Procurando Pistas
do JULIANO E BEIJO
-
Nhô Antônio, Nhôôôô!
- Ieu ’tô caimbaxu na horta, seu Lê,
aprochegue!
- Boa tarde, meu amigo! Como tens
passado – perguntei ao nobre ancião.
- Ieu tô comu u Criadô manda, misifiu, tá
tudu bão cumigu! I c’ôce?
- Comigo está tudo bem Nhô, eu
queria saber notícias do Juliano e do Beijo; fui a casa deles e disseram que
saíram dias desses, de madrugada, e não voltaram até hoje. Isto já tem uns
cinco dias.
- Iscuita seu Lê, tem maomenu essa
quantia di tempu qui ieu vi u carru azuli deies passá lá na istrada qui vai inté a mina du Morru Véi. Eies foru i num vortaru pruque num iscutei u baruiu
daquéia cachanga veia vortanu.
- É estranho, não é Nhô?
- É sim! Si mar li preguntu: - U qui
ôcê qué c’aquêies dois, patrão?
- Lembra aquele macacãozinho que
estava aqui na sua sala na última vez que nós quatro estávamos juntos? Aquele
dia em que vocês três não sabiam o que tinha acontecido? No dia em que a mãe do
ouro foi embora para o espaço? Naquele dia em que... - fui interrompido:
- Sei misifiu, craru qui ieu mi alembru; u
qui ôce qué c’aquéia rôpa isquisita?
- Quero ver se tem, ainda, algum
pelo do Etevaldo nela para eu mandar fazer um exame de DNA para ver até que
ponto ele é humano.
- Num sei qui qué dizê essas letra
qui ôce falô, mai qui aquéia criatura é di ôtru mundu...ah! issu ieu tenhu
certeza qui é!
- A genti podi í inté a mina aminhã,
pruque agóia já tá tardi. Hoji é noiti sem lua i num dá prá í lá di carroça, u Batencurt – pangaré
do Nhô - já tá mutchu véi prá andá nu iscuru. Eh!Eh!Eh!
- Vamu aproveitá í colocá as prosa im dia,
seu Lê; ôce janta mais ieu?
- Ok, Nhô, amanhã cedinho nós vamos
lá ver se encontramos pistas deles – falei a meu amigo.
- Cedim memu, às cincu nóis si dispinguela
prá mina. É nessi horariu qui us crarão são maió naquéias bandas, seu Lê –
confirmou o Nhô.
- Misifiu, eu tenhu nu fugão um ensopadu dus
qui ieu insinei prô Biliatu, aquêie mindingu lá di Virtuáia i qui, ieli mai u
Lezivu – amigu di infortunhu dêie – istão pensanu im vendê numa barraquinha lá
na praça Bispu- Cardiá, as tardinha. Ieis só istão percisanu di um impurrãozin,
eh!eh!eh! – falou isto levantando a mão direita esfregando o polegar no
indicador, gesto típico de dizer dinheiro.
- Vou conversar com eles depois e, talvez,
eu possa ajudá-los, mas o que tem de especial nesse ensopado, Nhô?
- Us ingredienti i, principarmenti,
u tempêru – respondeu-me.
- Já sei, o tempero é segredo antigo, não é
mesmo?
- Issu memu! Tô passanu prô Bili
pruque iele percisa duma forcinha i além dissu nóis si cunheci desdi muitchu
tempu!
- Se o senhor já os está ajudando,
pode contar comigo. Pode falar para eles que eu vou ajudá-los!
- Eh!Eh!Eh! Ieu já falei , seu Lê.
Ieu já sabia qui ôce ia ajudá ieies.
- Mas que cheirinho bom Nhô, é do
ensopado – perguntei-lhe.
- É sim , patrão, vamu lá qui tá na hora dôce
porvá, mai inhantes ôce vai bibiricá uma talagada da amargosa! Eh!Eh!Eh!
