Pescaria
No
feriadão da semana santa, depois de um ótimo almoço cochilei e fugi para Virtuália. Tinha combinado com Nhô Antonio
Benzedô de ir “mais” ele às barrancas do Rio do Peixe para saborearmos algumas
horas pescando.
- Sabe seu Lê, tem umas cousa qui ieu num intendu. Óia, se u governu num tem religião purque us funcionáriu púbricu num trabaiam nus dia
santu? Pió ainda: - Purquê us funcionáriu du governu qui são crente ô
evangélicu tamém num trabaiam? U sinhô sabe ixplicá? – na sua simples sapiência
indagou-me o caboclo eirado com seu peculiar jeito de falar.
- Não sei Nhô! Só a hipocrisia explicaria!
-Intão tá,
intão! Dexa prá lá!
-
Nhô, já estamos aqui há uma hora e não pesquei nada e o senhor nem jogou seu anzol na água?
- ‘Tô esperanu a hora certa, misifiu! Quandu u Sor tivé a pinu
eu vô pescá um mandi de, maomenu, um quilu! Já perparei a lenha seca, u buracu
nu chão e a fôia de bananeira para assá u pexe! Já-já sortu a isca nu riu! Os
qui nóis pescá despois du mandi nóis sortá, tá bão?
-
‘Tá ok, Nhô! O bom dessas nossas pescarias é a companhia, o ar fresco, a
natureza e as prosas!
- Mais i num é qui é memu, doto? He,he,he,he...
Não deu outra. Nhô
jogou a isca e em dez minutos o mandi de mais de um quilo foi fisgado. E eu,
admirado, olhava o que ele fazia: abriu o centenário alforge – herança do seu
avô -, pegou uma faca, dois limões e um
saleiro. Abriu o peixe, limpou-o na beira do rio, espremeu os dois limões no
peixe e sapecou sal no mandi. Depois enrolou o pescado na folha de bananeira, colocou
tudo no buraco e cobriu com um pouco de
terra. Em seguida montou a fogueira encima do buraco tapado com o peixe dentro
e a acendeu.
- Agóia é só isperá u
pexe assá, - com a graça de Deus!
Falou isso tirando o chapéu da grisalha cabeça e olhando para o céu.
Conversa vai e conversa
vem perguntei-lhe:
- Porque o senhor não se casou de novo, Nhô?
- Despois qui
perdi a Rita, uns quarenta anos atrais, num mi interessei pur outra muié, seu
Lê! Fiquei recoídu nas minhas reza, minhas erva e com a natureza!
Mas o senhor não sente falta de mulher, meu amigo?
- Sintu farta
de Ritinha, mas tanta farta qui, lá em casa, ieu ficu conversanu cum iela e,
dentru dus meus pensamentus, iela me responde! Sabe, seu Lê, as muié , du
pescoçu pra baixu, si não usá prefume nenhum, são todas iguá. A deferença istá du
pescoçu pra cima!
- Como assim, Nhô?
- Num existe
dois oiá iguá; num existe dois sorrisu iguá; num existe dois narizin iguá; num
existe dois jeitin di falá iguá e...afinar num existe duas cabeça iguá a ôtra.
I é dentru da cabeça que está u ispritu das pessoa, seu Lê! Cada ispritu tem
u seu par qui é únicu. Já conheci e vivi com meu par, a Rita. Perfiru viver c’
as lembrança e sodade dela du qui cum qualqué outra cabeça. Entendeu misifiu?
- Creio que sim Nhô...acho que sim! – quem seria eu para
discordar com um pensamento tão...tão...”só dele”.
Passaram-se cerca de quarenta e cinco minutos e eu tinha
pescado dois piaus, uma peramutaba e um piau e
os devolvi ao rio. Nhô pitava seu palheiro, vício que ele cultivava
desde os seus quinze anos. Nunca adoecera:
- É purcausa
das reza, erva e das raízes que eu mexu! – dizia ele.
- Êpa! Este é
dus grandão! -gritou Nhô e, realmente, era um dourado de mais de
três quilos. Nhô o pegou, tirou-lhe o anzol da bocarra e o soltou dizendo:
- He..he..he...
douradão di sorte. Agradeça u mandi qui já deve de tá assadu!
Nhô
levantou-se da pedra da beira do rio e começou a desmanchar o que restou da
fogueira; desenterrou o embrulho de folha de bananeira e me chamou:
- Vem vê procê vê, misifiu!
Tirei
o anzol da água e fui até ele e, este, abriu o embrulho:
- Nossa Nhô, que aroma delicioso! – falei salivando aos
baldes.
- Pode começá a
cume; usa as mãos memu! Tem farinha d`´agua du Pará na lata aí du ladu! Ah!
mais inhantis, toma um goli deste aguardente com erva amarga; é bão para matar
us verme, he, he, he, he, he! – deu-me, numa caneca, um líquido perfumado de
agradabilíssimo sabor, embora meio amargo. O mandi ficou realmente um manjar
dos querubins.
- Tenhu que í
pra casa que u pessoá já deve di tá esperanu pela minhas reza de sexta-fera e
hoji é especiá pra eles. Pode fica por aqui, seu Lê! Intão, inté intão!
Fiquei com meus pensamentos divagando às margens do Rio do
Peixe por mais ou menos duas horas. Com a saída do Nhô Antonio Benzedô, os
peixes também se foram e eu voltei de Virtuália.
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