domingo, 18 de novembro de 2012

VIDA E M VIRTUÁLIA


Procurando Pistas do JULIANO E BEIJO


- Nhô Antônio, Nhôôôô!
            - Ieu ’tô caimbaxu na horta, seu Lê, aprochegue!
            - Boa tarde, meu amigo! Como tens passado – perguntei ao nobre ancião.
            - Ieu tô comu u Criadô manda, misifiu, tá tudu bão cumigu! I c’ôce?
            - Comigo está tudo bem Nhô, eu queria saber notícias do Juliano e do Beijo; fui a casa deles e disseram que saíram dias desses, de madrugada, e não voltaram até hoje. Isto já tem uns cinco dias.
            - Iscuita seu Lê, tem maomenu essa quantia di tempu qui ieu vi u carru azuli deies passá lá na istrada qui vai inté a mina du Morru Véi. Eies foru i num vortaru pruque num iscutei u baruiu daquéia cachanga veia vortanu.
            - É estranho, não é Nhô?
            - É sim! Si mar li preguntu: - U qui ôcê qué c’aquêies dois, patrão?
            - Lembra aquele macacãozinho que estava aqui na sua sala na última vez que nós quatro estávamos juntos? Aquele dia em que vocês três não sabiam o que tinha acontecido? No dia em que a mãe do ouro foi embora para o espaço? Naquele dia em que... - fui interrompido:
            - Sei misifiu, craru qui ieu mi alembru; u qui ôce qué c’aquéia rôpa isquisita?
            - Quero ver se tem, ainda, algum pelo do Etevaldo nela para eu mandar fazer um exame de DNA para ver até que ponto ele é humano.
            - Num sei qui qué dizê essas letra qui ôce falô, mai qui aquéia criatura é di ôtru mundu...ah! issu ieu tenhu certeza qui é!
            - A genti podi í inté a mina aminhã, pruque agóia já tá tardi. Hoji é noiti sem lua i num dá prá í lá di carroça, u Batencurt – pangaré do Nhô -  já tá mutchu véi prá andá nu iscuru. Eh!Eh!Eh!
            - Vamu aproveitá í colocá as prosa im dia, seu Lê; ôce  janta mais ieu?
            - Ok, Nhô, amanhã cedinho nós vamos lá ver se encontramos pistas deles – falei a meu amigo.
            - Cedim memu, às cincu nóis si dispinguela prá mina. É nessi horariu qui us crarão são maió naquéias bandas, seu Lê – confirmou o Nhô.
            - Misifiu, eu tenhu nu fugão um ensopadu dus qui ieu insinei prô Biliatu, aquêie mindingu lá di Virtuáia i qui, ieli mai u Lezivu – amigu di infortunhu dêie – istão pensanu im vendê numa barraquinha lá na praça Bispu- Cardiá, as tardinha. Ieis só istão percisanu di um impurrãozin, eh!eh!eh! – falou isto levantando a mão direita esfregando o polegar no indicador, gesto típico de dizer dinheiro.
            - Vou conversar com eles depois e, talvez, eu possa ajudá-los, mas o que tem de especial nesse ensopado, Nhô?
            - Us ingredienti i, principarmenti, u tempêru – respondeu-me.
            - Já sei, o tempero é segredo antigo, não é mesmo?
            - Issu memu! Tô passanu prô Bili pruque iele percisa duma forcinha i além dissu nóis si cunheci desdi muitchu tempu!
            - Se o senhor já os está ajudando, pode contar comigo. Pode falar para eles que eu vou ajudá-los!
            - Eh!Eh!Eh! Ieu já falei , seu Lê. Ieu já sabia qui ôce ia ajudá ieies.
            - Mas que cheirinho bom Nhô, é do ensopado – perguntei-lhe.
            - É sim , patrão, vamu lá qui tá na hora dôce porvá, mai inhantes ôce vai bibiricá uma talagada da amargosa! Eh!Eh!Eh!
            A noitinha estava fria, apesar de meados de dezembro, e deixou, psicologicamente, o ensopado mais saboroso e puxei assunto:
            - Ah! Se tudo fosse tão tranquilo e simples como esta vida que levas Nhô!
            - Ué, pruqui ôce fala issu, misifiu?
            - Dias desse, lá na capital, um grande empresário esqueceu o filho dele de dez meses trancado dentro do carro, pois se esqueceu de deixá-lo na creche e foi direto para a empresa. Ele só se lembrou quando ia voltar para casa, já de tardinha. Como o carro é super moderno com os vidros escuro e muito bem vedado, ninguém viu e nem ouviu nada, a criança morreu sufocada. Ele nunca levara antes o bebê para a creche e, naquele dia, ele tinha mudado sua rotina e deu no que deu!
            - Nu mundu modernu, di hoji, as pessoa isqueci u valô da vida humana i só qué ganhá mai i mai podê i dinheru, seu Lê!
            - É verdade! Sabe o que o pai falou depois, para a imprensa: - “Foi uma fatalidade!” Não foi nem preso, pois é rico - não sei se foi por isso - a lei rezou que ele vai sofrer o resto da vida e que esse sofrimento já é um castigo insubstituível, é uma pena por demais pesada.
            - É seu Lê, si fô pensá ansim i, si essa pessoa tem sentimentu, podi inté sê, mais... -Nhô foi interrompido pelo barulho de palmas e um grito chamando-o:
            - Nhô... seu Nhô!
            - Ieu já vórtu, misifiu, vô veriguá quem qui é – falou-me e caminhou até a porta da sala. Conversou com alguém e voltou com uma lata nas mãos. Colocou parte do ensopado dentro, pegou um generoso pedaço dos pães, que ele mesmo faz, e voltou à porta da frente da casa. Alguns minutos depois retornou à cozinha:
            - Prontu, podemu cuntinuá nossu proseadu!
            - Quem era Nhô – perguntei.
            - Era... era...qué dizê, é uma das concidença dessa vida, misifio, nóis dois falanu nu pai qui isqueceu u bebê trancadu nu carru i mi apareci u Jorgi Malucu, eh!eh!eh! I óia qui eie nunca passa puraqui; só veju eie veis qui ôtra perembulanu pelas rua di Virtuáia. Coitadu vévi choranu i pedinu perdão prá fiínha deie.
            - Mas o que houve com ele, Nhô?
            Antes que ele começasse a narrativa um carro parou em frente ao portão da casa, buzinou e uma voz feminina forte gritou:
            - Nhô Antônio, sou eu Cindy, posso “ estar entrando”?
            - Eh! Eh! Eh! A Cindy devi di tá percisando di arguma coisa prá vim aqui dinoiti -falou Nhô e prosseguiu:
            - Aprochegui, misifia, istô aqui na cunzinha!
            Cindy desceu do Fusca 69 vermelho e chegou até onde estávamos:
            - “Boas noites” para “ambos os dois” senhores! Nhô trouxe um presente antecipado de Natal para o senhor; é um panetone legítimo italiano que mandei fazer na padaria de Virtuália – falou a conservada senhora entregando um pacote ao meu amigo.
            - Brigadão, misifia; foi bão ôce chegá aqui. Ôce vai podê contá direitim u qui acunteceu c’ô Jorgi Malucu, já qui ieli é primu du prefeitu i ôce conheceu a famía deie – falou o Nhô à secretária do prefeito, advogado, empresário e pastor Jairo Edson.
            - Pois não Nhô, então foi ele, o Jorge Edson que vi lá perto da paineira velha comendo o conteúdo de uma lata. Bem... tudo foi “começado” assim:

