sexta-feira, 17 de agosto de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


ÍNDIO VESGO


Segunda-feira, dez para as sete horas da manhã, o sacerdote Orestino acorda com a baderna enfrente a casa paroquial da Igreja Caótica Apostrófica Romana. Levantou-se com uma enorme dor de cabeça, talvez pelas diversas missas de fim de semana. Era ressaca, pois ele substituiu o vinho por suco de uva, porém o batizou com a “purinha” do Nhô Antonio Benzedô. Vestiu a batina preta de andar dentro de casa, - pois só conseguia dormir nu, isto desde garoto, - para ver o que estava ocorrendo.
Ao abrir a janela, panorâmica da sala, viu a molecada do Grupo Escolar Bispo-Cardeal fazendo alvoroço com um homem seminu dormindo no magistral jardim paroquiano.
Orestino resolveu se vestir civilmente, pegou um calção e uma camisa, ambos usados, chamou o indivíduo e fê-lo se vestir. O sujeito era tipo um bugre, tinha os cabelos pretos, lisos e compridos à altura dos ombros; era estrábico e, tremendamente, feio:
- Como te chamas, és índio, senhor?
- Kukuruku! – respondeu o suposto índio.
A molecada caiu na risada e o padre sabia o apelido que os meninos dariam ao pobre coitado e falou alto:
-ÍNDIO ESTRÁBICO, este é o nome dele na tribo, ouviu gurizada? – gritou o padre e continuou:
- Vão para a escola que já são mais de sete horas e vai começar a aula, andem!
A molecada dispersou. Orestino colocou o indivíduo no seu Jeep e o levou para o distrito de Restinga Molhada a 12 km ao norte de Vituália e, com isso, “mataria” com uma só paulada dois javaporcos, ou seja, pegaria uma quantidade de doações na SPMV (Sub Prefeitura Municipal de Virtuália) e deixaria, longe da paróquia, o Índio Vesgo:
- Vou te levar comigo para tomarmos café lá em Restinga, ok, sujeito? – falou o “caridoso” servo do Senhor.
Dois dias depois...
Na ISEAV (Igreja Sideral Eva-Angélica de Virtuália), dezoito horas e trinta minutos, de quarta-feira, sem futebol na televisão. O salão de culto estava lotado quando de repente:
- Ooooohhhhh!- exclamação geral que interrompeu o sermão do pastor Jairo Edson na hora de falar no dízimo, o que o deixou possesso:
- O que quer aqui, meu senhor? Parece um garimpeiro depois de um dia chuvoso na lavra? Obreiros, ponham-no daqui para fora, agora!- dois obreiros imensos pegaram o pobre homem e o jogaram, literalmente, no meio da rua. E os fiéis riam e diziam em voz alta, instigados pelo pastor:
-Ó glória, aleluia, aleluia!
O maltrapilho levantou-se do meio da rua e sentou-se embaixo da marquise, em frente à ISEAV, limpando com as costas das mãos, a testa que ferira na queda.
Xerequéia, a catadora de sucatas nas ruas e terrenos baldios, conhecida por todos, estava sentada no banco da praça, ali perto, observava tudo enquanto comia parte de um melão e viu quando o individuo levantou-se e foi até o latão de descarte do horti-fruti – o maior de Virtuália, - revirou, revirou e só parou quando ouviu:
- Ei, meu rapaz, aí já não tem mais nada que se aproveite, o que tinha eu já peguei! Venha até aqui! – era Xerequéia abrindo o diálogo com o faminto e, este, foi até ela.
- Nossa cara, você parece um índio! Ah! Já sei, você é o Índio Vesgo que tava dormindo no jardim da casa paroquial, dias atrás! Olha só esses papaias, essas bananas e tomates que peguei no latão de descarte, dá para aproveitar mais da metade, pode se servir; dá para nós dois.
Índio Vesgo não se fez de rogado e comeu de um jeito que dava nojo e Xerê, senhora muito vivida com seus setenta e quatro anos, sem se importar, falou:
- Se você quiser vamos até ao meu cafôfo lá perto da sanga. Vou fazer uma sopa dos legumes que consegui com pedaços de osso e pelanca que o Carlinhos do açougue me deu! Você toma a sopa quente e depois dorme no puxadinho, que o Goró fez prá mim do lado de fora da cabine de caminhão abandonada, onde eu moro. Amanhã cedo você decide o que fazer!
...
Na manhã seguinte Xerequéia, que levanta sempre muito cedo, não viu nem sinal do índio e pensou alto:
- De onde terá saído aquele pobre sujeito e para onde foi? –pegou seu carrinho e preparou-se para iniciar a cata diária de recicláveis. Ao colocar os enormes sacos plásticos vazios dentro do carrinho encontrou um papel diferente e muito fino, de uns trinta centímetros, com algo escrito em vermelho, em caligrafia impecavelmente bem elaborada:
Agradeço o acolhimento, nem tudo está perdido!
Três pedras amarelas e pesadas estavam sobre o papel, para que não fosse carregado pelo vento e Xerê pensou:
- Caramba, quem seria aquele sujeito? E essas pedras amarelas, pesadas e que brilham? Será que é... não, não pode ser?! Vou ver com meu amigo de fé, o Paulinho Goró; talvez ele conheça o Índio Vesgo e saiba o que são essas pedras que parecem... sei lá, não pode ser! Será?

Que aparência e atitudes teria um anjo que, por ventura, nos monitorasse?

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