sexta-feira, 16 de novembro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


Planos Frustrados


O Restô era o único restaurante de comidas típicas gaúcha de Realópolis, cidadezinha principal do Vale Virtualiano do Rio do Peixe a 80 quilômetros de Virtuália. A freguesia era quase sempre a mesma, salvo alguns viajantes que por ali passavam. Além deste restaurante havia, ainda, a dona Maria que servia pratos feitos no alpendre de sua casa de madeira. A casa era toda rodeada pelo alpendre – estilo varandão -, que era coberto por telhas coloniais. A comida, feita de Dona Maria, era simples, o trivial das mesas das famílias brasileiras, porém, era preparada por um tempero digno dos deuses da culinária:
         - É segredo desde o tempo da minha bisavó, uma escrava lindíssima que virou patroa – dizia ela sorridente.
         Realópolis era pequeno e como município desse porte o fuxico corre solto. Há alguns dias começou a circular notícia de que no subsolo de lá existia uma imensa jazida de minério rico em ferro e manganês; ninguém até hoje sabe de onde partiu tal notícia. Numa bela manhã de setembro, no auge da boataria, parou em frente do tal restaurante, quatro automóveis lotados de homens uniformizados de bege dizendo serem de uma grande mineradora.  Estalaram-se na pousada da Florinda e fariam as refeições no restaurante exceto o café da manhã, que seria na pousada. Delfino Screw, dono do Restô, ficou radiante e, a partir daquele dia, só atendia os cariocas da mineradora:
         - Vou aproveitar para faturar bastante “pilas”, tchê. O pessoalzinho da cidade que vai comer em outra freguesia - dizia debochadamente, em seu sotaque gaúcho de Cachorreira do Sul -Capital Nacional do Arroz Doce Sem Canela.
         Delfino fez uma compra grandíssima para vários meses e abarrotou o estoque do estabelecimento; adquiriu várias iguarias caríssimas que mandou vir de vários fornecedores da capital. Os moradores, que quase sempre lá frequentavam, ficavam revoltados com o tratamento de Delfino. Todo o restaurante passou a ser privativo dos vinte cariocas da dita mineradora. Por outro lado, o Alpendre da Dona Maria, como passou a ser conhecido, conseguiu, a título de empréstimo, com o revendedor de refrigerantes e outras bebidas, uma dúzia a mais de mesas e quarenta e oito cadeiras que ocuparam três partes da grande varanda. Suas duas netas passaram a estudar à noite o penúltimo ano do ensino médio; queriam ajudar a avó no negócio do famoso prato feito da Dona Maria.
         Um mês e quinze dias se passaram e os cobradores não saíam da porta Restô. A prancheta em que ele prendia as contas a pagar virou duas: - uma para as contas e outra para os protestos que “pipocavam” todos os dias. Os empregados da mineradora diziam ao Gaúcho, como chamavam carinhosamente o Delfino, que o responsável pelo pagamento chegará na sexta-feira e acertaria tudo, isto é, dali a dois dias.
         Naquela quinta-feira os cariocas não apareceram para almoçar. Dona Florinda da pensão estava no Restô esperando os cariocas para cobrar-lhes os quarenta e cinco dias devidos. Seu Delfino, com os cotovelos no balcão, apoiando o queixo com as mãos, assistia ao telejornal das treze horas junto com a mulher e os dois filhos. A notícia manchete do telejornal era que em Virtuália, uma quadrilha do Rio de Janeiro tentou assaltar o maior banco da região e tinha sido surpreendida pelo delegado Carabina Doze e seus policiais que já sabiam dos planos dos facínoras. Cinco fugiram e tinham mais vinte homens, da lei e voluntários, em seus calcanhares; onze foram feridos gravemente e quatro estavam algemados e a câmara da TV mostrava seus rostos em “close up”.
         Delfino Júnior, - o Juninho, que prestava atenção no telejornal gritou, apontando para o aparelho de televisão:
         - Olha papai... são os cariocas da mineradora!

Nenhum comentário:

Postar um comentário