ETevaldo volta para casa
Primeira parte: A mãe do ouro
No sol, de onze em onze anos terrestre, acontecem os fenômenos das
grandes explosões que lançam, de sua superfície, materiais incandescentes a
mais de cento e sessenta mil quilômetros
de distância da coroa solar. Tais fenômenos, como já são comprovados pela
ciência, interferem nas telecomunicações do nosso planeta. Parece que não é só
com nossas telecomunicações que eles interferem, coincidência ou não, é nessa
época que são relatados grande incidência de OVNIs ao redor do mundo. Em
Virtuália, a incidência desses objetos é inacreditável; por isso estou nesta
cidade.
- Vou sentar-me à sombra daquele flamboyant
florido na lateral da Praça Bispo- Cardeal; lá vou saber notícias, de hoje - através
da Folha de Virtuália - sobre a mãe do ouro que, de onze em onze anos, desce do
céu e fica escondida na Serra Madre na antiga mina, abandonada, do Morro Velho.
Engraçado é que ninguém se atreve a ir até lá, pois julgam ser um lugar
assombrado.
Pensava e falava
ao mesmo tempo enquanto me ajeitava no banco de madeira da praça. Em frente a
este banco, do outro lado da rua, estava o seu Carute com seu carrinho de
frutas:
- Só vendo frutas frescas e boas! – sempre
dizia ele, que ao me ver, acenou em cumprimento com o pano que ele usa para polir as frutas
“frescas”.
Dei aquela
aspirada do ar fresco e fui expirando lentamente e abrindo o jornal:
- Dá licença meu senhor? – era um homem
negro, com seus setenta anos, todo esfarrapado e, como eu disse que sim com o
balançar positivo da minha cabeça, ele abriu um sorriso que não escondia a
falta dos dois dentões frontais da arcada superior, e continuou a falar:
- Bom dia, jovem senhor, poderias, por
favor, inteirar o valor de três dinheiros para eu comprar um daqueles pêssegos
importados do carrinho do Carute? Só faltam sessenta centavos e desde cedo que
estou juntando para comprar e enganar a fome e satisfazer este pequeno desejo.
- Não, não vou inteirar a quantia eu...
– o homem me interrompeu:
- Tudo bem, amigo, mesmo assim eu te
agradeço e... – foi minha vez de interrompê-lo:
- Calma “sô”, não vou completar a quantia,
mas vou lá contigo comprar uma fruta para você e outra para mim; adoro pêssego.
Levantei-me e
fomos ao Carute. Comprei os pêssegos – os três maiores – e disse ao seu
Biliato, este era o nome dele:
- Escolha o seu – ele não titubeou e
pegou o menor.
Voltei para o
banco e ao jornal. Perto do flamboyant
tinha uma torneira, que a PSV usa para molhar os jardins, e foi nela que o
Biliato lavou o pêssego.
- Quer que eu lave os seus? –
perguntou-me.
- Não, pode deixar. Eu só vou saboreá-los
mais tarde, em companhia do meu amigo Nhô Antônio Benzedô.
Biliato deu uma
mordida na fruta com os dentes laterais e saiu andando e a uns três metros,
quando foi dar a segunda mordida, foi interrompido:
- Ô moço, “pelamordideus”, me deixa dar uma
mordida nesse teu pêssego? Eu estou no sexto mês de gravidez e me bateu um
desejo enorme e tem que ser nessa sua fruta, por favor!
O maltrapilho
estendeu a mão, com a fruta, à moça e esta deu uma abocanhada no pêssego e quis
devolvê-lo ao Biliato que lhe disse:
- Não, não minha filha, pode ficar com ele,
pois estou satisfeito.
- Ei, Bili – já me sentindo íntimo – venha cá, tome outro
pêssego.
Ele retornou e
disse-me:
- Obrigado senhor, mas esta não é para o Nhô
Benzedô?
- Ele vai ficar satisfeito quando lhe falar o que eu vi!
Pode ficar com esta maior sem problemas.
- Tá bom, obrigado. – Bili lavou a fruta, olhou para os lados e
seguiu seu caminho.
Voltei a ler o
jornal e lá estava a manchete:
“MÃE DO OURO CAIU
ONTEM PELA SEGUNDA VEZ ESTE MÊS NA SERRA MADRE.”
- Ótimo – pensei comigo – hoje à noite vou ficar acordado lá no
refúgio do Nhô que, por sinal, fica quase aos pés da Serra Madre.
Por meia hora
ninguém notou ou perturbou-me até que, por volta das catorze horas:
- Olhá só se não é o seu Lê?- era o Paulinho
Goró que brincou comigo:
- Aposto que vai lá visitar o Nhô Antônio, estou certo?