A
noitinha estava fria, apesar de meados de dezembro, e deixou, psicologicamente,
o ensopado mais saboroso e puxei assunto:
- Ah! Se tudo fosse tão tranquilo e simples
como esta vida que levas Nhô!
- Ué, pruqui ôce fala issu, misifiu?
- Dias desse, lá na capital, um
grande empresário esqueceu o filho dele de dez meses trancado dentro do carro,
pois se esqueceu de deixá-lo na creche e foi direto para a empresa. Ele só se
lembrou quando ia voltar para casa, já de tardinha. Como o carro é super
moderno com os vidros escuro e muito bem vedado, ninguém viu e nem ouviu nada,
a criança morreu sufocada. Ele nunca levara antes o bebê para a creche e,
naquele dia, ele tinha mudado sua rotina e deu no que deu!
- Nu mundu modernu, di hoji, as
pessoa isqueci u valô da vida humana i só qué ganhá mai i mai podê i dinheru,
seu Lê!
- É verdade! Sabe o que o pai falou
depois, para a imprensa: - “Foi uma fatalidade!” Não foi nem preso, pois é rico
- não sei se foi por isso - a lei rezou que ele vai sofrer o resto da vida e
que esse sofrimento já é um castigo insubstituível, é uma pena por demais
pesada.
- É seu Lê, si fô pensá ansim i, si
essa pessoa tem sentimentu, podi inté sê, mais... -Nhô foi
interrompido pelo barulho de palmas e um grito chamando-o:
- Nhô... seu Nhô!
- Ieu já vórtu, misifiu, vô veriguá
quem qui é – falou-me e caminhou até a porta da sala. Conversou
com alguém e voltou com uma lata nas mãos. Colocou parte do ensopado dentro,
pegou um generoso pedaço dos pães, que ele mesmo faz, e voltou à porta da
frente da casa. Alguns minutos depois retornou à cozinha:
- Prontu, podemu cuntinuá nossu proseadu!
- Quem era Nhô –
perguntei.
- Era... era...qué dizê, é uma das
concidença dessa vida, misifio, nóis dois falanu nu pai qui isqueceu u bebê
trancadu nu carru i mi apareci u Jorgi Malucu, eh!eh!eh! I óia qui eie nunca
passa puraqui; só veju eie veis qui ôtra perembulanu pelas rua di Virtuáia.
Coitadu vévi choranu i pedinu perdão prá fiínha deie.
- Mas o que houve com ele, Nhô?
Antes
que ele começasse a narrativa um carro parou em frente ao portão da casa,
buzinou e uma voz feminina forte gritou:
- Nhô Antônio, sou eu Cindy, posso “ estar
entrando”?
- Eh! Eh! Eh! A Cindy devi di tá
percisando di arguma coisa prá vim aqui dinoiti -falou Nhô e
prosseguiu:
- Aprochegui, misifia, istô aqui na
cunzinha!
Cindy
desceu do Fusca 69 vermelho e chegou até onde estávamos:
- “Boas noites” para “ambos os dois”
senhores! Nhô trouxe um presente antecipado de Natal para o senhor; é um
panetone legítimo italiano que mandei fazer na padaria de Virtuália – falou
a conservada senhora entregando um pacote ao meu amigo.
- Brigadão, misifia; foi bão ôce chegá aqui.
Ôce vai podê contá direitim u qui acunteceu c’ô Jorgi Malucu, já qui ieli é
primu du prefeitu i ôce conheceu a famía deie – falou o Nhô à secretária do
prefeito, advogado, empresário e pastor Jairo Edson.
- Pois não Nhô, então foi ele, o Jorge Edson
que vi lá perto da paineira velha comendo o conteúdo de uma lata. Bem... tudo
foi “começado” assim:
“ - Querida, querida, nosso carro, zero
quilometro, chegou na agência dos importados, vim buscar a carta de crédito que
deixei na estante; à tarde eu encosto com ele aqui na porta da garagem – Jorge Edson
pegou a carta e saiu às carreiras até a loja de carros.
