sexta-feira, 30 de novembro de 2012

COISAS DA VIDA


MODERNA FAMÍLIA BRASILEIRA

- Eclison Creito, são cinco horas da madrugada e você ainda está nesse vídeo games? Por que você não vai jogar no computador do seu quarto? Essa televisão de LED de cinquenta e sete polegadas é muito grande para isso, menino! – disse Maria para seu filho pré-adolescente de doze anos.
- Não enche, coroa! Enquanto eu não ganhar, pelo menos um jogo da velha nesse joguinho, eu não vou sair daqui! Peraí, maluca! Aonde ôce vai assim com essa roupa de pobre?
- Hoje é dia de visita íntima lá onde seu padrasto tá preso e, depois vou cumprir meu horário no trabalho de pena alternativa no Instituto dos Idiotas com Esperteza Compulsiva!
- Lá pelas sete horas você acorda seus quatro irmãos menores e pergunta se eles querem ir à escola, pois se não quiserem terei que ir a UBS pegar atestado, ok? – as crianças a que se refere a Maria são: Dirceu Creito de dez anos; Jeferson Creito de nove anos; Genuíno Creito de oito anos e Marcos Valério Creito de sete anos.
- Se eu me "alembrá" eu chamo!
Maria Cristina da Silva deu partida no golzinho bolinha branco gelo que sempre fica parado na porta da frente do barraco construído na invasão que virou a Favela dos Moribundos. Rumou para o presídio no intuito de passar alguns minutos na intimidade com Luiz Ignácio Creito – homem forte, tranquilo e que tem três refeições saudáveis, acompanhadas por nutricionista, diariamente e que está preso por roubo à mão armada. Talvez, nos seus trinta e dois anos e, em período fértil, ela saia de lá com o futuro de mais uma bolsa família garantida no ventre.
Atualmente, Maria recebe o auxílio reclusão do esposo, cinco bolsas família, vale gás e uma sortida cesta básica fornecida onde ela cumpre três anos da pena alternativa. Em poucos meses completarão cinco anos que ela mobiliou todo o barraco de cinco cômodos com produtos  de primeira linha. Comprou tudo no crediário, graças a um holerite montado e de sua CTPS “esquentada” em uma empresa conhecida. Não pagou nenhuma prestação; seu nome está “sujo” e será limpo em oito meses:
- Quando meu nome ficar limpo vou repetir a operação, ah!ah!ah! – zombava com as amigas mais simples que ela.
Resumindo, a família Creito tem uma renda líquida, incluindo tudo o exposto, em torno de mil e quinhentos reais paga com erário público. Não paga aluguel, IPTU, energia elétrica, água encanada tratada e televisão à cabo, pois tudo é fornecido pela “Cia dos Gatos” de propriedade do gerente da favela.
            Família Creito, a moderníssima família brasileira.


            

VIDA EM VIRTUÁLIA


AIÊ, O Palhaço


Cidade Virtuália, - Rua Lúcifer esquina com Rua Cristo Redentor.
Era ali toda à tarde, a partir das 17h00min e ia até as 20h00min, que o palhaço Aiê fazia ponto. Ele já chegava maquiado. Tinha olhos pintados sobre as pálpebras, de modo que, mesmo com elas fechadas parecia-nos abertos. A fantasia era a mesma há mais de dez anos. Ninguém sabia quem ele era na vida real.
Naquela tarde, excepcionalmente, ele estava muito cansado, mas não faltou ao movimentado cruzamento.
- Olha papai, é um palhaço! Se o sinal fechar, quando chegarmos perto, o senhor compra para nós duas daquelas varetas com balões coloridos? – disse Pâmelo, o maiorzinho.
O pai nem deu atenção e, aborrecido com problemas na empresa, só fechou mais o semblante.
         O sinal de trânsito fechou e Aiê, com vários bastões nas mãos, chegou até ao veículo:
         - Boooaaa tardeeeemmm, meus Jô-jo-jovens!Ah!Ah! Oh!Oh! Ôiiiiiii...
         - Pode parar com isto, esperto! Não vou comprar nada e vai dando licença – disse Rui ao palhaço enquanto acelerava o carro parado ante ao sinal de trânsito.
         - “Caluma” meu Jô- Jô- jovem, “muitcha caluma”! Estes brinquedos são de graça para as crianças. Eu não cobro nada e dentro dos balões tem algo de valor!
         - Eu “quéio” papi - sorrindo e começando a falar as primeiras palavras, disse o Caio.
         - Não pegue nada, vamos embora! – berrou o Rui saindo apressado com a abertura do sinal.
         O sorriso alegre de Aiê ficou sem graça e triste diante das lágrimas de Caio. Soltou todos os balões que segurava e estes ganharam o céu.  Voltou para a calçada e, embaixo da marquise, sentou-se  ao lado de uma velha banca de jornais abandonada,   encostou a cabeça na banca  não falando e nem esboçando nenhuma reação.
         Três dias depois:
         “– RICAÇO DESAPARECEU ONTEM ÀS 15h00min” – dizia a manchete da Folha de Virtualia.
         A fofoca dizia que ele estava cansado da cidade e fugira para o litoral. Como era viúvo, solitário e o último da estirpe deixou os negócios à Deus-dará e sumiu.
         ...
         - Olha papai, perto daquela banca velha?         É aquele palhaço com quem o senhor se zangou anteontem, lembra?
- É ele mesmo! Veja como as pessoas se desviam de onde ele está e, ainda tapam o nariz – concluiu Rui.
- É mesmo, mas vamos comprar os balões para o Caio. Ele até hoje fala nesses brinquedos, pai! Vamos comprar e levar para ele!
- Está bem! Vou encostar o carro e ir lá conversar com ele – e assim o fez.
- Ei palhaço, você ainda...? 
Ao chegar perto de Rui notou o cheiro de putrefação e fez sinal para uma viatura de polícia que passava ali perto. O sargento constatou que aquele cidadão estava morto tem pelo menos três dias.

