Planos Frustrados
O Restô era o único restaurante de comidas típicas gaúcha de
Realópolis, cidadezinha principal do Vale Virtualiano do Rio do Peixe a 80 quilômetros de Virtuália. A freguesia era quase
sempre a mesma, salvo alguns viajantes que por ali passavam. Além deste
restaurante havia, ainda, a dona Maria que servia pratos feitos no alpendre de
sua casa de madeira. A casa era toda rodeada pelo alpendre – estilo varandão -,
que era coberto por telhas coloniais. A comida, feita de Dona Maria, era
simples, o trivial das mesas das famílias brasileiras, porém, era preparada por
um tempero digno dos deuses da culinária:
- É segredo desde o tempo da minha bisavó,
uma escrava lindíssima que virou patroa – dizia ela sorridente.
Realópolis
era pequeno e como município desse porte o fuxico corre solto. Há alguns dias
começou a circular notícia de que no subsolo de lá existia uma imensa jazida de
minério rico em ferro e manganês; ninguém até hoje sabe de onde partiu tal
notícia. Numa bela manhã de setembro, no auge da boataria, parou em frente do tal
restaurante, quatro automóveis lotados de homens uniformizados de bege dizendo
serem de uma grande mineradora.
Estalaram-se na pousada da Florinda e fariam as refeições no restaurante
exceto o café da manhã, que seria na pousada. Delfino Screw, dono do Restô,
ficou radiante e, a partir daquele dia, só atendia os cariocas da mineradora:
- Vou aproveitar para faturar bastante
“pilas”, tchê. O pessoalzinho da cidade que vai comer em outra freguesia - dizia debochadamente, em seu sotaque
gaúcho de Cachorreira do Sul -Capital Nacional do Arroz Doce Sem Canela.
Delfino
fez uma compra grandíssima para vários meses e abarrotou o estoque do
estabelecimento; adquiriu várias iguarias caríssimas que mandou vir de vários
fornecedores da capital. Os moradores, que quase sempre lá frequentavam,
ficavam revoltados com o tratamento de Delfino. Todo o restaurante passou a ser
privativo dos vinte cariocas da dita mineradora. Por outro lado, o Alpendre da
Dona Maria, como passou a ser conhecido, conseguiu, a título de empréstimo, com
o revendedor de refrigerantes e outras bebidas, uma dúzia a mais de mesas e
quarenta e oito cadeiras que ocuparam três partes da grande varanda. Suas duas
netas passaram a estudar à noite o penúltimo ano do ensino médio; queriam
ajudar a avó no negócio do famoso prato feito da Dona Maria.
Um mês e
quinze dias se passaram e os cobradores não saíam da porta Restô. A prancheta em
que ele prendia as contas a pagar virou duas: - uma para as contas e outra para
os protestos que “pipocavam” todos os dias. Os empregados da mineradora diziam
ao Gaúcho, como chamavam carinhosamente o Delfino, que o responsável pelo
pagamento chegará na sexta-feira e acertaria tudo, isto é, dali a dois dias.
Naquela
quinta-feira os cariocas não apareceram para almoçar. Dona Florinda da pensão
estava no Restô esperando os cariocas para cobrar-lhes os quarenta e cinco dias
devidos. Seu Delfino, com os cotovelos no balcão, apoiando o queixo com as
mãos, assistia ao telejornal das treze horas junto com a mulher e os dois
filhos. A notícia manchete do telejornal era que em Virtuália, uma quadrilha do
Rio de Janeiro tentou assaltar o maior banco da região e tinha sido surpreendida
pelo delegado Carabina Doze e seus policiais que já sabiam dos planos dos
facínoras. Cinco fugiram e tinham mais vinte homens, da lei e voluntários, em
seus calcanhares; onze foram feridos gravemente e quatro estavam algemados e a
câmara da TV mostrava seus rostos em “close up”.
Delfino
Júnior, - o Juninho, que prestava atenção no telejornal gritou, apontando para
o aparelho de televisão:
- Olha papai... são os cariocas da mineradora!
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