AMIZADE ARCO- ÍRIS
Zé das Flores, este era o apelido
do senhor Anthon Vaz Thomas que, nos altos dos seus dois metros e quatro
centímetros e com apenas setenta e oito quilos era a imagem fiel de um coveiro
de contos de terror. Seus antepassados eram
irlandeses e, por acidente genético, tem um olho azul e o outro verde; rosto
chupado e olheiras negras e profundas dava-lhe um aspecto horrível e terrificante
da autoridade máxima que ele era: o coveiro do Cemitério Municipal de Virtuália
conhecido pela sigla CMV.
Viúvo há vinte e cinco anos, pois a
esposa morreu no parto do seu sétimo filho, único rebento macho; tinha todas as
crias morando consigo no campo santo. Há sete anos não se enterra ninguém em
Vituália. As tarefas diárias eram zelar pelos jazigos, manter limpo o local,
cuidar dos jardins, canteiros das inúmeras variedades de flores, do pomar e da
horta que ele tinha nos fundos da sua casa que ficava no terreno do cemitério.
Por ordem cronológica esses eram os
filhos de Zé das Flores: Margarida e Rosa, gêmeas e tinham cinquenta e três
anos; Açucena tinha quarenta e seis anos; Bromélia e Papoula, também gêmeas,
com trinta e nove anos; Begônia com trinta e dois anos e por fim, o rebento Hibisco,
apelidado Beijo. Beijo era o orgulho da família, pois conseguiu entrar para o
serviço municipal através de concurso público mesmo sendo, praticamente, analfabeto
tornou-se, a partir de então, o jardineiro oficial do CMV.
Os sete rebentos de Zé das Flores
eram solteiros, pois ninguém se atreveu ou se atreve a frequentar o cemitério
para, sequer, estreitar amizades e, além disso, todos herdaram o que o pai e a
mãe tinham como característica principal: - a feiura.
Hibisco era o único desta família
que tinha uma forte amizade com
alguém que não era da casa e, essa ferrenha amizade, começou por causa de uma
oferenda ao Babacorixá feita pelo Juliano, numa encruzilhada das ruelas dentro
do CMV.
Foi assim que começou tal “amizade”:
Certa vez uma viúva rica solicitou
os serviços do caboclo Vendaval e foi até onde o delegado de Oriximbanda atendia
e, como era uma “coisa pesada”, o caboclo mandou à madame levar o trabalho no
CMV. Ju pediu um valor alto e, a dona, contra propôs:
-
Se o caboclo autorizar você, Juliano, levar as oferendas ao cemitério eu pago o
triplo do que pedistes, porém pago amanhã de manhã depois de constatar in loco
se você deixou o despacho onde o Vendaval pediu!
Ju, ganancioso de nascença, aceitou
e na sexta-feira seguinte, que por coincidência seria treze e o mês era agosto,
lá estava ele, quando faltavam treze minutos para a meia noite, na frente do
cemitério. Não tinha lua o tempo estava fechado e armando uma borrasca; os
relâmpagos deixava tudo mais horripilante.
- Eu e minhas
ideias! – falou isso e pulou o muro de
quase dois metros. Lá dentro procurou pelo jazigo da família da contratada e,
ao encontrá-lo, viu que tudo estava a calhar, pois ficava numa encruzilhada de
ruelas internas.
- É aqui mesmo que
deixo este despacho fajuto! – falava e, agachado, ajeitava
as oferendas trêmulo de medo.
Ao se levantar, quando terminou,
um relâmpago demorado clareou a figura horrenda que apareceu na frente dele e,
com o som ensurdecedor de um seguido trovão, Ju caiu durinho para trás.
Passado alguns minutos, Ju despertou
numa cama de granito da capela mortuária rodeado por todos da família Vaz
Thomas; cada elemento com uma vela na mão, pois, com os relâmpagos sobre
Virtuália, a energia elétrica foi interrompida:
- Aaaahhh! Meu
grande e poderoso Babacorixá estou morto e no inferno!
- Não ‘tá não,
moço, ôce tá no cemitério de Virtuália; ôce desmaiou e eu lhe trouxe aqui para
nós cuidá d’ôce!- disse Beijo e após apresentar
toda a família a Ju este falou:
- Nossa vocês têm
nomes de flores!
- Minha mulher,
Rosa Margarida, foi quem teve a ideia; e eu tenho o apelido de Zé das Flores
por este motivo e não pelos jardins daqui!
- Ôce deve de ser o
Juliano Scheiβe, não é? – perguntou Beijo.
- Sou sim, borrado
e assustado, mas sou eu mesmo! – respondeu.
- A partir de hoje
ôce não precisa mais pular o muro, é só me chamar que eu te ponho prá dentro,
ok? – disse Beijo.
- Ok!
– respondeu Juliano sentindo uma coisa além de simpatia pelo jardineiro, o
sétimo filho de uma prole de seis mulheres que nasceram em intervalos de sete
anos e todas numa sexta-feira treze. Coincidência ou não rezava a lenda que
todos estes fatos induziam que Beijo viraria um lobisomem ao completar trinta e
dois anos.
Já dura seis anos e onze meses a
estreitíssima amizade entre Hibisco e Juliano e, todos respeitam e não falavam
nada com medo das pragas de ambos e também porque o Juliano, por qualquer
coisinha, falava em processar quem o atormentasse. Só Nhô Antônio Benzedô falou
a verdade sobre essa amizade colorida como o arco-íris:
- Nu amô num ixisti
cor; num ixisti riqueza i nem pobreza; num ixisti podê i nem miséra; num ixisti
machu ô fêmea; num ixisti beleza i nem fiúra, afiná, num ixisti sentimentu, nem
palavras e gestu qui ixplica o amô verdadero, misifio!
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