domingo, 19 de agosto de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


OS DOIS CORONÉIS


Num domingo, de um desses feriadões prolongados, dei um cochilo e fui  para Virtuália a fim de pescar no Rio do Peixe em companhia do Nhô Antonio Benzedô. Parecia que ele tinha adivinhado que eu iria aparecer, pois fui chegando ao portão do refúgio dele e, ele já vinha saindo com todos os apetrechos de uma boa pescaria.
            - Eh!Eh!Eh! Ieu sabia que ocê vinha, seu Lê!
            - Tudo bem, Nhô?! Vejo que continuas firme, apesar de pitar esse “paieiro” espanta mosquito?
            - Ieu gostu, seu Lê e u gostu e a regalia de vida! – falou o ancião de mais de 80 anos.
            Na barranca do Rio do Peixe:
            - Já são quaji mêi dia e vou pescá aquele doradão que ieu sortei daquela veiz, alembra seu Lê? Qué fazê uma aposta mais ieu, hehehehehe?
            - Não, Nhô, com o senhor eu perderia na certa!
            Desta vez o meu amigo não trouxe caniço e sim uma linhada com anzol e chumbada tamanho médio. Boleou a linhada por sobre a cabeça e soltou no meio do rio; amarrou a outra ponta num pé de pitanga, que por sinal estava vermelhinho de frutas maduras e, me disse:
            - Vou aperpará uma foguera prá fazê u doradão assadu nu ispetu iguá churrascu; ocê qué um goli de minha pinga amarga, seu Lê? Ocê pode tirá u gostu cum essas pitangas, hehehehehe...
            Que delícia aquele aguardente que ele mesmo faz em um alambique do tempo dos ancestrais dele; e com as ervas que só ele conhecia, dava um sabor incomparável àquela bebida divina.
            - Ocê falô du meu paieiru e agora bibiricanu essa pinga ieu alembrei e vô te contá um causu aqui da nossa região e... êêêpaaa... a linha do meu anzor ispichô: - É o doradão! – gritou o Nhô puxando o maravilhoso douradão, de quase três quilos, de dentro da água e foi me dizendo:
            - Te falei, seu Lê, óia u doradão di vorta! – Nhô limpou o peixe, salgou, espetou e colocou para assar no braseiro da fogueira; em seguida, enquanto assava o peixão ele contou o causo que descrevo com minhas palavras:

            “Década de ’30, século passado, nos arredores de Virtuália.
            Dois coronéis, riquíssimos, irmãos e vizinhos de fazenda, conversavam num sábado à tarde. Há sessenta anos faziam isso regado à pinga pura de engenho e muito, mas muito mesmo, tabaco de primeira.
            - Pois fique sabendo, Luiz, que eu nunca, sequer, fui abordado pela polícia, quiçá pela lei!
            - Nem eu, meu caro Carlos! Um fio de bigode meu vale mais do que nossas duas fazendas juntas. Palavra de macho é palavra!
            - Por falar em nossas fazendas, irmão, o que serão delas? Somos dois idosos solteiros com quase oitenta anos e não constituímos família; ficamos a vida inteira disputando, entre nós dois mesmos, quem conseguiria mais bens nesta Terra de Deus, e agora...
            - Ora, Carlos, mas valeu à pena, tivemos, com essa nossa mania de disputarmos tudo, do bom e do melhor: fortuna, terras, dinheiro e as mulheres mais bonitas, não foi? Eh,eh,eh,eh!
             - Sei lá mano velho, talvez o bom da vida não tenha sido isto! - falou Carlos.
             - Está certo, irmão, até agora estamos empatados em tudo, certo? Vamos, então, por mais graça nas nossas vidas. Vamos desempatar essa “parada” e fazer a derradeira disputa. Eu ponho tudo que tenho numa aposta contra tudo o que você tem. Vamos registrar tudo em cartório. Você passa todos os seus bens para mim e eu passo todos os meus bens para você. Colocamos as papeladas toda dentro de dois envelopes e deixamos tudo com o juiz de Virtuália, o coronel Pauli, nosso amigo em comum. Quem ganhar pega os dois envelopes!
            Sem saber do que se tratava, mas como nunca recusava uma aposta, honraria sua palavra, nem pensou e disse:
            - Nunca fui pobre na vida e a esta altura da mesma, se perder tudo é melhor morrer, mas topo Luiz! É tudo ou nada!
Sete dias se passaram e já estava tudo acertado, como combinado, e no sábado subseqüente, na costumeira, roda de pinga da roça e muito, mas muito tabaco mesmo, Carlos perguntou ao Luiz:
            - Qual é a aposta, mano?
            - Aposto que mato com um tiro na cabeça um fazendeiro rico muito famoso, não vou preso e, sequer, processado!
            - O fumo e o álcool  estão  mexendo com teus miolos, mano! Ficou maluco? Mas vá lá, como vai fazer isso?
            Luiz pegou seu Colt “cavalinho” 45 colocou na própria fronte e falou:
            - Perdeu mano! Eu ganhei a derradeira aposta! - falou e puxou o gatilho.
            A criadagem toda correu para a varanda da fazenda para ver o que acontecera e ouviram o que Carlos dizia:
            - Assim não valeu irmão! Você trapaceou. Ganhou todos os meus bens e como não quero ficar nem um minuto pobre...
            Carlos tirou sua garrucha da cintura e seguiu seu irmão.
            Como a aposta era segredo, o Juiz L.C. Pauli não entendeu nada quando abriu os envelopes e constatou que os irmãos tinham doado os próprios bens um para o outro.”

            Ao terminar a narrativa, Nhô me disse:
            - Sabi, seu Lê, todu dinhêru dus coroné ficô para a nossa cidade. O juiz era um chujeitu honestu e obedecia as lei dos homi e du Criadô! Êie descobriu que, tamém, tinha registrado nu cartório dois decumento antigu dus dois coroné que, despois de mortu, todus us bem seria da cidade!
            Comemos o douradão com farinha do Pará e o Nhô disse-me que tinha que voltar para casa, pois moeria mais cana para renovar o estoque da branquinha e eu voltei de Virtuália.



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