quinta-feira, 12 de julho de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


Pescaria

                No feriadão da semana santa, depois de um ótimo almoço cochilei e  fugi para Virtuália. Tinha combinado com Nhô Antonio Benzedô de ir “mais” ele às barrancas do Rio do Peixe para saborearmos algumas horas pescando.
- Sabe seu Lê, tem umas cousa qui ieu num intendu. Óia, se u governu num tem religião purque us funcionáriu púbricu num trabaiam nus dia santu? Pió ainda: - Purquê us funcionáriu du governu qui são crente ô evangélicu tamém num trabaiam? U sinhô sabe ixplicá? – na sua simples sapiência indagou-me o caboclo eirado com seu peculiar jeito de falar.
         - Não sei Nhô! Só a hipocrisia explicaria!
         -Intão tá, intão! Dexa prá lá!
- Nhô, já estamos aqui há uma hora e não pesquei nada e o senhor nem  jogou seu anzol na água?
- ‘Tô esperanu a hora certa, misifiu! Quandu u Sor tivé a pinu eu vô pescá um mandi de, maomenu, um quilu! Já perparei a lenha seca, u buracu nu chão e a fôia de bananeira para assá u pexe! Já-já sortu a isca nu riu! Os qui nóis pescá despois du mandi nóis sortá, tá bão?
- ‘Tá ok, Nhô! O bom dessas nossas pescarias é a companhia, o ar fresco, a natureza e as prosas!
- Mais i num é qui é memu, doto? He,he,he,he...
Não deu outra. Nhô jogou a isca e em dez minutos o mandi de mais de um quilo foi fisgado. E eu, admirado, olhava o que ele fazia: abriu o centenário alforge – herança do seu avô -,  pegou uma faca, dois limões e um saleiro. Abriu o peixe, limpou-o na beira do rio, espremeu os dois limões no peixe e sapecou sal no mandi. Depois enrolou o pescado na folha de bananeira, colocou tudo  no buraco e cobriu com um pouco de terra. Em seguida montou a fogueira encima do buraco tapado com o peixe dentro e a acendeu.
- Agóia é só isperá u pexe assá, - com a graça de Deus! Falou isso tirando o chapéu da grisalha cabeça e olhando para o céu.
Conversa vai e conversa vem perguntei-lhe:
         - Porque o senhor não se casou de novo, Nhô?
         - Despois qui perdi a Rita, uns quarenta anos atrais, num mi interessei pur outra muié, seu Lê! Fiquei recoídu nas minhas reza, minhas erva e com a natureza!
         Mas o senhor não sente falta de mulher, meu amigo?
         - Sintu farta de Ritinha, mas tanta farta qui, lá em casa, ieu ficu conversanu cum iela e, dentru dus meus pensamentus, iela me responde! Sabe, seu Lê, as muié , du pescoçu pra baixu, si não usá prefume nenhum, são todas iguá. A deferença istá du pescoçu pra cima!
         - Como assim, Nhô?
         - Num existe dois oiá iguá; num existe dois sorrisu iguá; num existe dois narizin iguá; num existe dois jeitin di falá iguá e...afinar num existe duas cabeça iguá a ôtra. I é dentru da cabeça que está u ispritu das pessoa, seu Lê! Cada ispritu tem u seu par qui é únicu. Já conheci e vivi com meu par, a Rita. Perfiru viver c’ as lembrança e sodade dela du qui cum qualqué outra cabeça. Entendeu misifiu?
         - Creio que sim Nhô...acho que sim! – quem seria eu para discordar com um pensamento tão...tão...”só dele”.
         Passaram-se cerca de quarenta e cinco minutos e eu tinha pescado dois piaus, uma peramutaba e um piau e  os devolvi ao rio. Nhô pitava seu palheiro, vício que ele cultivava desde os seus quinze anos. Nunca adoecera:
         - É purcausa das reza, erva e das raízes que eu mexu! – dizia ele.
         - Êpa! Este é dus grandão! -gritou Nhô e, realmente, era um dourado de mais de três quilos. Nhô o pegou, tirou-lhe o anzol da bocarra e o soltou dizendo:
         - He..he..he... douradão di sorte. Agradeça u mandi qui já deve de tá assadu!
Nhô levantou-se da pedra da beira do rio e começou a desmanchar o que restou da fogueira; desenterrou o embrulho de folha de bananeira e me chamou:
- Vem vê procê vê, misifiu!
Tirei o anzol da água e fui até ele e, este, abriu o embrulho:
         - Nossa Nhô, que aroma delicioso! – falei salivando aos baldes.
         - Pode começá a cume; usa as mãos memu! Tem farinha d`´agua du Pará na lata aí du ladu! Ah! mais inhantis, toma um goli deste aguardente com erva amarga; é bão para matar us verme, he, he, he, he, he! – deu-me,  numa caneca, um líquido perfumado de agradabilíssimo sabor, embora meio amargo. O mandi ficou realmente um manjar dos querubins.
         - Tenhu que í pra casa que u pessoá já deve di tá esperanu pela minhas reza de sexta-fera e hoji é especiá pra eles. Pode fica por aqui, seu Lê! Intão,  inté  intão!
         Fiquei com meus pensamentos divagando às margens do Rio do Peixe por mais ou menos duas horas. Com a saída do Nhô Antonio Benzedô, os peixes também se foram e eu voltei de Virtuália.
        

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