ÁRVORES E PLANTAS
Num domingo desses, de um verão infernal, cochilei e fui para
Virtuália passear na parte em que o Ribeirão Limpo deságua no Rio do Peixe. Lá,
existem muitas árvores, a maioria, frutíferas plantadas pelas mãos do Criador;
lugar bastante agradável e ameno.
-
Mas antes vou fazer uma visitinha ao amigo Nhô!
Cheguei à casa do meu amigo, abri o
portão e percorri os mais de cinquenta metros de um corredor ladeados por
várias roseiras e crisântemos e, ao chegar próximo da porta da sala:
-
Nhô, o senhor está em... – nem deu tempo de eu terminar a frase:
- Ôce já sabi
ondi ieu tô, seu Lê, podi aprochegá; vem cá comê umas carambola mais ieu,
eh!eh!eh! – sorridente falou alto o Nhô Antônio Benzedô. Ele estava
sentado em um banquinho feito, por ele mesmo, de um tronco de uma mangueira,
morta há muito tempo:
- Si assenta
nesse ôtru banquim, lembra daquéia manguera ispada qui morreu di veiíce,
misifiu? Foi feito déia!
-
Lembro-me sim, Nhô e sei, também, que aqueles pés plantados, margeando o
ribeirão, são filhos dela, não é mesmo?
-É issu memu,
meu amigu, aqui as árvi todas tem parentescu, a malhoria são sementi qui ieu vô
interranu nu decorrê du tempu!
-
E a horta Nhô, as hortaliças são renovadas através das sementes das que já se
foram? – perguntei-lhe
- São sim e, tamém,
de muda, quandu são di muda! Tevi uns tempu, misifiu, qui nasceu um pé di
mandioca qui deu umas raiz grandi e, quandu cozida era maciínha e saborosa, só
qui iela tinha só duas ramas. Fiz váriu pedaçu das rama e prantei e só um vingo
e ieu pensei: - Num vô coiê as raiz dessi pé; vou isperá iêli dá sementi! Argum
méis despois peguei as sementi e puis prá secá e despois prantá. Aproveitei as
raiz prá cume cum carne seca. Na sumana
seguinti peguei as ramas e prantei de um ladu da roça e du ôtru prantei as
sementi.
Das ramas
nasceru mandioca iguá as da primera pranta; as qui nasceru das sementi, seu Lê,
num saiu nenhuma iguá a outra e num era muito boa! Tem ixpricação um trem dêssi?
-
Tem sim, meu amigo! As que nasceram das ramas eram clones do primeiro pé de
mandioca, isto é, era o mesmo pé que rebrotou. Já os que nasceram das sementes
eram plantas novas, ou seja, plantas parentas do primeiro pé plantado, mas não era
o mesmo pé! – expliquei-lhe com conhecimento científico de causa o Nhô
respondeu:
- Intão tá, intão seu Lê!
Levantei-me
do banquinho e espichei os braços para cima e peguei duas carambolas maduras e
lavei na bica d’água que o Nhô canalizou da mina, desde a nascente no Morro do Pilão,
dentro de seu sítio. Já tinha reparado antes, mas só agora resolvi perguntar ao
meu amigo:
-
Nhô, por que o senhor mantém aquele pé de carambola plantado naquela metade de
tambor pintado de branco?
- Ôce arreparô
comu aqueie pé é bunitu? As foias são muito mais Verdi; dê uma oiada nas treis
caramboa qui istão amaduranu êie, num é uma belezoca?
-
É sim Nhô, elas são quase o dobro de tamanho das que estão plantadas direto no
chão! – admirado falei.
- Êies foru
prantadu nu memu dia há mais de cinco anu, era sementi da mesma fruta qui eu e
a falecida Ritinha cumemu juntu! – falou o Nhô.
-
É mesmo, meu amigo?
- U pé du chão
fui ieu qui prantei e u du tambô foi a falecida. A Ritinha cuidava desse pé
como a uma fia qui nóis num tivemu. Despois qui éia morreu eu passei a cuidá;
todus us dias ieu jogu água e conversu cum éia. Tô sempri riviranu a terra du
tambô e colocanu adubu qui ieu façu cum as poda das otras pranta. Éia sempre dá
duas ou treis fruta seu Lê, qui são du jeitu que ôce tá venu. Peraí ... vô coiê as três modi ôce porvá uma déias!
O Nhô pegou as três carambolas,
lavou duas na bica, me deu uma, ficou com outr e a terceira deixou no tambor, junto ao caule, dizendo:
- Essa é da Ritinha, Eh! Eh! Eh! Eh!
Pensei:
-
Quem sou eu para reprovar este ato?
-
Realmente é muito mais doce que as do outro pé, Nhô, sabe por quê? –
perguntei-lhe após ter mastigado uma mordida.
- Dédi sê
pruque ieu tratu êssi pé cum carinhu i cuidadu iguá a uma fia, seu Lê!
– respondeu-me.
- U ôtru pé ieu nem jogu água, u mundu qui
cuida dêie.
-
É isso mesmo Nhô, a planta do tambor centraliza toda a energia na produção de
duas a três frutos e, não sei como, deve saber que está confinada no seu vaso.
Já a plantada no chão, sabe que é livre para produzir.
- Será seu Lê?
Dédi sê iguá us pai responsávi qui tem dois ou treis fio pruque sabi qui vai podê
inducá êies; essa é a família do pé qui a Ritinha prantô. U qui ieu prantei é
iguá us pai qui num tão nem aí p’rás coisa e danam a tê us fio num si importanu
cum qui serão dêies despois qui nasci!
-
Boa comparação, meu amigo! – falei e levantei-me pronto para voltar para
casa, pois na segunda feira cedo, teria um compromisso inadiável.
- Ué, ôce já
vai si pirulitá, seu Lê!? Inda é cedu!
-
Volto qualquer dia desses a qualquer hora, ok, Nhô?
- Cê qui sabi,
mas quandu ôce vorta vô perpará um sucu daquéias pitanga grandona dus pé qui
tem lá pertu du riberão, tá bão, seu Lê?
-
Ok, Nhô! Então thau!
-
Intão inté, intão!
...
-Lê,
Lêêê-êê, onde você está? – gritava a vozinha que eu mais adoro no mundo.
-
Estou aqui, Rô, manuseando os gibis antigos que comprei no mês passado no
mercado Ver-o-Peso, em Belém do Pará!
-
Olha só, encontrei o pingente de ouro com as três perolazinhas que você me deu
quando nasceu nosso terceiro filho, o caçulinha!
- Que ótimo, onde estava?
-
Caído perto da pitangueira que você plantou naquela metade de tambor pintada de
branco há uns cinco anos e que você cuida como se fosse a filha que não
tivemos. Fui lá pegar uma pitanga madurinha, que vi lá e deixei a joia cair sem
ver. Engraçado, Lê, só tinha três frutinhas como da última vez, você sabe
explicar o porquê?