         “PALHAÇO Aiê FOI ENCONTRADO MORTO NA ESQUINA DA RUA LÚCIFER COM A CRISTO REDENTOR!” – dizia a manchete da Folha de Virtuália, e a reportagem prosseguia: ... ele era o viúvo e sisudo Bartolomeu, desaparecido três dias atrás...”

Resumo: As aparências putrefam, mesmo que as disfarcemos” - Lefus



domingo, 25 de novembro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


Abaixo de DEUS estão os MÉDICOS

            Aquela segunda-feira de fim de primavera começava com uma chuva forte e intermitente. O ônibus coletivo – lotação - comumente chamado, cujo itinerário ia do subsdistrito de Bispo-cardeal à Virtuália, estava com quase todos os lugares ocupados; somente ao lado do Vanderlino é que tinha uma poltrona vazia e, o próximo ponto de parada tinha umas vinte pessoas para embarcar. Estavam quase todas encharcadas. Vanderlino espichou o pescoço e não acreditou:
            - Caramba, se aquele sujeito, com obesidade mórbida, sentar aqui do meu lado serão, com certeza, quarenta minutos de sufoco ainda maior – não deu outra, o obeso, por gentileza de todos, foi o primeiro a embarcar no ônibus:
            - Bom dia, meu jovem! Dá-me sua licença para sentar-me ao seu lado – perguntou o descendente de uma raça africana cuja pele era de um negror belíssimo. Vanderlino só acenou com a cabeça afirmativamente. Tinha opção?
            O pior é que o sujeito começou a puxar assunto e esticou a mão direita, enorme. Por sinal:
            - Sou Luís Angelito dos Anjos, prazer!
         - Prazer, sou VANDERLINO – ele adorava o nome e detestava apelido.
            - Sabe LINO – com liberdade puxou conversa -, meu primo, mais novo do que eu, de uns trinta e dois anos e magérrimo, teve que amputar ambas as pernas na altura do quadril, por conta da diabete. Não seguiu os conselhos médico e se deu mal. Vivia dizendo que qualquer problema o babacaorixa dele o curava e que qualquer coisa mais séria o “fiío du hômi” lhe safaria. Agora, além de diabético ficou aleijado!
            - É por isso que, na ignorância dos meus 208 quilos, sempre digo:
         - Abaixo de DEUS estão os MÉDICOS; o resto é conversa jogado fora!
            Vanderlino levantou-se, pediu licença, apertou a campainha e se preparou para descer do coletivo, apesar de estar a mais de cinco quarteirões do seu trabalho.
            - Ok, Lino, tenha um bom dia e cuide de sua saúde – disse-lhe o Luís Angelito.
            Vanderlino iria descer do local de trabalho para se livrar do gorducho incomodo. Na pressa, tropeçou e caiu de “cata-cavacos” e se estatelou, por coincidência, na entrada do Pronto Socorro Sideral de Virtuália (PSSV) e desacordou. Duas horas depois:
            - O senhor toma esses antibióticos e aplique essa pomada nessa ferida que tens no tornozelo direito, pelo jeito há mais de dois anos. Esta pomada vai fazê-la parar de coçar e não deixá-la crescer ainda mais. Faça esses exames de sangue e traga-me aqui com urgência, ok, senhor Vander? – falou-lhe Patrício Ruffus o médico plantonista.
            Vanderlino achava que não era diabético, mas antes de pedir a DEUS para curá-lo resolveu cuidar de sua saúde. Seguiu um conselho de uma pessoa incomoda ou, quem sabe, de um anjo obeso. Mas nunca mais se esqueceu de que:
“Abaixo de DEUS estão os MÉDICOS!”

