sexta-feira, 30 de novembro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


AIÊ, O Palhaço


Cidade Virtuália, - Rua Lúcifer esquina com Rua Cristo Redentor.
Era ali toda à tarde, a partir das 17h00min e ia até as 20h00min, que o palhaço Aiê fazia ponto. Ele já chegava maquiado. Tinha olhos pintados sobre as pálpebras, de modo que, mesmo com elas fechadas parecia-nos abertos. A fantasia era a mesma há mais de dez anos. Ninguém sabia quem ele era na vida real.
Naquela tarde, excepcionalmente, ele estava muito cansado, mas não faltou ao movimentado cruzamento.
- Olha papai, é um palhaço! Se o sinal fechar, quando chegarmos perto, o senhor compra para nós duas daquelas varetas com balões coloridos? – disse Pâmelo, o maiorzinho.
O pai nem deu atenção e, aborrecido com problemas na empresa, só fechou mais o semblante.
         O sinal de trânsito fechou e Aiê, com vários bastões nas mãos, chegou até ao veículo:
         - Boooaaa tardeeeemmm, meus Jô-jo-jovens!Ah!Ah! Oh!Oh! Ôiiiiiii...
         - Pode parar com isto, esperto! Não vou comprar nada e vai dando licença – disse Rui ao palhaço enquanto acelerava o carro parado ante ao sinal de trânsito.
         - “Caluma” meu Jô- Jô- jovem, “muitcha caluma”! Estes brinquedos são de graça para as crianças. Eu não cobro nada e dentro dos balões tem algo de valor!
         - Eu “quéio” papi - sorrindo e começando a falar as primeiras palavras, disse o Caio.
         - Não pegue nada, vamos embora! – berrou o Rui saindo apressado com a abertura do sinal.
         O sorriso alegre de Aiê ficou sem graça e triste diante das lágrimas de Caio. Soltou todos os balões que segurava e estes ganharam o céu.  Voltou para a calçada e, embaixo da marquise, sentou-se  ao lado de uma velha banca de jornais abandonada,   encostou a cabeça na banca  não falando e nem esboçando nenhuma reação.
         Três dias depois:
         “– RICAÇO DESAPARECEU ONTEM ÀS 15h00min” – dizia a manchete da Folha de Virtualia.
         A fofoca dizia que ele estava cansado da cidade e fugira para o litoral. Como era viúvo, solitário e o último da estirpe deixou os negócios à Deus-dará e sumiu.
         ...
         - Olha papai, perto daquela banca velha?         É aquele palhaço com quem o senhor se zangou anteontem, lembra?
- É ele mesmo! Veja como as pessoas se desviam de onde ele está e, ainda tapam o nariz – concluiu Rui.
- É mesmo, mas vamos comprar os balões para o Caio. Ele até hoje fala nesses brinquedos, pai! Vamos comprar e levar para ele!
- Está bem! Vou encostar o carro e ir lá conversar com ele – e assim o fez.
- Ei palhaço, você ainda...? 
Ao chegar perto de Rui notou o cheiro de putrefação e fez sinal para uma viatura de polícia que passava ali perto. O sargento constatou que aquele cidadão estava morto tem pelo menos três dias.

         “PALHAÇO Aiê FOI ENCONTRADO MORTO NA ESQUINA DA RUA LÚCIFER COM A CRISTO REDENTOR!” – dizia a manchete da Folha de Virtuália, e a reportagem prosseguia: ... ele era o viúvo e sisudo Bartolomeu, desaparecido três dias atrás...”

Resumo: As aparências putrefam, mesmo que as disfarcemos” - Lefus



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