FRUTA MADURA
Quinta-feira,
seis de setembro, véspera de feriado.
Fugi
do calorão de um inverno sem graça e seco como o ártico, fui eu e minha família
para Praia do Morro no litoral capixaba. A brisa estava simplesmente divina e,
enquanto todos foram ao mar, resolvi:
-
Vou dar uma fugida para Virtuália para ver o que estão preparando para o
desfile do jubileu do enésimo aniversário da Hy-brazil, o paraíso perdido, onde
tal cidade é a metrópole.
Na Praça Bispo-Cardeal:
- Ei,
seu Lê, há quanto tempo hein, cara!
-
Oi, Paulo de Paulli, meu grande amigo Goró, como tem passado? – perguntei
ao sóbrio e ex- etílico Paulinho.
-
Estou bem e prosperando no meu negócio de churrasquinho no palito! Você procura
pelo Nhô Benzedô? Eu o vi entrando no HPSV, foi visitar a Xerequéia; ela foi
operada de um esporão no pé direito. À tardezinha ele vai lá ao meu trabalho comer
um espetinho de Java-porco! – informou o meu amigo.
-
Eu vou até a Escola Municipal Dona Bela Bispo-Cardeal ver o ensaio da banda e
da petizada, depois eu procuro vocês lá na praça, ok?
-
Beleza, seu Lê!
Cheguei à escola por volta das onze horas e a
diretora, Dona Carmen Ferreira, estava em reunião com um pessoal da Secretaria Municipal
de Educação de Virtuália e resolvi não atrapalhar e comecei a circular dentro
do estabelecimento de ensino. Nunca tinha visto escola tão organizada: as paredes,
todas, foram pintadas recentemente; placas de energia solar nos telhados; da
cozinha e refeitório, extremamente limpos, vinha um aroma de carne cozida com
legumes que me fazia salivar, pois tal carne de panela foi cozida juntamente
com osso e tutano, - seria a refeição dos alunos; jardins impecáveis; banners com
pinturas de personagens da história, - inclusive da turma do Monteiro Lobato -,
e nos muros, que guarneciam todo o complexo, tinham poesias grafitadas em
letras grandes, como por exemplo:
-“O que o vento não levou...
No fim tu hás de ver que as coisas mais
leves
São as únicas que o vento não conseguiu levar...” (Mário Quintana)
-“ Desejo a você
Cheiro de jardim
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Queijo com goiabada
Uma seresta
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinhos meus... “(Carlos
Drummond de Andrade)
Num
dos muros estava escrito os seguintes versos de Drummond:
- “No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra, no meio do
caminho tinha uma pedra...” – estavam entre
um poste de concreto sem utilidade e um imenso tronco de mais ou menos um metro
e meio de altura por um metro de largura, do que foi uma mangueira, recém-cortada,
pois ainda minava resto de seiva. Aquilo me chamou a atenção e perguntei a um rapazote
que tinha terminado de pintar as letras:
- O que houve com esta, que já foi uma
mangueira, meu jovem?
- A diretora
mandou cortar porque estava sujando muito o pátio com as mangas maduras que
caiam e a meninada chupava!
Eu, subversivamente, peguei um spray
preto das coisas do garoto e tarjeei, nos versos de Drummond, onde tinha a
palavra pedra e grafitei, acima da tarja, a palavra: fruta madura. Falei ao
rapazote:
-
Fale para a Dona Carmen que fui eu, o Lê quem fez isto que ela vai entender ok?
Saí de Virtuália e voltei para a praia
pedindo, em oração, perdão ao Drummond e sei que ele me entendeu. Outro dia me desculpo com o Goró e o Nhô pela
pérola que encontrei pelo caminho e me tirou do sério.
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