sexta-feira, 9 de novembro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


QUASE UM QUILO DE OSSOS

- Seu Cardin, eu quero três dinheiros de ossos; por favor, separe alguns pedaços com tutano, tá bão? – falou Lezivo – Lelê para os mais “chegados”-, mendigo amigo de Biliato, outro da mesma opção de vida.
         - Aguarde aí, meu, vou atender essa princesa que adentra no meu açougue. 
-Vai querer o que Maríndia; como vai a tua patroa, a Dona Lurdes – perguntou o dono do estabelecimento.
         - Ela vai bem! Quero um quilo de contrafilé sem gordura; a Filó não pode carne gorda. Ela é uma cadela de raça e sou só eu quem a leva para passear na praça e, principalmente, sou responsável pelas suas refeições! Hoje é o dia em que ela não come ração, só comerá carne bovina magra; tem que ser de primeira - Cardin pesou um quilo, cento e vinte gramas, embrulhou num papel grosso e disse-lhe:
         - Aqui está morena; bem pesado e só paga por um quilo - Maríndia pagou, saiu e desamarrou a Filó do poste em que a deixou esperando. Filó é uma pastor-alemão de dar medo e com conceituado pedigree. A moça deixou o pacote junto com sua sacola sobre um banco da praça e foi correr junto com a cachorra. Cardin acompanhava tudo com seu olhar malicioso de cobiça até que:
         - Pô, cara, e os meus ossos? – impaciente gritou Lezivo.
         - Já ‘tô pesando, Lelê! Cadê o Biliato?
         - Ele tá lá na beira da sanga preparando um rango e só falta eu levar os ossos – respondeu Lezivo e continuou:
         - Capricha no peso; quero três dinheiros que dá quase um quilo!
         - Deram, exatamente, setecentos e cinquenta e três gramas e bem “pesado”; passa a grana!
         - Toma – Lezivo jogou os três dinheiros sobre o balcão e falou:
         - Pô, cara, esses ossos você vende quase de graça prô Gazú do ferro-velho e tá regulando prá nós, os miseráveis?
         - Pare de choradeira Lelê, se não quer não leva!
         Lezivo pegou o pacote e saiu resmungando e, ao passar pela praça, viu o pacote da Filó em cima do banco da praça e pensou:
         - Desaforo, eu e o Bili chupando osso e essa vira-lata de luxo comendo carne de primeira? – não pensou duas vezes – aproveitou a ocasião - e trocou os pacotes acelerando os passos para o “acampamento”, perto da sanga, para estar junto ao amigo de mendicância.
         - Onde ocê conseguiu essa carne, Lelê? Isto é carne de gente rica – falou Biliato.
         - Eu consegui mais uns trocados e interei com o que você me deu; o Cardin, que é meu amigo, deu essa forcinha cooperando com a gente! – mentiu Lezivo.
         O velho e grande caldeirão de ferro estava no fogo, arranjado, entre duas pilhas de tijolos. Dentro dele tinha: cenoura, batata inglesa, mandioca, cebola, batata doce – tudo conseguido na varredura da feira livre – e, agora, pedaços generosos de carne de primeira; sem falar no tempero especial do Biliato.
         Enquanto isso na praça:
         - Filó, cadê você, Filóóóóóóóóóó! – gritava Maríndia.
         - Ô morena, olhe ela lá perto do banco onde está a sua sacola e está “almoçando” sem te convidar ah!ah!ah!ah! – brincou Cardin que observava tudo da porta do seu açougue.
         De repente a cadela começou a se contorcer e a ganir esquisito, Miríndia e Cardin correram até ela:
         - Mas quem é que deu esses ossos para ela? Eu comprei carne de primeira e você me enganou e embrulhou esses ossos no lugar? Veja o que aconteceu, ela quebrou um dente! – desesperada gritava a empregada da ranzinza dona Lurdes.
         - Peraí, peraí... peraêêêê, eu vendi e te entreguei foi o contrafilé e...  já sei... já sei, já sei... foi Lelê quem trocou os ossos, que eu vendi prá ele, pela carne da Filó!
         - Vou levar a Filó no veterinário e depois vou fazer um BO lá na delegacia e, da mesa do Carabina, eu telefono para a minha patroa – falou a Maríndia e prosseguiu:
         - Você é testemunha de tudo, Cardin!
          - Tá bom, morena e vai rápido que a polícia pode pegar os dois pedintes com a boca na botija, digo, na carne de primeira!
         Meia hora depois na beira da sanga:
         - Quer mais Lelê, ainda tem muito; cozinhamos para seis pessoas – disse Bili.
         - Não, eu tô “sastifeito”, amigo, vamos guardar para o jantar!
         Nisto:
         - Parem onde estão, vocês estão presos! – gritou o cabo Azalim acompanhado dos soldados Márcio e Valério.
         - O que nós fizemos tenente, nós não... – Lezivo foi interrompido:
         - Isso é desacato, não sou tenente, sou cabo! Vamos os dois para o camburão e levem esse caldeirão com a comida, ele é a prova do crime!
         Na delegacia os esperavam: Carabina, dona Lurdes, Maríndia e a medicada e esperta Filó. E o delegado começou o interrogatório:
         - Biliato, eu te conheço há muito tempo e sei que não és dado a meter as mãos nas coisas alheias, portanto, explique-se:
         - Deixa que eu falo, Bili – interrompeu Lezivo – fui eu quem trocou nossos ossos pela carne de primeira da cachorra; só eu tenho culpa – terminou por se delatar e deu, em seguida, um saudável arroto.
         - Você está detido, Lelê, ficará um dia prestando serviço de limpeza aqui na delegacia e você Bili, está liberado, pode ir embora – delegou Carabina.
         - Não delegado eu, indiretamente, fiz parte desse erro, pois utilizei a carne no ensopado e fico com meu amigo ajudando-o na limpeza – respondeu Bili.
         - Tá bom, pode ficar, mas quero capricho no serviço!
         - E quanto às senhoras eu... – o delegado foi interrompido:
         - Já que o dente da Filó, que quebrou, aliás, não quebrou, caiu, pois era de leite e não causou nenhuma lesão, estou satisfeita – falou a dona da cachorra – vamos embora Maríndia, vem Filô!
        
         Dezenove horas do mesmo dia:
         - Doutor Carabina, podemos esquentar nosso ensopado no fogareiro da delegacia? Com isso o Estado economiza com a janta!
         - Pode Lelê, mas depois limpe a lambança!
         Assim foi feito e, o cheiro apetitoso do cosido, invadiu a delegacia e todos compartilharam a iguaria, até o Carabina, que disse:
         - Está uma delícia este ensopado... huum... talvez se tivesse os ossos no lugar da carne seria mais saboroso!
         Todos caíram em gostosas gargalhadas e o delegado continuou:
         - Hoje vocês dois dormem na cela número um, cujos colchões são novinhos assim como as roupas de cama e, amanhã, depois do café, vocês podem ir cuidar de suas vidas, mas antes de se deitarem, por favor:
         - Tome cada qual, um caprichado banho, ok!


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