segunda-feira, 23 de julho de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA / VIDA EM FAMÍLIA


O Caldo

Tarde fria de domingo, como a maioria dos dias de meados do inverno, decidi:
            - Vou tirar um cochilo e ir para Virtuália, pois lá, sou eu quem faz o clima e, fui!
            - Nhô Antônio, o senhor está em casa? – gritei diante do portão.
            - Ei, seu Lê, tô aqui nus fundus, na horta, aprochegue, he, he, he, he! – gritou o meu querido amigo, sempre sorrindo.
            - Boa tarde Nhô, como tem passado?
            - Graças ao Criador eu tô muito bem, e ocê?
            - Estou bem, fora o frio que faz lá na minha cidade, o resto, está tudo tranquilo!
            - Ingraçadu, misifiu, u friu foi imbora daqui anssim que ocê chegou; vô inté tirá minha japona de bataia!
            - De batalha, Nhô?
            - É isso memu, ieu tenhu iela desde us tempus em qu’ieu era sordadu infermeru na segunda guerra mundiá, desde 1943, seu Lê; só se istraviô as divisa que tinha nas manga, he!he!he!
            - Caramba, Nhô, tem bastante tempo, hein?! Nem parece; teu jaquetão está inteirinho!
            - Pois é, inhantes as coisa era feita com mais seriedade; feitas prá durá
            -Depois que o senhor voltou dos campos da Itália continuou a ser enfermeiro?
            - Continuei inté me aposentá, aí vium este sítiu e, ieu e a falecida Ritinha fizemu aqui u nossu paraísu. Aqui prantamu e criamu di um tudo! U Criador – é só falar no Mestre e o Nhô descobre a cabeça  do seu chapéu e palha surrado – não permitiu qui nóis tivesse herderu é purissu qui vivu só aqui; às veis a Xerequéia vem fazê uma faxina i lavá argumas rôpa pra mim, mas ieu pagu viu seu Lê?! He!He!He!
- Não se senti magoado com o Criador o fato de Ele não ter-lhe dado filhos?
            - Craru qui não, seu Lê, quem semu nóis para se magoá com u Todu Poderosu?
            - É por isso que não tens religião e não frequentas igrejas, Nhô?
            - Não, misifiu, num é por isso; vou te contá lá na cuzinha inquantu façu um cardu forte pra janta! Ocê vai janta mais ieu, não vai, seu Lê?
            - Caldo de que meu amigo?
            - Di legume, ou cheja: inhame, abobra, vagi, tomati, batata doce, ispinafre cenora, baroa, batata e carne seca disfiada; u charque foi um amigu meu que me troxe despois que ieu dei prêle uma garrafada pru modi di levantá u ânimu! He!he!he!he!
            Na cozinha e ajudando no que podia o ancião, no preparo do caldo:
            - Comu nóis tava proseanu, eu te digu, seu Lê: U tempro du meu Deus  é a casa du meu isprito, ô cheja, u meu corpu! Despois du que já vi nessas igreja, nus terreru, nus conseiu dus padri e nus milagre dus pastô... tsc...tsc...tsc..., eu num aquerditu neis, seu Lê!
            - Tem uns tempu patráis,  muitus tresantonti memu, que eu fui levadu pela Ritinha numa dessas igreja vistosa, colorida e qui mais parecia um castelu; o pastô chefi proseô quaji uma hora de bobagi pru povu e despois gritô bem artu: - Oceis que já pagaru o dízmu, já deru a oferta de hoje, já deru u dinheru prá ajudá a modificá u jardim da igreja, que tar, agora, oferecê dois dias du seu trabaiu para o Senhor?       – Aí eu num guentei, seu Lê, peguei a Ritinha pelu braçu e nóis nunca mais fumu num lugar desses!
            - É, Nhô, a fé virou moeda de troca!
            - Ostru dia eu fui visitá um veiu amigu, o Tilelê, que foi  operadu de pedra na visícula – agora eie já tá bão – e entrou um bandu de pastô crente na infermaria, colocaru as mãos nas cabeças dus operadu e doente e diziam um monti de coisa. Eu num aguentei e saí de lá e fiquei num corredô enfrente adonde qui fica us doente com doença artamente contagiosa, - na ária isolada. Fui dá uma oiadinha pela janelona de vidru e tinha lá prá mais de vinte pobri coitadu; quaji todus mi reconheceru e acenaru prá mim. Comu us infermeru me conhece, eu entrei lá e conversei cum todus eies. Na saída, dessa ala, us pastô crente e mais uma turma de carola, estavam em frente à porta de entrada cum as mão levantada e oranu e eu perguntei:
            - Ué, purque que oceis num entra lá drentu para por as mãos nas cabeças deies?
            - Não queremu nus contaminá, meu senhô! – disse o que tava com o ternu mais alinhado. – Má sabia eies que já estavam com a pió das duença dos homi! Sabi qualé, seu Lê?
            - Hipocrisia, Nhô, é esta a pior das doenças da humanidade!
            - Justu, misifiu, justu!
            - A sopa tá pronta, vamos comê, seu Lê?
            - Vamos sim, o cheiro está muito bom, Nhô!
            - É o segredu du temperu qui a Ritinha me dexô de herança; despois  te falu deie, mas é segredu, viu amigu? Vamu tomá que já tá iscurecenu e... ingraçadu, tá vortanu a esfriá, não é seu Lê?
            Realmente, tomar sopa no frio do inverno é uma de minha predileção e aquele caldo saboreei com muito gosto, depois do aperitivo de pinga amargosa do Nhô.
            - Então já me vou Nhô, qualquer hora eu apareço!
            - Intão inté, intão misifio! Percisano é só aparece!
            - Tchau, então!
            ...
            -Rô, o caldo está pronto, vem logo para não esfriar!- falei alto para minha patroa que estava no quarto de costura consertando minha jaqueta dos tempos de guerreiro das estradas, - um caminhoneiro.
            - Muito obrigado, amor, mas não quero não!  Você esqueceu que eu detesto inhame?





             

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