sábado, 24 de novembro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


As Encomendas

Trinta e um de Outubro, dia límpido e quente.
            REALÓPOLIS, cidade do COSIVI (Complexo Sideral Imaginário Virtualiano);
            Subúrbio:
            Rua Zé Mané, 171 – 17h10min.:
        -Ahhhhh! Meu Deus, o que é isto?
        Rua Zé Rôia, 236 – 17h15min.:
        - Ooooh! Nãããããão! Que diabo é isto?!
        Outras ruas, outras residências e idem, idem, idem...
            Parte nobre da cidade:
            Rua Billy Guei-tis, 484 – 17h30min.:
            - Ohhh! Mon Dieu, qu’est-ce que c’est?  
           Rua Áique Baptista, 171 – 18 h 15 min.:   
- Caracoles o que significa isto?
Outras avenidas, ruas, alamedas, etc. e idem. Idem. Idem...
Centro:
Av. República dos Piratinis, 101 – 17h 30min.:
- Mas baaaaaahhhh, tchê, que “fuleiragem” é esta?
Rua João Mané, 170 – 17h 35 min.:
- Ooooooh não! Que diabo será isto?
Outras avenidas, ruas, alamedas, etc. e idem, idem, idem...
Subúrbio de VIRTUÁLIA:
Rua Lúcifer esquina com Cristo Redentor – 17h 15 min.:
- Aiiiiiiii, “noffffffa”, por babacorixá, o que é isto? – gritou Juliano, um velho conhecido da população virtualiana.
Rua Mané Orelha, 1710 – 17h 15 mim.:
- Oh! My God, que troço é isto?
Área nobre de VIRTUÁLIA , cidade metrópole:
Av. Bispo-Cardeal, 100 – 18h 00 min.:
- Que tipo de brincadeira é esta? Vou processar quem fez isto disse Tirzo, o empresário.
- O que foi “amoré” perguntou Lurdes, a esposa.
- Dê uma olhada, mulher pediu-lhe o esposo.
- Oooooooooh! - Lurdes desmaia.
Outras avenidas, ruas, alamedas, etc. e idem, idem, idem...
- Pai do céu, o que é isto?
Primeiro de Novembro, dia nublado com muita garôa – 09h 00 min.:
Prefeitura de VIRTUÁLIA:
- Calma minha gente, o Secretário Municipal de Obras vai estar falando com as pessoas de vocês berrava educadamente Cindy Corbélia, a faz-tudo do pastor-advogado-fazendeiro-empresário e prefeito da cidade, se “esnobando” na gramática.
Tinha  uma multidão aglomerada no grande saguão do palácio municipal, aliás, tinha gente de duas cidades que até o trânsito ficou caótico. Todos estavam com uma caixa de encomenda registrada, do correio, nas mãos.
O Secretário financeiro, que por sinal é também o tesoureiro da Igreja Eva-Angélica Sideral de Virtuália (IEASV), sai de seu gabinete e entra no saguão com uma lista enorme nas mãos; silêncio total:
- Pois bem, minha gente, tenho aqui a listagem dos nomes das pessoas inadimplentes com a taxa anual de utilização dos jazigos do cemitério Municipal de Virtuália. Tem família que deve até dez anos e o valor da dívida está no boleto que enviei com as encomendas. As despesas postais estão inclusas!
Um representante, espontâneo, dos devedores gritou:
- Mas tu estás maluco, tchê? Precisavas mandar os restos mortais, dos nossos antepassados, pelo correio? – era o Delfino, gaúcho, oriundo de Cachorreira do Sul, a capital nacional do arroz doce sem canela, dono do Restô.
- Foi para sensibilizá-los, meus caros. Ah! E tem um detalhe: eu retirei das arcadas dentárias as próteses de ouro, que foram avaliadas e que depois de vendidas terão abatidos do valor da dívida, dos devidos parentes. Resolvam isso hoje para que os restos mortais voltem às tumbas! Lembrem-se, e isto é importante:
- Amanhã é dia dois de Novembro: FINADOS – dia dos mortos – e, a previsão é de muita, mas muita chuva mesmo. Apressem-se ou querem amanhecer finados com as ossadas em casa?



                                    