            “ - Querida, querida, nosso carro, zero quilometro, chegou na agência dos importados, vim buscar a carta de crédito que deixei na estante; à tarde eu encosto com ele aqui na porta da garagem Jorge Edson pegou a carta e saiu às carreiras até a loja de carros.
         À tardinha ele chega com o carro novo e estacionou na entrada da garagem que ficava embaixo do quarto da Martinha, sua filha única de quatro anos – essa garotinha ganhou, naquele ano, o primeiro lugar no concurso Brotinho Virtuáliano. Jorge entrou em casa alegre e aos gritos:
         - Querida, venha ver que joia rara; só nós temos esse modelo em todo o Vale Virtualiano do Rio do Peixe!
         Mara correu para frente da casa em companhia do marido e exclamou:
         - Uau, que coisa mais linda!
         Com todo o alvoroço, Martinha, que brincava em seu quarto, foi até à janela para ver o que estava ocorrendo e esbarrou em dois vasos de violetas que estavam no parapeito da janela e, um caiu no capô danificando-o muito e o outro estilhaçou o parabrisa.
         - Ahhhhhhhh! Meu carro novo! Sua pestinha dos infernosbradou Jorge e subiu até ao quarto da filha e, com um chinelo de couro cru, começou a bater nas mãozinhas da criança que chorava aos gritos até quase desmaiar. Jorge só parou quando Mara puxou-o pelos braços:
         - Pare com isso, Jorge, você vai machucar nossa filhinha!
         As mãozinhas de Martinha incharam instantaneamente e começaram a ficar escuras:
         - É só por gelo que melhorabravejou o ignorante pai, deu partida no carro e voltou à concessionária.
            Tarde da noite, Martinha teve febre e chorava muito de dor e Mara levou-a ao PSMV e foi lá que  constataram:
         - Teremos que amputar as mãozinhas dela, minha senhora, está em princípio de gangrena. O que foi que aconteceu – perguntou o médico plantonista, Doutor Patrício Ruffus.
         - Ontem ela foi subir na estante e a televisão caiu nas mãos dela – mentiu a mãe.
            À noite, do dia seguinte, Martinha já estava sem as mãozinhas e Jorge chegou até ela no leito infantil da enfermaria do PSMV aos prantos:
         - Desculpa minha filhinha, o papai perdeu a cabeça, desculpa, me perdoa...falava desesperado chorando compulsivamente e a Martinha sorrindo respondeu:
         - Não chora não papaizinho, logo, logo vai me nascer outras duas mãozinhas novas e aí eu vou poder abraçar o senhor!”

            - É desde este dia, já tem uns nove anos, que o Jorge ficou maluco. A mulher dele, que é muito bonita, vendeu tudo e foi morar na capital com um major da polícia militar. Martinha vai “ estar fazendo” treze anos e é lindíssima – completou Cindy encerrando a narrativa e, se despedindo:
            - Tenho que “estar indo” senhores, vou “estar passando” lá no carrinho de espetinho do Paulo di Paulli e deixar um panetone para ele, tchau!
            - Tchau, senhorita!
            - Intão, inté intão, misifia – disse Nhô acenando com a mão e me confessou:
            - Sabe seu Lê, essa dona Cindy vai acabá ajuntandu us trapu cum u Paulin Goró, ôce qué apostá mais ieu?
            - De jeito nenhum, meu caro – rebati no ato – tenho certeza que isto vai acontecer!
            - Já é tardi, misifiu, e si ôce perferí podi drumi na varanda, na redi vermêia. Ôce podi oiá as istrela i us crarão qui, di veis inquandu, ispoca lá pertu da mina du Morru Véi – sugeriu o Nhô.
            Concordei e não preguei os olhos, pois parecia que tinha festa lá pelas bandas da mina do Morro Velho e aproveitei a brisa da roça, os aromas, os sons e a festa no céu do recanto do Nhô Antônio Benzedô.

Continua em: ABDUÇÃO PACÍFICA

            

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