À tardinha ele chega com o carro novo e estacionou
na entrada da garagem que ficava embaixo do quarto da Martinha, sua filha única
de quatro anos – essa garotinha ganhou, naquele ano, o primeiro lugar no
concurso Brotinho Virtuáliano. Jorge entrou em casa alegre e aos gritos:
- Querida, venha ver que
joia rara; só nós temos esse modelo em todo o Vale Virtualiano do Rio do Peixe!
Mara correu para frente da casa em companhia do
marido e exclamou:
- Uau, que coisa mais linda!
Com todo o alvoroço, Martinha, que brincava em
seu quarto, foi até à janela para ver o que estava ocorrendo e esbarrou em dois
vasos de violetas que estavam no parapeito da janela e, um caiu no capô
danificando-o muito e o outro estilhaçou o parabrisa.
- Ahhhhhhhh! Meu carro
novo! Sua pestinha dos infernos – bradou Jorge e subiu
até ao quarto da filha e, com um chinelo de couro cru, começou a bater nas
mãozinhas da criança que chorava aos gritos até quase desmaiar. Jorge só parou
quando Mara puxou-o pelos braços:
- Pare com isso, Jorge, você vai machucar nossa filhinha!
As mãozinhas de Martinha incharam
instantaneamente e começaram a ficar escuras:
- É só por gelo que melhora – bravejou o ignorante pai, deu partida no carro e
voltou à concessionária.
Tarde
da noite, Martinha teve febre e chorava muito de dor e Mara levou-a ao PSMV e
foi lá que constataram:
- Teremos que amputar as mãozinhas dela, minha senhora, está
em princípio de gangrena. O que foi que aconteceu – perguntou o médico plantonista, Doutor Patrício Ruffus.
- Ontem ela foi subir na estante e a televisão caiu nas mãos
dela – mentiu a mãe.
À
noite, do dia seguinte, Martinha já estava sem as mãozinhas e Jorge chegou até
ela no leito infantil da enfermaria do PSMV aos prantos:
- Desculpa minha filhinha, o papai perdeu a cabeça,
desculpa, me perdoa... – falava desesperado
chorando compulsivamente e a Martinha sorrindo respondeu:
- Não chora não
papaizinho, logo, logo vai me nascer outras duas mãozinhas novas e aí eu vou
poder abraçar o senhor!”
- É
desde este dia, já tem uns nove anos, que o Jorge ficou maluco. A mulher dele,
que é muito bonita, vendeu tudo e foi morar na capital com um major da polícia
militar. Martinha vai “ estar fazendo” treze anos e é lindíssima –
completou Cindy encerrando a narrativa e, se despedindo:
- Tenho que “estar indo” senhores, vou
“estar passando” lá no carrinho de espetinho do Paulo di Paulli e deixar um
panetone para ele, tchau!
- Tchau, senhorita!
- Intão, inté intão, misifia – disse Nhô
acenando com a mão e me confessou:
- Sabe seu Lê, essa dona Cindy vai acabá
ajuntandu us trapu cum u Paulin Goró, ôce qué apostá mais ieu?
- De jeito nenhum, meu caro – rebati no
ato – tenho certeza que isto vai
acontecer!
- Já é tardi, misifiu, e si ôce perferí podi
drumi na varanda, na redi vermêia. Ôce podi oiá as istrela i us crarão qui, di
veis inquandu, ispoca lá pertu da mina du Morru Véi – sugeriu o Nhô.
Concordei
e não preguei os olhos, pois parecia que tinha festa lá pelas bandas da mina do
Morro Velho e aproveitei a brisa da roça, os aromas, os sons e a festa no céu
do recanto do Nhô Antônio Benzedô.
Continua
em: ABDUÇÃO PACÍFICA
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