domingo, 18 de novembro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


ABDUÇÃO PACÍFICA
Continuação de: Procurando Pistas do JULIANO E BEIJO

Quinze para as cinco horas e o céu continuava estrelado:
         - Seu Lê acorda qui já tá na nossa hora – sacudia-me o Nhô na rede vermelha da varanda.
         - Bom dia, Nhô! Puxa vida eu não consegui pregar os olhos esta noite, meu amigo – falava e me espreguiçava ao mesmo tempo.
         - Eh!Eh!Eh! ieu é qui sei, misifiu; pur duas veiz nessa noite vim aqui na varanda vê cum quem ôce tava cunversanu – disse-me ele.
         - Com quem eu conversava Nhô, não me lembro de nada – repondi-lhe.
         - Ôce cunversava cum a sua patroinha, a Dona Rô! Ôce fala druminu seu Lê - Eh!Eh!Eh!
         - Ora, ora... e eu achando que passei a noite inteira olhando o céu!
         - Vamu dexá di prosa i tumá um café reforçadu; tem café frescu, brôa, quejo, leiti i dois produtu qui ieu memu façu: - pão i mantega!
         - Vou passar uma água no rosto e já venho, meu amigo!
         Em meia hora já estávamos a caminho do objetivo. O pangaré Betancourt, apesar de idoso, puxava a carroça com maestria e desenvoltura e, quando a barra do dia começava no horizonte, paramos aos pés da Serra Madre e entramos por uma trilha. Quando chegamos próximo à entrada da mina deixamos a carroça às margens do Ribeirão Limpo – este curso de água nasce na mencionada serra.
         - O senhor não vai amarrar o Bitancourt, Nhô? Aliás, agora que estou reparando ele não usa cabresto, só essa corda em volta do pescoço – admirado perguntei ao meu amigo.
         - Num percisa amarrá u meu cumpanheru, ieli intendi tudu u que ieu falu – respondeu-me o ancião e continuou:
         - Bitancourt, meu véi, ôce podi í imbora prá casa, oviu? I vorta prá buscá nóis di tardinha i tráis juntu u Bili i u Lezivu, iscuitô? – incrível, mas o cavalo deu um relincho diferente e baixou a cabeça e começou a pastar o capim orvalhado, que era muito naquela margem direita do ribeirão, e eu perguntei ao Nhô:
         - Ué, Nhô, o senhor o mandou voltar e ele baixou a cabeça a pastar?
         - Ôce acha qui ieli é burru di não fazê uma boquinha nessi capim verdim, eh!eh!eh!eh! – agurinha memu ieli si pirulita!
         Entramos por um atalho e só paramos quando, escondidos atrás de uma enorme pedra de granito vimos uma coisa impressionante e o Nhô me cochichou:
         - Óia seu Lê cumu aquéia criatura c’uma arma isquisita na mão pareci c'o Kowauski, só é mais maiô!
         - Realmente, meu amigo, e olha quem sai da mina com um enorme cesto nas costas cheio de pedras brilhantes, não parece com a criatura que está armada e nem com um humano, o que será que estão fazendo – perguntei baixinho para o Nhô.
         - Parece cum macacu, mais anda dimpé íngua a genti i é mutcho grandão; óia só u tamanhão dus pé dêie! Seu Lê, - alertou-me o Nhô - óia a cachanga azuli du Julianu atrais daquéia moita di matu!
         Quando fui responder para o meu amigo ficamos paralisados e surgiu em nossa frente outra criatura igualzinha o Kowauski e perguntou-nos sem emitir nenhum som ou fazer gesto algum – parecia que ele entrara dentro de nossas mentes:
         - O que querem aqui?
         Veio-me à mente a figura do Kowauski e do Etevaldo e o ser me respondeu mentalmente:
         - Acompanhem-me, vou levá-los até eles!
         Fomos desparalisados e o seguimos. Entramos num portal de luz entre dois pés de pitangas  e ali tinha uma enorme esfera que abriu uma entrada na lateral com um gesto da criatura:
         - Vamos entrem e não mecham em nada, só observem – ordenou o ser com seu uniforme que lembrava borracha sintética na cor branca.
         Ouvimos um zumbido que começou alto e foi diminuindo a intensidade e de dentro da esfera víamos tudo do lado de fora, parecia que estávamos suspensos no ar sem nada debaixo dos pés. A esfera se elevou e, rapidamente, ganhou velocidade na horizontal. Em questão de um piscar de olhos ela desacelerou e pousou no meio de uma enorme floresta. O dia já estava clareando; a portinhola abriu-se e, mentalmente, o ser nos disse:
         - Sigam-me!
         Estávamos perto da entrada de outra mina e ouvimos uma voz que parecia conhecida:
         - Nhô, seu Lê, nós já os esperávamos – por incrível que pareça era o Juliano e junto com ele o Beijo.
         - O que significa isso Juliano – perguntei-lhe.
         - U qui tá acuntecenu, misifiu?
         - Fiquem tranquilos, estamos entre amigos e olha quem vem recebê-los – falou isso apontando para a entrada da mina.
         - Nhô Antônio, seu Lê, que prazer em revê-los – era o Kowauski e junto dele vinha o Etevaldo.
         - Eh!Eh!Eh! issu nóis num isperava, num é patrão – sorrindo me falou o Nhô.
         - Todo bem Kowauski! E você Etvaldo, quando vai parar de crescer? Já está maior do que o seu pai verdadeiro – cumprimentei-os.
- Nós alcançamos a maioridade rapidamente, seu Lê; agora já parei de crescer – respondeu nosso conhecido meio-semelhante.
         - Vocês vieram procurar pelo Juliano e o amigo dele, não é mesmo? Eles estão aqui só a passeio a pedido de meu filho – disse-nos o Kowauski e continuou:
         - Vocês podem conversar à vontade à sombra daquela árvore; tenho que continuar o que estava fazendo. Venha Etevaldo que vou te passar as coordenadas para o retorno ao nosso lar definitivo – ET o seguiu dando um sorriso para nós.
         - Onde estamos Juliano, o que está se passando, você pode nos... – Ju nos interrompeu:
