sexta-feira, 26 de outubro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


ETevaldo volta para casa
Primeira parte: A mãe do ouro

            No sol, de onze em onze anos terrestre, acontecem os fenômenos das grandes explosões que lançam, de sua superfície, materiais incandescentes a mais de cento e sessenta  mil quilômetros de distância da coroa solar. Tais fenômenos, como já são comprovados pela ciência, interferem nas telecomunicações do nosso planeta. Parece que não é só com nossas telecomunicações que eles interferem, coincidência ou não, é nessa época que são relatados grande incidência de OVNIs ao redor do mundo. Em Virtuália, a incidência desses objetos é inacreditável; por isso estou nesta cidade.
            - Vou sentar-me à sombra daquele flamboyant florido na lateral da Praça Bispo- Cardeal; lá vou saber notícias, de hoje - através da Folha de Virtuália - sobre a mãe do ouro que, de onze em onze anos, desce do céu e fica escondida na Serra Madre na antiga mina, abandonada, do Morro Velho. Engraçado é que ninguém se atreve a ir até lá, pois julgam ser um lugar assombrado.
            Pensava e falava ao mesmo tempo enquanto me ajeitava no banco de madeira da praça. Em frente a este banco, do outro lado da rua, estava o seu Carute com seu carrinho de frutas:
            - Só vendo frutas frescas e boas! – sempre dizia ele, que ao me ver, acenou em cumprimento  com o pano que ele usa para polir as frutas “frescas”.
            Dei aquela aspirada do ar fresco e fui expirando lentamente e abrindo o jornal:
            - Dá licença meu senhor? – era um homem negro, com seus setenta anos, todo esfarrapado e, como eu disse que sim com o balançar positivo da minha cabeça, ele abriu um sorriso que não escondia a falta dos dois dentões frontais da arcada superior, e continuou a falar:
            - Bom dia, jovem senhor, poderias, por favor, inteirar o valor de três dinheiros para eu comprar um daqueles pêssegos importados do carrinho do Carute? Só faltam sessenta centavos e desde cedo que estou juntando para comprar e enganar a fome e satisfazer este pequeno desejo.
            - Não, não vou inteirar a quantia eu... – o homem me interrompeu:
            - Tudo bem, amigo, mesmo assim eu te agradeço e... – foi minha vez de interrompê-lo:
            - Calma “sô”, não vou completar a quantia, mas vou lá contigo comprar uma fruta  para você e outra  para mim; adoro pêssego.
            Levantei-me e fomos ao Carute. Comprei os pêssegos – os três maiores – e disse ao seu Biliato, este era o nome dele:
            - Escolha o seu – ele não titubeou e pegou o menor.
            Voltei para o banco e ao jornal.  Perto do flamboyant tinha uma torneira, que a PSV usa para molhar os jardins, e foi nela que o Biliato lavou o pêssego.
            - Quer que eu lave os seus? – perguntou-me.
            - Não, pode deixar. Eu só vou saboreá-los mais tarde, em companhia do meu amigo Nhô Antônio Benzedô.
            Biliato deu uma mordida na fruta com os dentes laterais e saiu andando e a uns três metros, quando foi dar a segunda mordida, foi interrompido:
            - Ô moço, “pelamordideus”, me deixa dar uma mordida nesse teu pêssego? Eu estou no sexto mês de gravidez e me bateu um desejo enorme e tem que ser nessa sua fruta, por favor!
            O maltrapilho estendeu a mão, com a fruta, à moça e esta deu uma abocanhada no pêssego e quis devolvê-lo ao Biliato que lhe disse:
            - Não, não minha filha, pode ficar com ele, pois estou satisfeito.
            - Ei, Bili – já me sentindo íntimo – venha cá, tome outro pêssego.
            Ele retornou e disse-me:
            - Obrigado senhor, mas esta não é para o Nhô Benzedô?
            - Ele vai ficar satisfeito quando lhe falar o que eu vi! Pode ficar com esta maior sem problemas.
            - Tá bom, obrigado. – Bili lavou a fruta, olhou para os lados e seguiu seu caminho.
            Voltei a ler o jornal e lá estava a manchete:
            “MÃE DO OURO CAIU ONTEM PELA SEGUNDA VEZ ESTE MÊS NA SERRA MADRE.”
            - Ótimo – pensei comigo – hoje à noite vou ficar acordado lá no refúgio do Nhô que, por sinal, fica quase aos pés da Serra Madre.
            Por meia hora ninguém notou ou perturbou-me até que, por volta das catorze horas:
            - Olhá só se não é o seu Lê?- era o Paulinho Goró que brincou comigo:
            - Aposto que vai lá visitar o Nhô Antônio, estou certo?
