PEDRO
O calor estava à
beira do insuportável.
Olavo parou a GMC
modelo 1955 – só faltavam as quatro calotas originais para trocar a placa comum
por, outra preta, de colecionador – perto do Restô, bar e restaurante de
Virtuália - e pediu ao Gaúcho uma latinha descartável de água de coco, super
gelada. Enquanto saboreava, o delicioso líquido ficou na porta do estabelecimento
admirando a sua caminhonete. Na frente da possante “vermelha-chassi,” um
catador de reciclável, parou seu carrinho com alguns materiais recicláveis; o
carrinho era uma carcaça de geladeira na qual adaptaram duas rodas aro treze de
automóvel, dois varões de madeira e uma travessa por onde alguém a puxava ou
empurrava: - à tração-humana. O condutor veio até ao mesmo bar e pediu uma lata
de cerveja, pagou, sentou-se no meio fio da calçada e palavreou,
aborrecidamente:
- Calor dos capetas; vai ser quente
assim lá no meio dos infernos!
Olavo saiu dali e foi em direção da sua GMC;
terminou a água de coco e tentou amassar a latinha apertando-a com sua mão
direita, mas ela era mais dura do que as normais e não completou o ato.
Chegando perto do carrinho de reciclável, jogou a latinha dentro e...:
- Ei, patrão, pode parar! Pega essa lata
que você jogou no meu veículo! – gritou Pedro –
pelo menos esse era o nome que estava, escrito em letras na cor amarela, na
lateral da carcaça marrom de refrigerador.
- Ué, você não recolhe os recicláveis nas ruas?
– questionou Olavo.
- Recolho sim, mas essa daí não vale
nada! – Olavo a pegou e viu, nela, o
símbolo de reciclável e dentro dele estava escrito: - aço, e compreendeu o que
o catador quis dizer.
Após colocar a
lata, propriamente dita, dentro de um cesto de lixo público, falou ao, suposto,
Pedro:
- Ouça senhor, eu moro naquela casa
amarela – disse apontando para sua residência
– lá
no fim desta quadra; passa por lá, pois tenho um saco enorme cheio de
recipiente de alumínio, vazio, de cerveja, para reciclagem, ok?
- Hoje eu não posso, talvez depois de
amanhã eu... não, depois de amanhã é sábado e eu não trabalho; talvez segunda
feira por volta das quatorze horas, tá bom? Só irei depois do meu horário de
almoço!
- Tudo bem!
–falou Olavo e pensou em voz baixa: - Não dá para acreditar, o sujeito numa
penúria de dar dó e cheio de normas e regrinhas?! Desse jeito ele nunca vai
sair dessa vidinha...
Segunda feira,
quatorze horas e um minuto tocaram a campainha lá do portão, era o tal catador:
- Entra aqui, meu senhor
– ele beirava os cinquenta anos de idade – o saco, com as embalagens, está aqui nos
fundos, o portão está aberto!
- O senhor não pode trazer o saco aqui?
É que estou com muita pressa! – respondeu o
sujeito.
Já sem paciência o
dono da casa levou o enorme saco, que deveria pesar uns treze quilos:
- Aqui está, Pedro! Este é seu nome, não
é?
- Não, não é meu nome, esse é o nome do
meu veículo de trabalho; meu nome é..., mas peraí, as latinhas não estão
amassadas?
- Não, não estão; eu as coloco aí nesse
saco assim que as descarto! – respondeu o dono das latinhas,
já com certa rispidez.
- Faz o seguinte: no próximo fim de
semana o senhor as amassa e na outra segunda, neste mesmo horário, eu venho
buscar, tá bom? – falou o dono do Pedro olhando
para Olavo como que lhe dando uma ordem e, este, não suportou a audácia e respondeu
em alta voz:
- Tá bom coisa nenhuma, ora bolas, não
vou fazer nada disso e não tem mais latinha nenhuma! Quem ti vê sente pena e
quer te ajudar, mas depois de conversar contigo a gente quer é distância! Pô,
meu vá ti catar!
- Vá você, eu fazendo um favorzão em te
ajudar a se livrar desse lixo e me discriminas?! Vou fazer um B.O. por
discriminação; saiba que não sou analfabeto, já tive até casa própria e um
negócio de vender hortaliças, só quebrei porque não tive sorte na vida e quer
saber mais:
- Vai se ferrar, infeliz!
– respondeu indo embora o catador de lixo reciclável, empurrando o Pedro vazio.
Olavo ficou no
portão com o enorme saco com as latinhas derramando pelo chão falou:
- Está explicado o porquê de viver nessa
miséria, esse pobre coitado!
- Ei moço, o senhor vai jogar fora essas
latinhas? Se for, dê-as para mim!
- Vou sim, pode vir pegá-las!
– respondeu-lhe catando as que tinham caído e as recolocando, de volta, dentro
do saco.
A senhora elegante
e bem vestida, desceu da novíssima camioneta importada, pegou o saco e o
colocou no porta-malas e deu, a ele, um cartão:
- Tome meu cartão, nele tem meu nome,
e-mail e telefones; quando tiver mais recicláveis é só me contatar que venho
buscar, ok? Muito obrigada!
Ela
entrou no seu veículo prateado, deu uma buzinada e sorrindo disse-me:
-Tchau!
-Tchau! – respondeu-lhe e leu no cartão amarelo claro com
letras marrom:
-PESSOAS
DEFENSORAS
DOS RECICLADORES
ORGANIZADOS
de Virtuália (PEDRO)
– entidade filantrópica sem fins lucrativos; o endereço da associação,
telefone, e-mail, o nome da bela senhora e o número de seu celular.
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