         - Calma seu Lê, vou contar desde o começo. Eu recebi uma mensagem em sonho que tinha que ir de minha casa até a mina do Morro Velho e que eu levasse só o Beijo, isto já deve de ter acontecido a pelo menos uns dois anos e... – foi minha vez de interrompê-lo:
         - Não Juliano, não se passaram dois anos e sim só cinco ou seis dias!
         - Caramba, Juju, que doideira será isso? – perguntou o Hibisco cujo apelido é Beijo.
         - Tudo bem, que seja então, mas o que importa é o que está acontecendo, Seu Lê. Nós estamos no Norte do Estado do Pará numa mina desativada já tem muito tempo. Estamos perto de Apiacás, melhor dizendo. Aqui eles encontraram ouro monoatômico igual ao que acharam lá na mina do Morro Velho. Estão retirando esse tipo de metal, também, na Sibéria, numa região do Egito, na fronteira do USA com Canadá, nas matas da Colômbia e embaixo de uma geleira no Polo Sul. O Kowauski me falou que eles precisam desse metal para pulverizar a atmosfera do planeta deles. Precisam fazer isso para que não percam o calor interno e manter uma luminosidade artificial desse planeta errante.
         - Planeta errante? O que quer dizer isso, cara – perguntei-lhe.
         - É um planeta parecido com a terra que desgarrou de sua estrela por causa de uma catástrofe que aconteceu quando recebeu o impacto de um cometa. Parece ficção, mas é isso mesmo que ocorreu.
         - Por que eles não dominam nossa humanidade e se apoderam da Terra – perguntei-lhe.
         - É porque nosso planeta vai virar um planeta errante e não demorará muito e, segundo eles, não compensa interferir na vida da Terra!
         - Quer dizer que o planeta deles está morrendo; e o que eles pretendem fazer? Ficar procurando ouro para sempre o injetando na atmosfera?
         -Não seu Lê, eles já descobriram um planeta maior, desabitado por vida inteligente e com atmosfera até melhor do que a deles e a de nossa Terra – respondeu-me o Juliano e continuou:
         - Esse planeta, segundo o Etevaldo me contou, está na órbita de uma estrela anã tranquila a quarenta e dois  anos-luz terráqueos de distância de nossa Terra e, pouco mais que quatro anos-luz, hoje, do planeta deles. Ele me contou que os nossos cientistas já detectaram esse exoplaneta e deram a ele o número HD-40307g por estar girando ao redor dessa anã vermelha de número HD-40307. Com o sistema de navegação que a raça do Kowauski conhece eles levam cinco anos dos nossos para chegar até esse novo planeta. Já existe uma colônia deles lá e, antes que o planeta do pai do Etevaldo seja impossibilitado de continuar a manter a vida, praticamente, todos os habitantes estarão nesse novo lar – entendeu, seu Lê?
         - Incrível, mas creio que sim – respondi-lhe.
         - Entendeu Nhô – perguntei ao inteligentíssimo ancião.
         - Issu é muntcho prá cabeça dessi véi aqui, mai dédisê inguá tô mi sintinu aqui nessi lugá, ô cheja, saí di meu sítiu i to mai longi du qui minhas vista arcança i vim num sei cuma nessi lugá disabitadu, eh!eh!eh!eh! 
         - O senhor entendeu Nhô Antônio – afirmou o Beijo.
      - Então eles estão mantendo a atmosfera artificial deles até todos os habitantes irem para lá... entendi... entendi, mas onde fica o atual  planeta do Kowauski; você já descobriu isso, Juliano?
         - O Etevaldo me falou que fica rondando próximo ao nosso sistema solar e que eles mantêm uma base secreta, também, na lua Ganimedes de Júpiter – respondeu-me o expert em UFO o carnavalesco Juliano.
         - Ju, se a raça do Kowauski é tão avançada a ponto de viajar através de portais que desconhecemos, por que usam aqueles seres dos “pés grandes” para carregar as rochas de dentro das minas – questionei.
         - São autômatos, criado para o serviço pesado, ou seja, robôs feitos de materiais quase iguais nossas massas corporais, mas são robôs. A aparência é para causar medo e evitar os curiosos. Tem os pés grandes para suportar os pesos das cargas que carregam. Não têm sentimentos e sim um tipo de chip programado para determinados tipos de serviços e a energia, que os mantêm, são captadas do meio ambiente de um jeito que não conhecemos. Se algum objeto perfurar sua pele artificial ele se incendeia espontânea e automaticamente – explicou-me o Juju.
         Conversamos por mais ou menos uma hora quando Etevaldo convidou-nos para um almoço, pois no horário nosso já era duas horas da tarde:
         - Seu Lê, Nhô, Papy e Mamy venham saborear junto com meu pai e a tripulação um prato que preparei cuja receita, aprendi lá na casa do Juliano; vamos ver se advinham que tipo de carne é!
         O almoço foi no interior de outra esfera de tamanho que não sei expressar; só percebi que ela flutuava o tempo todo e em silêncio.
         Após alguns minutos do início da farta refeição:
         - Eh!Eh!Eh! issu é carni di javaporcu, num é patrão – antecipou o Nhô .
         - É o que parece, meu amigo – respondi-lhe.
         - É sim, Nhô; é javaporco. E lá para onde vamos já tem milhares desses animais reproduzindo tranquilamente. É uma carne riquíssima em proteínas e uma das mais saudáveis que encontramos até onde conhecemos do universo – falou Kowauski.
         O almoço transcorreu sem mais novidades e uma hora após Kowauski chamou nos quatro e em companhia de Etevaldo avisou-nos:
         - Agora vocês têm que voltar ao lugar de onde vieram; futuramente, ou quando o Etevaldo sentir saudades, ele irá até vocês, ok? Agora, olhem para essa esfera – falou isso e tirou uma pequena esfera do boldo do macacão que parecia de um tipo de borracha sintética e esta soltou um fortíssimo flash.
        
