O Tesouro e o Lixo
Paraíso
– bairro nobre de Virtuália; madrugada de quarta-feira 03h00min.
- Você vai ficar vendo
televisão? Eu vou dormir, pois bebi além da conta! –disse Lurdes ao marido.
-Vou, tô sem sono!
Lurdes subiu a escada que leva até ao quarto do casal e
entrou no lavabo e começou a se despir das joias e colocá-las em cima do balcão
da pia, sobre as páginas de classificados da Folha de Virtuália. Eram as
melhores e mais caras das suas joias. Teve que usá-las, pois não poderia faltar
na formatura de medicina do filho mais velho de sua “arqui-inimiga” na “higth
socielity”. Carregava consigo essa magoa já que seu único e delicado herdeiro
formou-se, numa faculdade de quinta categoria, para professor de ciências e
dava aula de botânica numa escola do município.
Colocou todas as preciosidades sobre o jornal e fez tipo um
pacote e o deixou ali mesmo e, às pressas, esvaziou o estomago no bidê; bocejou,
foi para a cama e “apagou”.
Tilzo, alguns minutos depois, desligou a TV e subiu para a suíte.
Parou no lavabo do corredor e comentou consigo:
-Pô! Que nojeira! A
anta emporcalhou todo o lavabo! – pegou o pacote com as joias e jogou no
lixinho do lavabo.
...
Dez horas da bela manhã seguinte:
- Luciana, você já
colocou o lixo para fora? O lixeiro vai passar! – gritou Lurdes à
empregada.
- Já sim senhora, Dona
Lurdes! Só tinha o lixo do lavabo! – falou Lu, descendente de polonês – uma
linda mulher no auge de seus vinte e quatro anos.
Dorival estava correndo rua acima recolhendo os sacos de
lixo e jogando dentro do apropriado caminhão. Em frente à casa do empresário
Tilzo, ele pegou um saco transparente – diferente dos de costume – e, viu no
seu interior a parte dos classificados da Folha de Virtuália, onde leu: -“ Monte seu próprio negócio -” dizia no
cabeçalho do anúncio. Apressado rasgou o saco, antes de atirá-lo dentro do
caminhão, e pegou o jornal embolado como se fosse um saquinho e colocou no
bolso do uniforme cor de laranja e verde.
- Pô! Tenho que dar um
jeito na minha vida. Sou formado em gastronomia e trabalho há dois anos nesta
empresa coletora de lixo, terceirizada, da prefeitura; tenho que montar meu
próprio negócio relacionado com alimentos!
...
Passava da meia noite quando Dorival chegou ao seu cubículo,
quarto e sala:
- Hoje ‘tô pregadão! Vou
tirar esse uniforme e... ah! os classificados...
Dorival meteu a mão no
bolso e pegou o jornal enrolado e ao abri-lo:
- Que é isto minha
gente? É um tesouro? – realmente, eram as joias de Lurdes que Tilzo jogara
no lixinho do lavabo.
- Caramba, parecem ser
verdadeiras!– deixou as joias no criado-mudo e correu os olhos nos
classificado e focou num anúncio:
“Vendo barato trailer
para venda de yakisoba. Motivo: Passei no concurso para gari da prefeitura, na
capital.”
- ‘Taí, amanhã vou dar
uma olhada nisto! Quem sabe? Mas, e essas joias, heim? Devem ser bijuterias,
com certeza! Vou, antes do trabalho, na casa da Rua Arcanjo Miguel, 484; foi lá
que peguei a sacola de lixo com isto dentro!
Dorival sequer apagou a luz e caiu no sono dos justos.
...
- Bom dia, o senhor é
o dono da casa? – perguntou o Dorival.
- Sou sim, mas não
posso atendê-lo agora! Espero a chegada da polícia. Houve um roubo na minha
residência e creio que foi a empregada! – disse Tilzo.
- Serei rápido, senhor!
– insistiu o lixeiro.
- Não insista, senhor!
Já ajudo todos os anos a Associação dos Catadores de Lixo! – estupidamente
falou o Tilzo.
...
- Mas não roubei nada
Dona Lurdes, eu juro! Trabalho para a senhora há dez anos! Por favor, acredite
em mim! – chorava Lu.
- A polícia vai
resolver tudo! Ela já está chegando, olha lá! – apontou Lurdes para o início
da rua.
- Sr. Tilzo?
- Sou eu sargento e a
ladra é aquela “POLACA” ali! – disse Tilzo “dedurando” a empregada.
- Entrem todos na
viatura e vamos para o distrito! – ordenou o militar e continuou:
- Você também, com de
uniforme laranja da Virtualurb, serás testemunha, vamos!
Dorival nem questionou e juntou-se a Tilzo, Lurdes e Luciana
que chorava mares de lágrimas.
- Sr. Tilzo, o senhor
é um cidadão importante na cidade e esta sua acusação é muito grave e terás que
provar em juízo o que acusas! Entendeu?
- Sim seu delegado!
Ela roubou uma fortuna de quase dois milhões em joias e vai ter que devolver ou
provar que não roubou! – disse Tilzo.
- Isto é o juiz quem
vai decidir, no dia da audiência! Por agora é só assinarem onde estão os seus
nomes e aguardar a convocação! – disse o Dr. Lauro e continuou:
- Em casos semelhantes,
a este, os acusadores estavam enganados e o juiz estipulou uma pena de 20%, do
valor do suposto roubo, a ser pago ao acusado!
- Seu delegado antes
de eu assinar posso falar algo importante? – humildemente falou o Dorival.
- Vai, fale logo!
- Ontem eu achei este jornal no lixo
enfrente a casa desse senhor – falou tirando do bolso da calça o pacote com as
joias – e, quis devolvê-lo, mas este senhor não me deixou falar!
O delegado abriu o pacote sobre a mesa e perguntou ao casal:
- São estas as suas
joias?
- Sã...sã...são sim, doutor! A toupeira
do meu marido as jogou no lixinho do lavabo ontem à noite! Só pode ter
acontecido isso!
– falou a Lurdes.
- Então está
resolvido! Não houve roubo coisa nenhuma! Retiras a queixa Sr. Tilzo? –
perguntou Dr. Lauro.
- Eu retiro a queixa e
peço desculpas à...
- Ele pode até retirar a queixa dele
seu doutor, mas eu quero registrar a acusação de roubo e racismo! Meu patrão me
acusou de ladra e me chamou de polaca, discriminadamente e, eu vou processá-lo! – falou fula da vida a Luciana.
- E eu serei
testemunha de tudo, senhor delegado! – falou Dorival olhando ternamente
para Lu.
- Escrivão comece outro
B.O! As joias ficam retidas, pois será parte do inquérito! – ordenou Dr.
Lauro.
- ANTA, paquiderme...!
Cochichou Tilzo à Lurdes.
- ANIMAL,
hamsterzinho...! Retrucou Lurdes.
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