Fruta Verde
Quando era pequeno, Thales achou caído, às margens da rodovia que liga
Virtuália a Realópolis, uma plantinha enterrada dentro de um balde com terra
vegetal. Levou para casa, com certa dificuldade e seu padrasto, o qual chamava
de Padim, logo foi lhe perguntando:
- Onde você achou isso, moleque?
- Na rodovia, Padim, deve de ter caído de algum caminhão de mudança!
- É bem provável! – falou Maneco arrancando uma folha, esfarelando e
esfregando-a entre as mãos e continuou o diálogo:
- Pelo cheiro da folha deve de ser de maçã; vou plantar lá no meio do quintal,
daqui a uns três anos vai virar uma árvore cheia de maçãs! – e assim o fizeram.
Passaram-se três anos e meio e Thales, agora com quase doze anos, chamou o
padrasto lá embaixo da macieira:
- Padim, corre, vem vê prôce vê! – seu Maneco, há dois anos aposentado, correu
perante a insistência do enteado:
- O que é moleque, viu um fantasma?!
- Não Padim, é que achei uma maçã na árvore! Será que ela só vai produzir uma
única fruta?
- Não mexe nela, deixe como está daqui a um mês vai ‘tá vermelhinha! – disse o
Maneco.
...
Um mês depois:
- Padim, a maçã que o Senhor falou que não era para tocá-la, caiu do pé, olha
só! – falou Thales. A maçã havia caído e se esborrachado no chão e o Maneco,
que tinha ingerido “umas e outras”, veio furioso:
- Foi você quem a derrubou seu filho da @#*&%$#@#*#%$#@; ela cresceu e,
agora que ia ficar vermelhinha, você a derrubou! – falava alto e esfregava o
rosto do menino na maçã, caída no chão, e, ao mesmo tempo aplicava-lhe
vigorosas palmadas no traseiro.
- Pára Padim, não fiz nada, ela caiu sozinha! – chorava e tentava se
desvencilhar o pequeno. O ignorante do padrasto fê-lo comer, à força, o que
restou da fruta suja no próprio chão de terra e, na sua fúria, cortou a
macieira, com um machado, rente à raiz.
Thales nunca mais esqueceu o ocorrido: o cheiro da fruta suja de terra; o gosto
azedo-adocicado da fruta; o barulho do pé de maçã caindo; o instante de fúria
do perdoado padrasto e, nunca mais quis saber e maçã.
...
Vinte e dois anos se passaram e às duas horas a manhã:
- Thales, meu amor, eu estou com um desejo louco de tomar suco de maçã verde,
por favor, vai buscar no supermercado vinte e quatro horas... por favor...
eu...eu...
- Pô, querida, é o único suco que não temos em casa?!Eu vou, pois não
quero ver meu filho nascer com a cara dessa... dessa... fruta!
- Ah! Como odeio maçã! – falou baixinho.
No supermercado, vinte minutos depois:
- Deu R$4,70 meu senhor! – falou o atendente. Thales deu-lhe R$10,00 e o
senhor do caixa disse-lhe não ter os trinta centavos em moedas e, deu-lhe três
balas.
- Mas eu quero o troco em dinheiro,
isto é um direito meu!
- Senhor, pelo adiantado da hora é impossível
eu conseguir três moedas de dez centavos; queres cancelar a compra? – disse lhe
o caixa que era parecidíssimo com seu falecido padrasto, tanto na aparência,
quanto na voz e na falta de humor.
Thales pegou a sacola plástica com o suco industrializado, jogou as três
balas dentro e acelerou para casa.
- Ah! Meu amor que delícia, eu e teu herdeiro lhe agradecemos!- disse a
esposa no quinto mês de gestação, saboreando suco.
- Ok, mas dá licença que não suporto nem o cheiro desta fruta; tem três
balas que trouxe de troco. Está dentro do pacote no qual veio a caixinha de
suco, você quer?
- Quero sim!
– Rose pegou as balas e disse-lhe:
- Olha que coincidência, as balas são, também, de maçã verde?!
A memória de Thales trouxe-lhe
toda a cena vivida com o marido de sua mãe e aquele equivoco com o pé de maçã verde.
No
outro dia Thales chegou em sua casa com um pacote com 200 balas de maçã verde e
Rose, espantada, perguntou:
- Que é isso, amor,
o meu desejo de maçã verde já passou, aliás, tantas balas assim tá me dando
náuseas... eca!!
No dia seguinte, ás duas horas e
dez minutos, Rose cutucou seu marido que dormia profundamente:
- Benhêêê, estou doida de vontade de comer melão verde; rabanete; manga
verde; pepino; milho verde; beterraba; banana verde; quiabo; tomate verde;
inhame e maçã-verde, tudo isso, numa salada temperada com molho verde! Tô que
não me aguento de desejo... por favor... benhêêê...por favor...por favor...por
favor!
Thales se levantou, pegou
uma sacola com um pacote dentro e foi ao supermercado:
- São R$19,70! – disse-lhe o mesmo senhor do caixa da noite anterior,
sósia de seu padrasto.
- Só um minuto que vou até meu carro pegar com o que pagar estas
compras! – disse-lhe o Thales.
Retornou, pegou as compras e jogou o pacote com as duzentas balas no
balcão do caixa dizendo:
- Aí tem duzentas balas de maçã-verde que, a R$0,10 cada uma, darão
R$20,00; pode ficar com o troco!
O senhor do caixa não tentou, sequer,
questionar e Thales saiu com um estranho sorriso de satisfação no rosto.
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