         ...
         - Ô Biliato nós não deviamos de ter seguido o Bitancourt nessa carroça até a mina do Morro Velho; ôce sabe que esse lugar é assombrado – medrosamente falava o Lezivo.
         - Calma, sô, se o Nhô não tiver lá a gente volta antes de escurecer; de dia não tem perigo – respondeu o Biliato e acrescentou:
         - Tá vendo, já chegamos e não são nem dezesseis horas; vamos apear para aliviar o peso do Bitancourt!
         - Olha Bili, atrás daquela moita a Variant do Juliano! Como será que ela veio parar ali?
Desceram da carroça e o pangaré voltou a pastar da grama verdinha só que agora sem o orvalho da madrugada, é claro.
         Quinze minutos depois se ouve um estrondo e um clarão muito forte se fez do lado oposto onde estava a Variant azul cobalto das portas cor de rosa:
         - Aí meu “Deusdoceu” eu não falei que esse lugar é mal-assombrado, Bili, tá vendo, nós estamos fritos!
         - Deixa de ser cagão, Lelê, foi só um trovão e um relâmpago – berrou o Bili.
         - Ah! é, trovão antes do relâmpago? Olha o céu tá limpinho!
         -  Sabe que você tem razão, acho melhor nós... – Biliato foi interrompido:
       - Ói íeis aqui seu Lê; num falei prôce qui u Bitancourt ia trazê íeis inté aqui?
         - Tem razão Nhô, eu ainda não aprendi que você tem sempre razão!
         - E aí, Nhô, tudo bom? O que vocês fazem aqui perto da entrada da mina – perguntou o Biliato.
         - Noi tava percuranu u Julianu i u Bejo i já incontramu!
         - É tamos vendo! Tudo bem com vocês? Tudo bom com o senhor seu Lê – perguntou o Bili.
         - Tudo bom; o Nhô me contou sobre o empreendimento que vocês querem fazer e vou ajudá-los, mas vamos andando que lá no sítio do Nhô a gente termina de conversar. Vocês vão no carro com o Juliano e o Beijo e nos espera lá que logo o Bitancourt deixa a gente lá, ok – antes que o Bili respondesse o Juliano gritou:
         - Ei Bili e Lezivo, se vocês querem uma carona ajude a empurrar a minha possante que a bateria dela esta arriada, ok?
         Vinte e duas horas no alpendre da casa do Nhô:
        
