quarta-feira, 19 de setembro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


O Tesouro e o Lixo

Paraíso – bairro nobre de Virtuália; madrugada de quarta-feira 03h00min.
         - Você vai ficar vendo televisão? Eu vou dormir, pois bebi além da conta! –disse Lurdes ao marido.
         -Vou, tô sem sono!
         Lurdes subiu a escada que leva até ao quarto do casal e entrou no lavabo e começou a se despir das joias e colocá-las em cima do balcão da pia, sobre as páginas de classificados da Folha de Virtuália. Eram as melhores e mais caras das suas joias. Teve que usá-las, pois não poderia faltar na formatura de medicina do filho mais velho de sua “arqui-inimiga” na “higth socielity”. Carregava consigo essa magoa já que seu único e delicado herdeiro formou-se, numa faculdade de quinta categoria, para professor de ciências e dava aula de botânica numa escola do  município.
         Colocou todas as preciosidades sobre o jornal e fez tipo um pacote e o deixou ali mesmo e, às pressas, esvaziou o estomago no bidê; bocejou,  foi para a cama e “apagou”.
         Tilzo, alguns minutos depois, desligou a TV e subiu para a suíte. Parou no lavabo do corredor e comentou consigo:
         -Pô! Que nojeira! A anta emporcalhou todo o lavabo! – pegou o pacote com as joias e jogou no lixinho do lavabo.
         ...
         Dez horas da bela manhã seguinte:
         - Luciana, você já colocou o lixo para fora? O lixeiro vai passar! – gritou Lurdes à empregada.
         - Já sim senhora, Dona Lurdes! Só tinha o lixo do lavabo! – falou Lu, descendente de polonês – uma linda mulher no auge de seus vinte e quatro anos.
         Dorival estava correndo rua acima recolhendo os sacos de lixo e jogando dentro do apropriado caminhão. Em frente à casa do empresário Tilzo, ele pegou um saco transparente – diferente dos de costume – e, viu no seu interior a parte dos classificados da Folha de Virtuália, onde leu: -“ Monte seu próprio negócio -” dizia no cabeçalho do anúncio. Apressado rasgou o saco, antes de atirá-lo dentro do caminhão, e pegou o jornal embolado como se fosse um saquinho e colocou no bolso do uniforme cor de laranja e verde.
         - Pô! Tenho que dar um jeito na minha vida. Sou formado em gastronomia e trabalho há dois anos nesta empresa coletora de lixo, terceirizada, da prefeitura; tenho que montar meu próprio negócio relacionado com alimentos!
         ...
         Passava da meia noite quando Dorival chegou ao seu cubículo, quarto e sala:
         - Hoje ‘tô pregadão! Vou tirar esse uniforme e... ah! os classificados...
Dorival meteu a mão no bolso e pegou o jornal enrolado e ao abri-lo:
         - Que é isto minha gente? É um tesouro? – realmente, eram as joias de Lurdes que Tilzo jogara no lixinho do lavabo.
         - Caramba, parecem ser verdadeiras!– deixou as joias no criado-mudo e correu os olhos nos classificado e focou num anúncio:
“Vendo barato trailer para venda de yakisoba. Motivo: Passei no concurso para gari da prefeitura, na capital.”
         - ‘Taí, amanhã vou dar uma olhada nisto! Quem sabe? Mas, e essas joias, heim? Devem ser bijuterias, com certeza! Vou, antes do trabalho, na casa da Rua Arcanjo Miguel, 484; foi lá que peguei a sacola de lixo com isto dentro!
         Dorival sequer apagou a luz e caiu no sono dos justos.
         ...
         - Bom dia, o senhor é o dono da casa? – perguntou o Dorival.
         - Sou sim, mas não posso atendê-lo agora! Espero a chegada da polícia. Houve um roubo na minha residência e creio que foi a empregada! – disse Tilzo.
         - Serei rápido, senhor! – insistiu o lixeiro.
         - Não insista, senhor! Já ajudo todos os anos a Associação dos Catadores de Lixo! – estupidamente falou o Tilzo.
         ...
         - Mas não roubei nada Dona Lurdes, eu juro! Trabalho para a senhora há dez anos! Por favor, acredite em mim! – chorava Lu.
         - A polícia vai resolver tudo! Ela já está chegando, olha lá! – apontou Lurdes para o início da rua.
         - Sr. Tilzo?
         - Sou eu sargento e a ladra é aquela “POLACA” ali! – disse Tilzo “dedurando” a empregada.
         - Entrem todos na viatura e vamos para o distrito! – ordenou o militar e continuou:
         - Você também, com de uniforme laranja da Virtualurb, serás testemunha, vamos!
         Dorival nem questionou e juntou-se a Tilzo, Lurdes e Luciana que chorava mares de lágrimas.
         - Sr. Tilzo, o senhor é um cidadão importante na cidade e esta sua acusação é muito grave e terás que provar em juízo o que acusas! Entendeu?
         - Sim seu delegado! Ela roubou uma fortuna de quase dois milhões em joias e vai ter que devolver ou provar que não roubou! – disse Tilzo.
         - Isto é o juiz quem vai decidir, no dia da audiência! Por agora é só assinarem onde estão os seus nomes e aguardar a convocação! – disse o Dr. Lauro e continuou:
         - Em casos semelhantes, a este, os acusadores estavam enganados e o juiz estipulou uma pena de 20%, do valor do suposto roubo, a ser pago ao acusado!
         - Seu delegado antes de eu assinar posso falar algo importante? – humildemente falou o Dorival.
         - Vai, fale logo!
         - Ontem eu achei este jornal no lixo enfrente a casa desse senhor – falou tirando do bolso da calça o pacote com as joias – e, quis devolvê-lo, mas este senhor não me deixou falar!
         O delegado abriu o pacote sobre a mesa e perguntou ao casal:
         - São estas as suas joias?
         - Sã...sã...são sim, doutor! A toupeira do meu marido as jogou no lixinho do lavabo ontem à noite! Só pode ter acontecido isso! – falou a Lurdes.
         - Então está resolvido! Não houve roubo coisa nenhuma! Retiras a queixa Sr. Tilzo? – perguntou Dr. Lauro.
         - Eu retiro a queixa e peço desculpas à...
         - Ele pode até retirar a queixa dele seu doutor, mas eu quero registrar a acusação de roubo e racismo! Meu patrão me acusou de ladra e me chamou de polaca, discriminadamente e, eu vou processá-lo! – falou fula da vida a Luciana.
         - E eu serei testemunha de tudo, senhor delegado! – falou Dorival olhando ternamente para Lu.
         - Escrivão comece outro B.O! As joias ficam retidas, pois será parte do inquérito! – ordenou Dr. Lauro.
         - ANTA, paquiderme...! Cochichou Tilzo à Lurdes.
         - ANIMAL, hamsterzinho...! Retrucou Lurdes.
        
        
        
         

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