quarta-feira, 11 de julho de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


O fantasma da Volta da Restinga

            - Só um instante, Sr. Cacholé, que o Dr. Prefeito, vai estar te atendendo! – falou Cindy Corbélia – a recepcionista, telefonista e secretária do prefeito, advogado e pastor da Igreja Eva-angélica Sideral de Virtuália, - Dr. Jairo Edson. Corbélia tinha 1,78 m de altura, esguia, porém não era bonita; sua soberba a tornava horrível e mantinha os homens à distância há vinte e cinco dos seus quarenta e um anos de vida. Considerava-se autodidata no conhecimento dos emaranhados da língua pátria.
            - Oi, Paulo di Paulli, bom dia, você vai estar acompanhando ele?! – perguntou Corbélia ao Paulinho Goró que acompanhava o trêmulo Cacholé. A faz-tudo do pastor tinha certa simpatia pelo Goró.
            - Eu sempre ajudo os meus chegados, dona! – respondeu educadamente o Paulinho, sempre sóbrio, mas com aparência de quem viveu vinte e cinco anos no mundo etílico.
            - Tomem cafezinho e tem, também, água gelada no bebedouro; são só vocês servirem-ses.  O prefeito está em reunião com o delegado e o professor Juliano. O Ju veio exigir providências do prefeito e do delegado, pois lhe roubaram uma fantasia do atelier dele. – querendo justificar, a demora, a secretária.
            Dentro do gabinete:
            - Pois como ficamos então Senhor Prefeito? Minha fantasia para o concurso do jubileu da padroeira, na semana que vem, foi roubada e eu pergunto aos senhores: - Como é que eu fico? Gastei uma fortuna para elaborar a minha obra prima: - O Deus das Águas no Mundo dos Espelhos.  Foram três meses cortando e costurando os dois mil quadradinhos de espelhos; olhem minhas mãos cortadas e, nem as cutículas eu tive tempo de tirar! Essa fantasia só tem valor para mim no concurso; deve de ter sido o meu mais próximo concorrente quem a roubou só para eu desistir de concorrer.
            Um “toc toc” e a porta se abre:
- Com licença senhor Dr. Prefeito?!
            - O que queres Dona Corbélia? – perguntou o prefeito.
            - É que o Cacholé, seu caseiro lá do sítio da Volta da Restinga, está desesperado querendo lhe falar contigo.
             - Por todos os diabos... deve ser importante ele não viria aqui à toa e, além disso, não sabe nem andar pela cidade. – disse o Jairo Edson.
            - Então é por isso que o Paulinho Goró está com ele! – pensou em voz alta, a Cindy.
            - “Mande” entrar, deve ser coisa rápida; os senhores permitem não é mesmo?
- Sim, claro! – responderam os três visitantes em coro.
            - Vou chamar eles! – disse a secretária.
            - Sr. Cacholé e Sr. Paulo, o prefeito vai estar podendo receber vocês agora; podem entrarem-se!
            ...
            - Com licença doto, eu vim aqui dizê que num trabaio mais, de caseiro, prô sinhô no seu sítio. Di noite tá apareceno um fantasma, na curva da estrada que entra nas suas terra. Onti, noiti di lua cheia, ele estava lá enquanto a lua brilhava inhantis de chovê! – dizia afobado o caseiro.
            - Era só o que me faltava: - um fantasma! – disse o prefeito-advogado-fazendeiro-pastor e prosseguiu:
            - Bem já são quase dezoito horas, vamos, todos juntos, fazer um lanche e depois eu os convido a irem comigo ver se deparamos com o dito fantasma; a senhora pode ir para casa D. Cindy!
            - Eu vou Jairo, como delegado de oriximbanda posso enfrentar esse demônio! – adiantou-se em falar, o Juliano seguidor ferrenho de babacorixá.
            - Eu, como representante da lei, tenho obrigação de atendê-lo, amigo e prefeito! – imperou Carabina Doze o astuto delegado de Vituália.
            - Eu vou com meu chegado e pego esse espírito à unha! – intercalou o Goró.
            Às dezenove horas chegaram ao sítio. Estava muito escuro e não tinha energia na propriedade, devido ao chuvão da noite anterior; Jairo acendeu o lampião e, na varanda, perguntou à Cacholé:
            - Onde você viu o fantasma Aparecido (este era o nome do Cacholé)?
            - Onti à noite ele estava despois da curva da estrada, no meio das árves de fruta! – respondeu o caseiro apontando enquanto falava.
            - Iiiiiiiiiiiiihhhhháaáááááááá...He!He!He! Eu cheguei para arresolvê tudo; vou converçá coessa arma penada, mais inhantis eu quero uma oferenda: duzentos mirréis. Pode dá os caraminguás pro meu cavalo que ele vai comprá o que vô pedi prêle despois.. Hehehehehehehh! – era o Juliano que incorporava o que ele chamava de “O Caboclo Vendaval”; e fazia caretas, bocas e se entortava todo.
            O prefeito se mostrou um homem sem fé, medroso, enfim, um cagão; tirou da carteira duzentos reais e entregou ao cavalo (nome dado àqueles que recebem entidades): - o próprio Juliano e, este, pegando o dinheiro pediu para apagar o lampião e começou a conversar com o espírito numa linguagem indecifrável e que só ele dizia entender:
            - Intão tá, intão, sinhá mocinha, vou falar prô dotô!