- Olá, grande Paulo de Paulli, como tem passado? – cumprimentei-o e
continuou o diálogo:
- Vou bem! Escuta seu Lê, o Nhô foi ao HPSV
visitar a Xerequéia que operou, na semana passada, de pedras na vesícula; ela
sai amanhã do hospital. E por falar no Nhô, lá vem ele com aquele andar dez
pras duas, ah!ah!ah!
Realmente era o
meu outro amigo que vinha com seu andar vagaroso, mas firme e compassado. Ao nos ver acelerou a caminhada
em nossa direção:
- Oi, misifio, qui prazerão vê ôces. Comu
qui vai patrão Lê?
- Vou bem meu grande amigo. Vejo que estás ótimo. E a
nossa amiga Xerequéia, como está?
- Iéla é forti i já tá impaciente nu hospitá, mais aminhã
iéla si pirulita di lá, Eh!Eh!Eh!Eh! Já tá boa prá ôtra. – falou o Nhô sorrindo e
prosseguiu:
- Sabi a Mariona, seu Lê, iéla tá na mesma
infermaria da nossa amiga. Iéla foi atrupelada, pruque tava bebinha, pr’uma
carroça desimbestada i quebrô as perna i ieu vi um fatu curiosu.
- Conta aí Nhô, o que foi? – perguntei-lhe.
- Inhantes de ieu saí duHPSV dois pastô
entraru lá na enfermaria i viu a Mariona na cama c’as perna ingessada i
pindurada i, comu iéla tava muitchu triste ieles foru diretu ni iela i começaru
a falá:
- Ô fia di Deuso, num fiqui tão tristonha qui tudu vai
miorá. Vamu orá prôce, já qui si sente tão só nessi mundu. Óri c’a genti, mais
inhantes fala prá nóis: - Ôce tem argum parenti na face dessa Terra? – a Mariona oiô fêi prêles i
dissi com sua vóis grossa:
- Tenho sim seus porquera, a minha muié vai
vim mi visitá hoji di noitinha. Vão vazanu qui a minha amanti tá prá chegá.
- Eh!Eh!Eh! Seu Lê, us pastô levantaru as mãos i falaru
rapidim e artu:
- Vai di retu Satanáis! – i sairu correnu da
infermaria.
- Ah!Ah!Ah! Santa discriminação, Nhô.
- É verdade seu Lê– completou o Paulinho Goró.
-Ôce vêi vê a “mãe du oru”, misifio? –
indagou-me o Nhô.
- Vim sim, meu amigo. No jornal de hoje diz
que ela desceu na mina do Morro Velho e que na noite de hoje para amanhã ela,
talvez, vai embora. É verdade Nhô?
- Ieu vi iéla descê onti di noiti i é bem porvavi qui
hoje iéla vorta prô espaçu. Vamu lá prá casa, seu Lê, qui daqui a poco vai uns
pessoá lá alugá pé di fruta.
- Como assim, Nhô,
“alugar pé de frutas”?
- Vamu andanu até
minha carroça qui tá parada lá pertu do armazém du Viêra, du ladu da gráfica do
Salzanu, u donu da Foia di Virtuáia.
A carroça do Nhô
é das antigas, porém conservada e, quem a traciona, é o Batencur um pangaré –
bem tratado – que está com o Nhô já tem vários anos.
São quase duas
léguas até o refúgio do meu amigo. Refúgio é a maneira de dizer porque lá é a
antessala do paraíso.
Quando saímos do perímetro urbano, onde o barulho das rodas da
carroça com os paralelepípedos das ruas não nos deixávamos conversar direito eu
tornei a perguntei ao meu amigo:
- Alugar pés de frutas? O que quer dizer isso,
Nhô?
- Lá nu meu sitiu tenhu tudu qui é tipu de pranta
frutífera i, comu a malhoria foi prantada pelas mão du Criadô, ieu num vendu.
Comu, dô prôs amigu, pras criação i, ainda, alugu os pé para as famías qui qué
trazê os fios prá cume furta coídas na
hora i ficá im contadu c’a natureza. I ansim, seu Lê, a famia coopera cum argum
valor, im moeda, i podi cume a quantidadi qui quisé, só num podi levá prá casa
sinão perdi a graça. Com u valor simbólicu ieu compru ferramenta e ôtras coisa
prá cuidá da horta i du pomar.
- Ah! Entendi Nhô! E por falar em fruta,
olha só o tamanho do pêssego que eu trouxe lá do carrinho do Carute. Empresta o
seu canivete que eu vou cortá-lo no meio prá nós saboreá-lo.
- Graudão iêi é mermu, mas dexa prá parti quandu nóis tivé
dibaxu dos treis pé di pêsgu du sítiu. Iêis tão carregadim.