         - Qui bão qui vamu ajudá essis nossu dois amigu, né patrão – falou-me o Nhô entre uma tragada e outra no palheiro.
         - Se não for para ajudar os amigos e a quem precisar, para que servimos?
         - Santa i abençuada palavras, seu Lê! Bão, ieu vô drumi i dêxá ôce aqui na varanda bisoianu u céu istreladu i si ieu iscuitá ôce cunversanu cum arguem ieu já sei qui ôce tá é falanu  druminu, eh!eh!eh!
         - Ah!Ah!Ah!  - tá certo, meu amigo, boa noite, então!
         - Intonci, basnoiti!
        
         -Lê, Lêêê... acorda, sai dessa rede vermelha e vem dormir na nossa cama, já são duas da manhã de sábado e não vai aparecer nenhuma novidade no céu e, além disso, vai chover e você não para de falar dormindo não sei com quem – passava-me um “sabão” a minha cara metade, a Rô.
                            


VIDA E M VIRTUÁLIA


Procurando Pistas do JULIANO E BEIJO


- Nhô Antônio, Nhôôôô!
            - Ieu ’tô caimbaxu na horta, seu Lê, aprochegue!
            - Boa tarde, meu amigo! Como tens passado – perguntei ao nobre ancião.
            - Ieu tô comu u Criadô manda, misifiu, tá tudu bão cumigu! I c’ôce?
            - Comigo está tudo bem Nhô, eu queria saber notícias do Juliano e do Beijo; fui a casa deles e disseram que saíram dias desses, de madrugada, e não voltaram até hoje. Isto já tem uns cinco dias.
            - Iscuita seu Lê, tem maomenu essa quantia di tempu qui ieu vi u carru azuli deies passá lá na istrada qui vai inté a mina du Morru Véi. Eies foru i num vortaru pruque num iscutei u baruiu daquéia cachanga veia vortanu.
            - É estranho, não é Nhô?
            - É sim! Si mar li preguntu: - U qui ôcê qué c’aquêies dois, patrão?
            - Lembra aquele macacãozinho que estava aqui na sua sala na última vez que nós quatro estávamos juntos? Aquele dia em que vocês três não sabiam o que tinha acontecido? No dia em que a mãe do ouro foi embora para o espaço? Naquele dia em que... - fui interrompido:
            - Sei misifiu, craru qui ieu mi alembru; u qui ôce qué c’aquéia rôpa isquisita?
            - Quero ver se tem, ainda, algum pelo do Etevaldo nela para eu mandar fazer um exame de DNA para ver até que ponto ele é humano.
            - Num sei qui qué dizê essas letra qui ôce falô, mai qui aquéia criatura é di ôtru mundu...ah! issu ieu tenhu certeza qui é!
            - A genti podi í inté a mina aminhã, pruque agóia já tá tardi. Hoji é noiti sem lua i num dá prá í lá di carroça, u Batencurt – pangaré do Nhô -  já tá mutchu véi prá andá nu iscuru. Eh!Eh!Eh!
            - Vamu aproveitá í colocá as prosa im dia, seu Lê; ôce  janta mais ieu?
            - Ok, Nhô, amanhã cedinho nós vamos lá ver se encontramos pistas deles – falei a meu amigo.
            - Cedim memu, às cincu nóis si dispinguela prá mina. É nessi horariu qui us crarão são maió naquéias bandas, seu Lê – confirmou o Nhô.
            - Misifiu, eu tenhu nu fugão um ensopadu dus qui ieu insinei prô Biliatu, aquêie mindingu lá di Virtuáia i qui, ieli mai u Lezivu – amigu di infortunhu dêie – istão pensanu im vendê numa barraquinha lá na praça Bispu- Cardiá, as tardinha. Ieis só istão percisanu di um impurrãozin, eh!eh!eh! – falou isto levantando a mão direita esfregando o polegar no indicador, gesto típico de dizer dinheiro.
            - Vou conversar com eles depois e, talvez, eu possa ajudá-los, mas o que tem de especial nesse ensopado, Nhô?
            - Us ingredienti i, principarmenti, u tempêru – respondeu-me.
            - Já sei, o tempero é segredo antigo, não é mesmo?
            - Issu memu! Tô passanu prô Bili pruque iele percisa duma forcinha i além dissu nóis si cunheci desdi muitchu tempu!
            - Se o senhor já os está ajudando, pode contar comigo. Pode falar para eles que eu vou ajudá-los!
            - Eh!Eh!Eh! Ieu já falei , seu Lê. Ieu já sabia qui ôce ia ajudá ieies.
            - Mas que cheirinho bom Nhô, é do ensopado – perguntei-lhe.
            - É sim , patrão, vamu lá qui tá na hora dôce porvá, mai inhantes ôce vai bibiricá uma talagada da amargosa! Eh!Eh!Eh!
            A noitinha estava fria, apesar de meados de dezembro, e deixou, psicologicamente, o ensopado mais saboroso e puxei assunto:
            - Ah! Se tudo fosse tão tranquilo e simples como esta vida que levas Nhô!
            - Ué, pruqui ôce fala issu, misifiu?
            - Dias desse, lá na capital, um grande empresário esqueceu o filho dele de dez meses trancado dentro do carro, pois se esqueceu de deixá-lo na creche e foi direto para a empresa. Ele só se lembrou quando ia voltar para casa, já de tardinha. Como o carro é super moderno com os vidros escuro e muito bem vedado, ninguém viu e nem ouviu nada, a criança morreu sufocada. Ele nunca levara antes o bebê para a creche e, naquele dia, ele tinha mudado sua rotina e deu no que deu!
            - Nu mundu modernu, di hoji, as pessoa isqueci u valô da vida humana i só qué ganhá mai i mai podê i dinheru, seu Lê!
            - É verdade! Sabe o que o pai falou depois, para a imprensa: - “Foi uma fatalidade!” Não foi nem preso, pois é rico - não sei se foi por isso - a lei rezou que ele vai sofrer o resto da vida e que esse sofrimento já é um castigo insubstituível, é uma pena por demais pesada.
            - É seu Lê, si fô pensá ansim i, si essa pessoa tem sentimentu, podi inté sê, mais... -Nhô foi interrompido pelo barulho de palmas e um grito chamando-o:
            - Nhô... seu Nhô!
            - Ieu já vórtu, misifiu, vô veriguá quem qui é – falou-me e caminhou até a porta da sala. Conversou com alguém e voltou com uma lata nas mãos. Colocou parte do ensopado dentro, pegou um generoso pedaço dos pães, que ele mesmo faz, e voltou à porta da frente da casa. Alguns minutos depois retornou à cozinha:
            - Prontu, podemu cuntinuá nossu proseadu!
            - Quem era Nhô – perguntei.
            - Era... era...qué dizê, é uma das concidença dessa vida, misifio, nóis dois falanu nu pai qui isqueceu u bebê trancadu nu carru i mi apareci u Jorgi Malucu, eh!eh!eh! I óia qui eie nunca passa puraqui; só veju eie veis qui ôtra perembulanu pelas rua di Virtuáia. Coitadu vévi choranu i pedinu perdão prá fiínha deie.
            - Mas o que houve com ele, Nhô?
            Antes que ele começasse a narrativa um carro parou em frente ao portão da casa, buzinou e uma voz feminina forte gritou:
            - Nhô Antônio, sou eu Cindy, posso “ estar entrando”?
            - Eh! Eh! Eh! A Cindy devi di tá percisando di arguma coisa prá vim aqui dinoiti -falou Nhô e prosseguiu:
            - Aprochegui, misifia, istô aqui na cunzinha!
            Cindy desceu do Fusca 69 vermelho e chegou até onde estávamos:
            - “Boas noites” para “ambos os dois” senhores! Nhô trouxe um presente antecipado de Natal para o senhor; é um panetone legítimo italiano que mandei fazer na padaria de Virtuália – falou a conservada senhora entregando um pacote ao meu amigo.
            - Brigadão, misifia; foi bão ôce chegá aqui. Ôce vai podê contá direitim u qui acunteceu c’ô Jorgi Malucu, já qui ieli é primu du prefeitu i ôce conheceu a famía deie – falou o Nhô à secretária do prefeito, advogado, empresário e pastor Jairo Edson.
            - Pois não Nhô, então foi ele, o Jorge Edson que vi lá perto da paineira velha comendo o conteúdo de uma lata. Bem... tudo foi “começado” assim:

