ao tocar seu rosto deformado, também ele, sentiria repulsa e talvez acabasse ali uma amizade que começara tão naturalmente.
         Sem falar nada Romilda pegou as mãos do rapaz e as direcionou para seu rosto e olhando para o rosto lindo de Rudinei esperou a reação.
         Rudinei tateou ambos os lados do rosto da senhorita e passou-lhe os polegares sobre seus olhos fechados e falou:
- Por que estas chorando Romilda? Não estou entendendo?
Aquele gesto e a reação do rapaz fizeram com que Romilda chorasse ainda mais e aos soluços balbuciou:
         - Meu recalque é este defeito no lado esquerdo do rosto. Venho sofrendo preconceito e rejeição desde que me conheço como gente! Você não o sentiu ao tatear-me? Você sentiu apenas as minhas lágrimas, Rudinei?
         - No mundo de escuridão em que vivo existe também tristeza e solidão, mas sem a visão eu “enxergo” com o espírito e, para o espírito, não importa o invólucro a que ele está confinado e sim os sentimentos, Romilda!
Depois de falar isto aconteceu o primeiro beijo de ambos e dali por diante  tristeza e solidão saíram suas de vidas de mãos dadas.”
          

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