sexta-feira, 20 de julho de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


PEDRO
                O calor estava à beira do insuportável.
Olavo parou a GMC modelo 1955 – só faltavam as quatro calotas originais para trocar a placa comum por, outra preta, de colecionador – perto do Restô, bar e restaurante de Virtuália - e pediu ao Gaúcho uma latinha descartável de água de coco, super gelada. Enquanto saboreava, o delicioso líquido ficou na porta do estabelecimento admirando a sua caminhonete. Na frente da possante “vermelha-chassi,” um catador de reciclável, parou seu carrinho com alguns materiais recicláveis; o carrinho era uma carcaça de geladeira na qual adaptaram duas rodas aro treze de automóvel, dois varões de madeira e uma travessa por onde alguém a puxava ou empurrava: - à tração-humana. O condutor veio até ao mesmo bar e pediu uma lata de cerveja, pagou, sentou-se no meio fio da calçada e palavreou, aborrecidamente:
- Calor dos capetas; vai ser quente assim lá no meio dos infernos!
  Olavo saiu dali e foi em direção da sua GMC; terminou a água de coco e tentou amassar a latinha apertando-a com sua mão direita, mas ela era mais dura do que as normais e não completou o ato. Chegando perto do carrinho de reciclável, jogou a latinha dentro e...:
- Ei, patrão, pode parar! Pega essa lata que você jogou no meu veículo! – gritou Pedro – pelo menos esse era o nome que estava, escrito em letras na cor amarela, na lateral da carcaça marrom de refrigerador.
- Ué, você não recolhe os recicláveis nas ruas? – questionou Olavo.
- Recolho sim, mas essa daí não vale nada! – Olavo a pegou e viu, nela, o símbolo de reciclável e dentro dele estava escrito: - aço, e compreendeu o que o catador quis dizer.
Após colocar a lata, propriamente dita, dentro de um cesto de lixo público, falou ao, suposto, Pedro:
- Ouça senhor, eu moro naquela casa amarela – disse apontando para sua residência – lá no fim desta quadra; passa por lá, pois tenho um saco enorme cheio de recipiente de alumínio, vazio, de cerveja, para reciclagem, ok?
- Hoje eu não posso, talvez depois de amanhã eu... não, depois de amanhã é sábado e eu não trabalho; talvez segunda feira por volta das quatorze horas, tá bom? Só irei depois do meu horário de almoço!
- Tudo bem! –falou Olavo e pensou em voz baixa: - Não dá para acreditar, o sujeito numa penúria de dar dó e cheio de normas e regrinhas?! Desse jeito ele nunca vai sair dessa vidinha...
Segunda feira, quatorze horas e um minuto tocaram a campainha lá do portão, era o tal catador:
- Entra aqui, meu senhor – ele beirava os cinquenta anos de idade – o saco, com as embalagens, está aqui nos fundos, o portão está aberto!
- O senhor não pode trazer o saco aqui? É que estou com muita pressa! – respondeu o sujeito.
Já sem paciência o dono da casa levou o enorme saco, que deveria pesar uns treze quilos:
- Aqui está, Pedro! Este é seu nome, não é?
- Não, não é meu nome, esse é o nome do meu veículo de trabalho; meu nome é..., mas peraí, as latinhas não estão amassadas?
- Não, não estão; eu as coloco aí nesse saco assim que as descarto! – respondeu o dono das latinhas, já com certa rispidez.
- Faz o seguinte: no próximo fim de semana o senhor as amassa e na outra segunda, neste mesmo horário, eu venho buscar, tá bom? – falou o dono do Pedro olhando para Olavo como que lhe dando uma ordem e, este, não suportou a audácia e respondeu em alta voz:
- Tá bom coisa nenhuma, ora bolas, não vou fazer nada disso e não tem mais latinha nenhuma! Quem ti vê sente pena e quer te ajudar, mas depois de conversar contigo a gente quer é distância! Pô, meu vá ti catar!
- Vá você, eu fazendo um favorzão em te ajudar a se livrar desse lixo e me discriminas?! Vou fazer um B.O. por discriminação; saiba que não sou analfabeto, já tive até casa própria e um negócio de vender hortaliças, só quebrei porque não tive sorte na vida e quer saber mais:
- Vai se ferrar, infeliz! – respondeu indo embora o catador de lixo reciclável, empurrando o Pedro vazio.
Olavo ficou no portão com o enorme saco com as latinhas derramando pelo chão falou:
- Está explicado o porquê de viver nessa miséria, esse pobre coitado!
- Ei moço, o senhor vai jogar fora essas latinhas? Se for, dê-as para mim!
- Vou sim, pode vir pegá-las! – respondeu-lhe catando as que tinham caído e as recolocando, de volta, dentro do saco.
A senhora elegante e bem vestida, desceu da novíssima camioneta importada, pegou o saco e o colocou no porta-malas e deu, a ele, um cartão:
- Tome meu cartão, nele tem meu nome, e-mail e telefones; quando tiver mais recicláveis é só me contatar que venho buscar, ok? Muito obrigada!
Ela entrou no seu veículo prateado, deu uma buzinada e sorrindo disse-me:
-Tchau!
-Tchau! – respondeu-lhe e leu no cartão amarelo claro com letras marrom:
-PESSOAS DEFENSORAS DOS RECICLADORES ORGANIZADOS de Virtuália (PEDRO) – entidade filantrópica sem fins lucrativos; o endereço da associação, telefone, e-mail, o nome da bela senhora e o número de seu celular.

            

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