Pouco mais de uma
hora depois e, embaixo de um pessegueiro:
- Nossa Nhô, como os pessegueiros estão
carregados, e já tem muitos maduros.
- É épuca, misifio! – falou o meu amigo pegando um pêssego maduro
e continuou a falar:
- Óia só esti qui apanhei; é a metadi du
tamanhu du qui ôce troxe. Dê uma murdida nu qui ôce troxe i mastiga bem
degavarzim prôce senti u paladar. Despois ôce porva esti daqui du sítiu.
Fí-lo como
mandado:
- “Vixi” Nhô, depois de provar o do sítio o
que eu trouxe parece que é feito de cera, sem gosto.
- Pois é misifio, us daqui du sítiu é inguá au premeru
pêsgu qui u criadô criô; já u qui ôce troxe foi milhorada a aparência pelas mão
du homi. Ficou bunita, mais u gostu piorô.
- O que o homem criou tem mais valor no mercado, amigo;
neste caso a aparência leva vantagem.
- Misifio, u homi nunca criô nada, tudo u qui exesti é inguá
di quandu u Criadô criô. Podi si modificá, mais criá uma coisa nova u homi num
tem, ainda, êssi podê.
Nisso ouvimos o
barulho de um veículo chegando, parando e buzinando no portão:
- São
iêles qui chegaru, é a famia, seu Lê. Ieu vô lá incaminhá ieles i já vortu.
Essa famila veiu para alugá um dus pé di jabuticaba.
- Tá
bom, meu amigo, eu te aguardo.
De longe eu via o
quanto o Nhô é querido. A mulher do contratador de jabuticabeira trouxe um bolo
para o meu amigo e ele, mesmo sem jeito, aceitou. Nhô encaminhou a família, mas
os dois meninos já estavam trepados numa das árvores carregadas de jabuticabas
maduras. O Nhô me chamou:
- Seu Lê, vem mais ieu qui vou fazê um café
prá nóis tomá c’êssi bolo de cenôra e chocolati! A genti aproveita prá proseá
enquantu aguardamu u Kowauski. Iele mi falô qui viria hoji buscá us mantimentu
qui ieu comprei prêli.
- Kowauski? Quem é ele Nhô?
- É um chujeito istranhu, devi di tê mais di
dois metru i mêi di artura, tem uns braçu cumpridu qui vai inté prá baxu dos
jueios. Iele num tem cor – é muitchu brancu -, usa uns ósculos de sordadô di
sorda elétrica pruque a craridade atrapaia iele de inchergá. Iele num tem
nenhum pêlu i nenhum fiu di cabelu. Iele incherga mais qui a genti, seu Lê;
iele vê drentu da genti. Foi iele qui dissi prá Xerequéia, nu mêis passadu, qui
iela tinha treis pedrão na visícula.
- Nossa Nhô, e de onde ele veio qual a origem dele?
- Iele num diz, só fala qui veiu di muitchu longe i qui
tá percuranu um tipu di oru diferente na mina du Morru Véi. Acho qui já fêis
issu uns onzi anos inhantes, pois fais exatamenti onzi anu qui ieu conheçu
iele. As vêis iele somi i fica uns mêis sem aparecê, mais nus úrtimu onzi mêis,
si mum mi faia a mimória, ilê vem todu mêis buscá mantimentu qui ieu compru
prêli.
- Interessante Nhô! Como o senhor nunca me falou dele?
Como ele lhe paga as compras e o que ele pede para o senhor comprar?
- Ieu nunca falei pruquê num achei importanti, mais comu
ieu falei docê prêli , ieli qué ti conhecê. I vai sê hoji, despois das seis da
tarde. Iele só mi percura despois dessi horário i fica aqui inté pur vorta das
deiz hora, maiomenu i despois si pirulita, eh!eh!eh!
O bolo de cenoura
estava uma delícia e com o café maravilhoso, que é produzido no refúgio
paradisíaco do Nhô, virou uma combinação divina.
Quando estou em
companhia do Nhô as horas voam e por volta das dezessete e trinta a família, da
jabuticabeira, veio se despedir:
- Senhor Nhô Antônio, nós não resistimos e
comemos alguns pêssegos, também. Quanto lhe devemos? –falou a mãe da
família.
- Óia, misifia, u seu bolu di cenôra tava
tão bão qui é ieu qui devu di ti pagá. Fica ansim, intão, u ditu pelu num ditu,
tá bão? Eh!Eh!Eh!Eh!Eh!
- Mas nós queremos pagar Nhô, o bolo foi um presente e... – o pai da família foi
interrompido pelo meu amigo:
- Ôces gostaru, si divertiru e ôceis
apreciaru a natureza?
-
Muito, mas muito mesmo, tio – falou alto Lorenzo um dos garotos.
