sábado, 20 de outubro de 2012

VIDA EM FAMÍLIA


Salada de Rabanetes
            - Lê, você pediu salada de rabanetes e pepino japonês no almoço de hoje, não pediu? – perguntou-me a Rô– minha patroa – na porta da garagem onde eu me preparava para sair de carro.
         - Sim! Já sei: - Não comprei! Vou à quitanda buscar, rapidinho!
         Saí troteando  e uma nuvem enorme, em formato parecido com uma explosão nuclear, chamou-me a atenção lá longe no horizonte. Distrai-me e pisei numa poça d’água que tinha na calçada, em frente ao restaurante, onde acabaram de fazer a limpeza da parte da  manhã.
         - Mas que droga! Logo hoje que vou participar de uma licitação com a prefeitura? – olhei no meu relógio de pulso e raciocinei:
         - Ainda faltam duas horas para a reunião e terei tempo de ir até lá no Graxaim para engraxar estes meus sapatos! – e foi o que fiz, logo após pegar o molho de rabanetes na quitanda, já que o pepino japonês tinha na geladeira de casa.
         - “Se assenta” na cadeira, seu Lê, será meu primeiro freguês de hoje e já vi que terei sorte, Eh! Eh! Eh! – disse-me o engraxate com sua costumeira e risonha simpatia e prosseguiu:
         - Tome este gibi e vai se distraindo enquanto faço meu serviço, seu Lê; eu sei que o senhor gosta!
         Peguei a conservada revista-em-quadrinhos e vi a data: Novembro de 1.952 e pensei:
         - Caramba, este gibi de Tarzan tem a minha idade e eu não tenho na minha coleção, falta só ele: o número dezessete, da primeira série! – comecei a ler já pensando em comprá-lo do Graxaim.
         Do lado, da cadeira de engraxate, tem uma loja de presentes finos e de lá saiu uma senhora que chamava a atenção com seus traços nórdicos, muito bonita e bem trajada e, vi quando ela passou perto onde a velha e esfarrapada Lia Polaca fazia ponto de mendicância:
         - Ô minha filha, “me” dê uns trocados para eu tomar um café?- “implorou” a velha.
         - Não, eu não tenho trocado! – falou asperamente a sisuda beldade.
         - Tome, minha boa velha! São trocados suficientes para seu café e seu almoço de hoje! – disse um representante fiel da mais pura raça africana, entregando-lhe uns “caraminguás”.
         - Obrigada, escurinho, que Deus lhe pague! – disse a velha pedinte com cara de quem achou pouco  e depois falou alto para a senhora bem vestida, cuja vestimenta combinava com a cútis, extremamente branca, e que se preparava para dar partida no seu SUV importado:
         - Está vendo, branquela granfina, ali vai um preto de alma branca!
         Olhei indignado para a velha mendiga, para a ricaça e para o afrodescendente que deu um sorriso amarelo e, foi o Graxaim que interrompeu o que eu ia começar a falar:
         - Pronto seu Lê, tá novo; são só cinco “pratas”!
         - Quanto você quer por este gibi? – perguntei.
         - Não é nada não, meu amigo, pode levar prôce! Ele é muito velho e não vale nada!
         - Vale sim, meu amigo, tome sessenta “pratas” pelo serviço e o gibi!
         - Obrigado seu Lê! Não falei que hoje eu teria sorte?
         Os rabanetes, a poça d`água, o engraxate, a ricaça, a mendiga, o afrodescendente e a coincidência de encontrar o gibi do Tarzan número dezessete de novembro de 1.952, que eu procurava há cinquenta anos, e a engraxada de sessenta “pratas” do Graxaim:
         - É - enchendo o peito de ar falei - meu amigo Graxaim, sorte mesmo! Nossa sorte!

Nenhum comentário:

Postar um comentário