            - Olá, grande Paulo de Paulli, como tem passado? – cumprimentei-o e continuou o diálogo:
            - Vou bem! Escuta seu Lê, o Nhô foi ao HPSV visitar a Xerequéia que operou, na semana passada, de pedras na vesícula; ela sai amanhã do hospital. E por falar no Nhô, lá vem ele com aquele andar dez pras duas, ah!ah!ah!
            Realmente era o meu outro amigo que vinha com seu andar vagaroso, mas firme e  compassado. Ao nos ver acelerou a caminhada em nossa direção:
            - Oi, misifio, qui prazerão vê ôces. Comu qui vai patrão Lê?
            - Vou bem meu grande amigo. Vejo que estás ótimo. E a nossa amiga Xerequéia, como está?
            - Iéla é forti i já tá impaciente nu hospitá, mais aminhã iéla si pirulita di lá, Eh!Eh!Eh!Eh! Já tá boa prá ôtra. – falou o Nhô sorrindo e prosseguiu:
            - Sabi a Mariona, seu Lê, iéla tá na mesma infermaria da nossa amiga. Iéla foi atrupelada, pruque tava bebinha, pr’uma carroça desimbestada i quebrô as perna i ieu vi um fatu curiosu.
            - Conta aí Nhô, o que foi? – perguntei-lhe.
            - Inhantes de ieu saí duHPSV dois pastô entraru lá na enfermaria i viu a Mariona na cama c’as perna ingessada i pindurada i, comu iéla tava muitchu triste ieles foru diretu ni iela i começaru a falá:
            - Ô fia di Deuso, num fiqui tão tristonha qui tudu vai miorá. Vamu orá prôce, já qui si sente tão só nessi mundu. Óri c’a genti, mais inhantes fala prá nóis: - Ôce tem argum parenti na face dessa Terra? – a Mariona oiô fêi prêles i dissi com sua vóis grossa:
            - Tenho sim seus porquera, a minha muié vai vim mi visitá hoji di noitinha. Vão vazanu qui a minha amanti tá prá chegá.
            - Eh!Eh!Eh! Seu Lê, us pastô levantaru as mãos i falaru rapidim e artu:
            - Vai di retu Satanáis! – i sairu correnu da infermaria.
            - Ah!Ah!Ah! Santa discriminação, Nhô.
            - É verdade seu Lê– completou o Paulinho Goró.
            -Ôce vêi vê a “mãe du oru”, misifio? – indagou-me o Nhô.
            - Vim sim, meu amigo. No jornal de hoje diz que ela desceu na mina do Morro Velho e que na noite de hoje para amanhã ela, talvez, vai embora. É verdade Nhô?
            - Ieu vi iéla descê onti di noiti i é bem porvavi qui hoje iéla vorta prô espaçu. Vamu lá prá casa, seu Lê, qui daqui a poco vai uns pessoá lá alugá pé di fruta.
             - Como assim, Nhô, “alugar pé de frutas”?
             - Vamu andanu até minha carroça qui tá parada lá pertu do armazém du Viêra, du ladu da gráfica do Salzanu, u donu da Foia di Virtuáia.
            A carroça do Nhô é das antigas, porém conservada e, quem a traciona, é o Batencur um pangaré – bem tratado – que está com o Nhô já tem vários anos.
            São quase duas léguas até o refúgio do meu amigo. Refúgio é a maneira de dizer porque lá é a antessala do paraíso.
Quando saímos do perímetro urbano, onde o barulho das rodas da carroça com os paralelepípedos das ruas não nos deixávamos conversar direito eu tornei a  perguntei ao meu amigo:
            - Alugar pés de frutas? O que quer dizer isso, Nhô?
            - Lá nu meu sitiu tenhu tudu qui é tipu de pranta frutífera i, comu a malhoria foi prantada pelas mão du Criadô, ieu num vendu. Comu, dô prôs amigu, pras criação i, ainda, alugu os pé para as famías qui qué trazê os fios prá cume furta  coídas na hora i ficá im contadu c’a natureza. I ansim, seu Lê, a famia coopera cum argum valor, im moeda, i podi cume a quantidadi qui quisé, só num podi levá prá casa sinão perdi a graça. Com u valor simbólicu ieu compru ferramenta e ôtras coisa prá cuidá da horta i du pomar.
            - Ah! Entendi Nhô! E por falar em fruta, olha só o tamanho do pêssego que eu trouxe lá do carrinho do Carute. Empresta o seu canivete que eu vou cortá-lo no meio prá nós saboreá-lo.