- É mesmo, tio, nós podemos voltar outro dia
para pescar? – perguntou o menorzinho, o Enrico.
- Mais é craru qui podi vortá a hora qui
ôces quizé. Ieu num sô donu da natureza, só cuidu di iela. Ficu satisfitchu si
gostaru!
- Então até a próxima! A gente avisa antes Nhô – falou o chefe da família.
- Intão, inté, intão!- a família feliz
partiu e o Nhô me alertou:
- Óia lá, misifio, u Kawauski já evêm lá pelus
lados daqueli serru – falou apontando.
- É, estou vendo Nhô – vi e pensei
comigo: ¨Caramba, de longe, já é
esquisito, imagino de perto!”
Em dez minutos
ele chegou e falou com voz grave, melodiosa e profunda, tipo baixo profundo:
- Boa tarde Nhô, boa tarde senhor...
- Estiquei o braço e dei a mão em cumprimento e ele a
dele:
- Pode me chamar de Lê, o Nhô me falou de você; é um
prazer conhecê-lo.
- Se aprocheguem aqui prá pertu du fugão di lenha,
Kowauski, tem café que fiz indagorinha e adoçadu cum rapadura qui eu façu; é das
mesma qui ôce gosta di cume.
- Obrigado Nhô, vou aceitar com muito gosto – disse o estranho.
- Ouça Nhô, não vou poder demorar muito hoje;
tenho que voltar o mais rápido possível e...
- Tá bão, misifio, as suas compra tão naquela cáxa:
rapadura, açúca, mé di abêia, us pexe salgadu, as lata di sardinha i di atum;
só fartô us cincu quilu di aveia qui só vai chegá daqui uns treis dias nu
armazém du Viêra.
- Muito grato meu grande amigo. Aqui está o pagamento – disse o Kowauski colocando
na mão do Nhô uma pedrinha amarela e brilhante e voltou-se para mim e
perguntou:
- Sr. Lê, conheces a Édila, aquela chinesinha
que trabalha na secretaria da Basílica de Virtuália?
- Sim, conhecia! Você não deve de estar
sabendo, já deve ter uns quatro ou cinco anos que ela morreu! Você a conheceu?
De onde?
- Sim, eu a conheci há quatro anos. Ela e eu,
nós... eh! ...nós tivemos uma certa intimidade, porém tive que me ausentar por
uns tempos; quando voltei não mais a vi e nem tive e nem procurei notícias –
respondeu o estranho.
- Ahhh! Agora ieu tô mi alembranu daquéia chinesinha. Iela morreu nu partu du
fiote deia. O julianu i u Beju adotaru u mininu. Essi mininu, despois, sumiu
qui ninguém mais sôbi dêie! – lembrou-se o Nhô.
- É uma lástima, a Édila era muito astuta,
porém boa pessoa. - falou Kowauski e, continuou:
- Tenho que ir senhores; tenho que arrumar muitas coisas
antes de uma longa viagem! Nhô, daqui a cinco dias eu venho buscar a aveia, ok?
- Conseguiu algum ouro, Kowauski? – perguntei só por
curiosidade.
- Pouco, muito pouco mesmo. Só consegui
alguns gramas de ouro monoatômico, o que chamam de ORMES, que é o que preciso. Existem traços de outros metais tais como: prata
índio, gálio e zinco – explicou-me o estranho com muita convicção do que
falava.
Pensei comigo:
“Por que será que ele procura o ouro monoatômico?”
- Intão inté , misifio, os cincu quilu di
aveia vai tá ti esperanu.
- Foi um prazer conhecê-lo, Senhor Lê, até outra
oportunidade.
- Prazer Kowauski, até breve!
Kowauski pegou os
mantimentos da caixa, colocou numa mochila estranha e sumiu na escuridão.
Naquela noite a
mãe do ouro, que na realidade era algo parecido com uma bola incandescente,
desceu numa velocidade incrível dos céus e quando chegou perto do topo da Serra
Madre drasticamente reduziu a velocidade e a luminosidade apagou.
- Ôce viu né seu Lê? Eh!Eh!Eh! –
perguntou meu amigo.
- Vi e só acredito que vi porque estou em
sua companhia, Nhô.
- Pois é, seu Lê, essi negóçu di mãe du oru
exesti, mais istu é coisa di outru mundu, eh!eh!eh!
- Tens razão, isso é coisa de gente inteligente, Nhô,
podes crer.
- Pois bem meu amigo, tenho que ir embora e daqui a três
dias eu volto, quero falar com o Kowauski a respeito deste fato.
- Mais seu Lê, já são quaji meia noite, , vai amanhã di
manhã?
- Nhô, sabemos que para nós não existe o tempo real - falei-lhe dando adeus e partindo.
... Continua na Parte
Final: A bola de fogo ...
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