sexta-feira, 7 de setembro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


AMIZADE  ARCOÍRIS

Zé das Flores, este era o apelido do senhor Anthon Vaz Thomas que, nos altos dos seus dois metros e quatro centímetros e com apenas setenta e oito quilos era a imagem fiel de um coveiro de contos de terror.  Seus antepassados eram irlandeses e, por acidente genético, tem um olho azul e o outro verde; rosto chupado e olheiras negras e profundas dava-lhe um aspecto horrível e terrificante da autoridade máxima que ele era: o coveiro do Cemitério Municipal de Virtuália conhecido pela sigla CMV.
            Viúvo há vinte e cinco anos, pois a esposa morreu no parto do seu sétimo filho, único rebento macho; tinha todas as crias morando consigo no campo santo. Há sete anos não se enterra ninguém em Vituália. As tarefas diárias eram zelar pelos jazigos, manter limpo o local, cuidar dos jardins, canteiros das inúmeras variedades de flores, do pomar e da horta que ele tinha nos fundos da sua casa que ficava no terreno do cemitério.
            Por ordem cronológica esses eram os filhos de Zé das Flores: Margarida e Rosa, gêmeas e tinham cinquenta e três anos; Açucena tinha quarenta e seis anos; Bromélia e Papoula, também gêmeas, com trinta e nove anos; Begônia com trinta e dois anos e por fim, o rebento Hibisco, apelidado Beijo. Beijo era o orgulho da família, pois conseguiu entrar para o serviço municipal através de concurso público mesmo sendo, praticamente, analfabeto tornou-se, a partir de então, o jardineiro oficial do CMV.
            Os sete rebentos de Zé das Flores eram solteiros, pois ninguém se atreveu ou se atreve a frequentar o cemitério para, sequer, estreitar amizades e, além disso, todos herdaram o que o pai e a mãe tinham como característica principal: - a feiura.
            Hibisco era o único desta família que tinha uma forte amizade com alguém que não era da casa e, essa ferrenha amizade, começou por causa de uma oferenda ao Babacorixá feita pelo Juliano, numa encruzilhada das ruelas dentro do CMV.
            Foi assim que começou tal “amizade”:
            Certa vez uma viúva rica solicitou os serviços do caboclo Vendaval e foi até onde o delegado de Oriximbanda atendia e, como era uma “coisa pesada”, o caboclo mandou à madame levar o trabalho no CMV. Ju pediu um valor alto e, a dona, contra propôs:
            - Se o caboclo autorizar você, Juliano, levar as oferendas ao cemitério eu pago o triplo do que pedistes, porém pago amanhã de manhã depois de constatar in loco se você deixou o despacho onde o Vendaval pediu!
            Ju, ganancioso de nascença, aceitou e na sexta-feira seguinte, que por coincidência seria treze e o mês era agosto, lá estava ele, quando faltavam treze minutos para a meia noite, na frente do cemitério. Não tinha lua o tempo estava fechado e armando uma borrasca; os relâmpagos deixava tudo mais horripilante.
- Eu e minhas ideias! – falou isso e pulou o muro de quase dois metros. Lá dentro procurou pelo jazigo da família da contratada e, ao encontrá-lo, viu que tudo estava a calhar, pois ficava numa encruzilhada de ruelas internas.
- É aqui mesmo que deixo este despacho fajuto! – falava e, agachado, ajeitava as oferendas trêmulo de medo.
Ao se levantar, quando terminou, um relâmpago demorado clareou a figura horrenda que apareceu na frente dele e, com o som ensurdecedor de um seguido trovão, Ju caiu durinho para trás.
            Passado alguns minutos, Ju despertou numa cama de granito da capela mortuária rodeado por todos da família Vaz Thomas; cada elemento com uma vela na mão, pois, com os relâmpagos sobre Virtuália, a energia elétrica foi interrompida:
- Aaaahhh! Meu grande e poderoso Babacorixá estou morto e no inferno!
- Não ‘tá não, moço, ôce tá no cemitério de Virtuália; ôce desmaiou e eu lhe trouxe aqui para nós cuidá d’ôce!- disse Beijo e após apresentar toda a família a Ju este falou:
- Nossa vocês têm nomes de flores!
- Minha mulher, Rosa Margarida, foi quem teve a ideia; e eu tenho o apelido de Zé das Flores por este motivo e não pelos jardins daqui!
- Ôce deve de ser o Juliano Scheiβe, não é? – perguntou Beijo.
- Sou sim, borrado e assustado, mas sou eu mesmo! – respondeu.
- A partir de hoje ôce não precisa mais pular o muro, é só me chamar que eu te ponho prá dentro, ok? – disse Beijo.
- Ok! – respondeu Juliano sentindo uma coisa além de simpatia pelo jardineiro, o sétimo filho de uma prole de seis mulheres que nasceram em intervalos de sete anos e todas numa sexta-feira treze. Coincidência ou não rezava a lenda que todos estes fatos induziam que Beijo viraria um lobisomem ao completar trinta e dois anos.
Já dura seis anos e onze meses a estreitíssima amizade entre Hibisco e Juliano e, todos respeitam e não falavam nada com medo das pragas de ambos e também porque o Juliano, por qualquer coisinha, falava em processar quem o atormentasse. Só Nhô Antônio Benzedô falou a verdade sobre essa amizade colorida como o arco-íris:
- Nu amô num ixisti cor; num ixisti riqueza i nem pobreza; num ixisti podê i nem miséra; num ixisti machu ô fêmea; num ixisti beleza i nem fiúra, afiná, num ixisti sentimentu, nem palavras e gestu qui ixplica o amô verdadero, misifio!
           


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