AIÊ, O
Palhaço
Cidade
Virtuália, - Rua Lúcifer esquina com Rua Cristo Redentor.
Era
ali toda à tarde, a partir das 17h00min e ia até as 20h00min, que o palhaço Aiê fazia ponto. Ele já chegava maquiado. Tinha
olhos pintados sobre as pálpebras, de modo que, mesmo com elas fechadas
parecia-nos abertos. A fantasia era a mesma há mais de dez anos. Ninguém sabia
quem ele era na vida real.
Naquela
tarde, excepcionalmente, ele estava muito cansado, mas não faltou ao
movimentado cruzamento.
- Olha papai, é um palhaço! Se o sinal
fechar, quando chegarmos perto, o senhor compra para nós duas daquelas varetas
com balões coloridos? – disse Pâmelo, o
maiorzinho.
O
pai nem deu atenção e, aborrecido com problemas na empresa, só fechou mais o
semblante.
O sinal de trânsito fechou e Aiê, com vários bastões nas mãos, chegou até ao
veículo:
-
Boooaaa tardeeeemmm, meus Jô-jo-jovens!Ah!Ah! Oh!Oh! Ôiiiiiii...
-
Pode parar com isto, esperto! Não vou comprar nada e vai dando licença –
disse Rui ao palhaço enquanto acelerava o carro parado ante ao sinal de
trânsito.
-
“Caluma” meu Jô- Jô- jovem, “muitcha caluma”! Estes brinquedos são de graça
para as crianças. Eu não cobro nada e dentro dos balões tem algo de valor!
- Eu “quéio”
papi - sorrindo e
começando a falar as primeiras palavras, disse o Caio.
-
Não pegue nada, vamos embora! – berrou o Rui saindo apressado com a
abertura do sinal.
O sorriso alegre de Aiê ficou sem graça e triste diante das lágrimas de Caio.
Soltou todos os balões que segurava e estes ganharam o céu. Voltou para a calçada e, embaixo da marquise, sentou-se ao lado de uma velha banca de jornais abandonada, encostou a cabeça
na banca não falando e nem esboçando nenhuma reação.
Três dias depois:
“– RICAÇO DESAPARECEU ONTEM ÀS
15h00min” – dizia a manchete da Folha de Virtualia.
A fofoca dizia que ele estava cansado
da cidade e fugira para o litoral. Como era viúvo, solitário e o último da
estirpe deixou os negócios à Deus-dará e sumiu.
...
-
Olha papai, perto daquela banca velha?
É aquele palhaço com quem o senhor se zangou anteontem, lembra?
- É ele mesmo! Veja como as pessoas se
desviam de onde ele está e, ainda tapam o nariz – concluiu Rui.
- É mesmo, mas vamos comprar os balões
para o Caio. Ele até hoje fala nesses brinquedos, pai! Vamos comprar e levar
para ele!
- Está bem! Vou encostar o carro e ir
lá conversar com ele – e assim o fez.
- Ei palhaço, você ainda...?
Ao
chegar perto de Rui notou o cheiro de putrefação e fez sinal para uma viatura
de polícia que passava ali perto. O sargento constatou que aquele cidadão
estava morto tem pelo menos três dias.
“PALHAÇO Aiê FOI
ENCONTRADO MORTO NA ESQUINA DA RUA LÚCIFER COM A CRISTO REDENTOR!” – dizia a
manchete da Folha de Virtuália, e a reportagem prosseguia: ... ele era o viúvo
e sisudo Bartolomeu, desaparecido três dias atrás...”
Resumo: “As aparências putrefam, mesmo que as disfarcemos” - Lefus
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