            “ - Querida, querida, nosso carro, zero quilometro, chegou na agência dos importados, vim buscar a carta de crédito que deixei na estante; à tarde eu encosto com ele aqui na porta da garagem Jorge Edson pegou a carta e saiu às carreiras até a loja de carros.
         À tardinha ele chega com o carro novo e estacionou na entrada da garagem que ficava embaixo do quarto da Martinha, sua filha única de quatro anos – essa garotinha ganhou, naquele ano, o primeiro lugar no concurso Brotinho Virtuáliano. Jorge entrou em casa alegre e aos gritos:
         - Querida, venha ver que joia rara; só nós temos esse modelo em todo o Vale Virtualiano do Rio do Peixe!
         Mara correu para frente da casa em companhia do marido e exclamou:
         - Uau, que coisa mais linda!
         Com todo o alvoroço, Martinha, que brincava em seu quarto, foi até à janela para ver o que estava ocorrendo e esbarrou em dois vasos de violetas que estavam no parapeito da janela e, um caiu no capô danificando-o muito e o outro estilhaçou o parabrisa.
         - Ahhhhhhhh! Meu carro novo! Sua pestinha dos infernosbradou Jorge e subiu até ao quarto da filha e, com um chinelo de couro cru, começou a bater nas mãozinhas da criança que chorava aos gritos até quase desmaiar. Jorge só parou quando Mara puxou-o pelos braços:
         - Pare com isso, Jorge, você vai machucar nossa filhinha!
         As mãozinhas de Martinha incharam instantaneamente e começaram a ficar escuras:
         - É só por gelo que melhorabravejou o ignorante pai, deu partida no carro e voltou à concessionária.
            Tarde da noite, Martinha teve febre e chorava muito de dor e Mara levou-a ao PSMV e foi lá que  constataram:
         - Teremos que amputar as mãozinhas dela, minha senhora, está em princípio de gangrena. O que foi que aconteceu – perguntou o médico plantonista, Doutor Patrício Ruffus.
         - Ontem ela foi subir na estante e a televisão caiu nas mãos dela – mentiu a mãe.
            À noite, do dia seguinte, Martinha já estava sem as mãozinhas e Jorge chegou até ela no leito infantil da enfermaria do PSMV aos prantos:
         - Desculpa minha filhinha, o papai perdeu a cabeça, desculpa, me perdoa...falava desesperado chorando compulsivamente e a Martinha sorrindo respondeu:
         - Não chora não papaizinho, logo, logo vai me nascer outras duas mãozinhas novas e aí eu vou poder abraçar o senhor!”

            - É desde este dia, já tem uns nove anos, que o Jorge ficou maluco. A mulher dele, que é muito bonita, vendeu tudo e foi morar na capital com um major da polícia militar. Martinha vai “ estar fazendo” treze anos e é lindíssima – completou Cindy encerrando a narrativa e, se despedindo:
            - Tenho que “estar indo” senhores, vou “estar passando” lá no carrinho de espetinho do Paulo di Paulli e deixar um panetone para ele, tchau!
            - Tchau, senhorita!
            - Intão, inté intão, misifia – disse Nhô acenando com a mão e me confessou:
            - Sabe seu Lê, essa dona Cindy vai acabá ajuntandu us trapu cum u Paulin Goró, ôce qué apostá mais ieu?
            - De jeito nenhum, meu caro – rebati no ato – tenho certeza que isto vai acontecer!
            - Já é tardi, misifiu, e si ôce perferí podi drumi na varanda, na redi vermêia. Ôce podi oiá as istrela i us crarão qui, di veis inquandu, ispoca lá pertu da mina du Morru Véi – sugeriu o Nhô.
            Concordei e não preguei os olhos, pois parecia que tinha festa lá pelas bandas da mina do Morro Velho e aproveitei a brisa da roça, os aromas, os sons e a festa no céu do recanto do Nhô Antônio Benzedô.

Continua em: ABDUÇÃO PACÍFICA