            - Óia, seu dotô, acabei de falá com o isprito. Ele era uma escrava lindíssima qui foi violentada e morta pelo senhorio desta fazenda nus tempus dos escravo e quer, também, oferenda para ir imbora comigo; quer quinhentos mirréis e... – Juliano/Caboclo Vendaval foi rispidamente interrompido:
            - Que conversa fiada é essa, Juliano?! Esta fazenda foi construída em 1947, como pode ter espírito de escrava aqui? – nisto um carro aproximou-se da curva da estrada e no meio da escuridão da noite, armada para chover, os faróis do veículo iluminou o fantasma no meio das árvores frutíferas. Pronto! bastou isso para Juliano/ Vendaval crescer no argumento e sua boca espumava como se a tivesse enchido de antiácido efervescente:
            - Tão venu, não disafiem os seres das treva?! O isprito se zangou, veja como ele brilha de ódio! – realmente alguma coisa brilhou quando os faróis do carro clarearam as árvores da curva da estrada.
            - Eu vou lá pegar esse bicho a unha ou não me chamo Paulinho Goró! – falou e saiu em desabalada carreira rumo ao brilho. O carro passou pela frente do sítio buzinando e sumiu na poeira da escuridão.
            - Peguei! Pegue o espírito! – gritava Goró.
            Já de lampião acesso o prefeito, o delegado, Cacholé e Juliano correram até onde o Paulino estava caído no chão e abraçado com: o Deus das Águas no Mundo dos Espelhos.
            - Minha fantasia, como veio parar aqui?! – gritou o delegado de oriximbabaca seguidor do babacorixá.
            - Devolva meus duzentos reais seu pai de santo fajuto! – gritou o prefeito.
            -Tá cancelada a queixa de roubo! – disse o homem da lei, o grande, Carabina Doze.
            - Cuma é que eu ia sabê, mi discurpa patrãozinho?!- quase chorando balbuciava o Cacholé.
            - Vamos voltar para a cidade que tenho que vender meus espetinhos lá na praça! – falou Goró.
            - “Me” ajude aqui gente, tenho que levar a fantasia e ela é pesada para levar sozinho até ao carro!- todo afeminado, falava o Juliano enquanto cuspia o resto da Alka-Seltzer de sua boca.
            - Você não vai na minha picape, se quiser, vá à pé; são só duas léguas até seu atelier. Vista a fantasia sai andando! – disse o prefeito dando partida na cabine-dupla, importada e novinha que fora doada pelos fiéis à sua igreja.
            Juliano quis dar mais uma de esperto e, agora, tinha certeza que foi o seu rival em tudo, até na disputa de quem fumava mais charutos, que subtraiu a fantasia e dado sumiço nela. Vestiu a fantasia e saiu pela escuridão da noite, torcendo para que não chovesse, pela estrada de chão, rumo a Virtuália.
            ...
            Duas horas da madrugada e chovia à cântaros, a campainha da casa do Carabina Doze toca sem parar e ele atende à porta:
            - Dr. Delegado do céu, eu quase morri de susto, vi um fantasma ou um... um... ET... sei lá! ... na estrada da Volta da Restinga pedindo carona. Quase o atropelei, mas ele quis fugir prô mato e caiu dentro de uma vala cheia de lama.

Nenhum comentário:

Postar um comentário