            - Graudão iêi é mermu, mas dexa prá parti quandu nóis tivé dibaxu dos treis pé di pêsgu du sítiu. Iêis tão carregadim.
            Pouco mais de uma hora depois e, embaixo de um pessegueiro:
            - Nossa Nhô, como os pessegueiros estão carregados, e já tem muitos maduros.
            - É épuca, misifio! – falou o meu amigo pegando um pêssego maduro e continuou a falar:
            - Óia só esti qui apanhei; é a metadi du tamanhu du qui ôce troxe. Dê uma murdida nu qui ôce troxe i mastiga bem degavarzim prôce senti u paladar. Despois ôce porva esti daqui du sítiu.
            Fí-lo como mandado:
            - “Vixi” Nhô, depois de provar o do sítio o que eu trouxe parece que é feito de cera, sem gosto.
            - Pois é misifio, us daqui du sítiu é inguá au premeru pêsgu qui u criadô criô; já u qui ôce troxe foi milhorada a aparência pelas mão du homi. Ficou bunita, mais u gostu piorô.
            - O que o homem criou tem mais valor no mercado, amigo; neste caso a aparência leva vantagem.
            - Misifio, u homi nunca criô nada, tudo u qui exesti é inguá di quandu u Criadô criô. Podi si modificá, mais criá uma coisa nova u homi num tem, ainda, êssi podê.
            Nisso ouvimos o barulho de um veículo chegando, parando e buzinando no portão:
- São iêles qui chegaru, é a famia, seu Lê. Ieu vô lá incaminhá ieles i já vortu. Essa famila veiu para alugá um dus pé di jabuticaba.
- Tá bom, meu amigo, eu te aguardo.
            De longe eu via o quanto o Nhô é querido. A mulher do contratador de jabuticabeira trouxe um bolo para o meu amigo e ele, mesmo sem jeito, aceitou. Nhô encaminhou a família, mas os dois meninos já estavam trepados numa das árvores carregadas de jabuticabas maduras. O Nhô me chamou:
            - Seu Lê, vem mais ieu qui vou fazê um café prá nóis tomá c’êssi bolo de cenôra e chocolati! A genti aproveita prá proseá enquantu aguardamu u Kowauski. Iele mi falô qui viria hoji buscá us mantimentu qui ieu comprei prêli.
            - Kowauski? Quem é ele Nhô?
            - É um chujeito istranhu, devi di tê mais di dois metru i mêi di artura, tem uns braçu cumpridu qui vai inté prá baxu dos jueios. Iele num tem cor – é muitchu brancu -, usa uns ósculos de sordadô di sorda elétrica pruque a craridade atrapaia iele de inchergá. Iele num tem nenhum pêlu i nenhum fiu di cabelu. Iele incherga mais qui a genti, seu Lê; iele vê drentu da genti. Foi iele qui dissi prá Xerequéia, nu mêis passadu, qui iela tinha treis pedrão na visícula.
            - Nossa Nhô, e de onde ele veio qual a origem dele?
            - Iele num diz, só fala qui veiu di muitchu longe i qui tá percuranu um tipu di oru diferente na mina du Morru Véi. Acho qui já fêis issu uns onzi anos inhantes, pois fais exatamenti onzi anu qui ieu conheçu iele. As vêis iele somi i fica uns mêis sem aparecê, mais nus úrtimu onzi mêis, si mum mi faia a mimória, ilê vem todu mêis buscá mantimentu qui ieu compru prêli.
            - Interessante Nhô! Como o senhor nunca me falou dele? Como ele lhe paga as compras e o que ele pede para o senhor comprar?
            - Ieu nunca falei pruquê num achei importanti, mais comu ieu falei docê prêli , ieli qué ti conhecê. I vai sê hoji, despois das seis da tarde. Iele só mi percura despois dessi horário i fica aqui inté pur vorta das deiz hora, maiomenu i despois si pirulita, eh!eh!eh!
            O bolo de cenoura estava uma delícia e com o café maravilhoso, que é produzido no refúgio paradisíaco do Nhô, virou uma combinação divina.
            Quando estou em companhia do Nhô as horas voam e por volta das dezessete e trinta a família, da jabuticabeira, veio se despedir:
            - Senhor Nhô Antônio, nós não resistimos e comemos alguns pêssegos, também. Quanto lhe devemos? –falou a mãe da família.
            - Óia, misifia, u seu bolu di cenôra tava tão bão qui é ieu qui devu di ti pagá. Fica ansim, intão, u ditu pelu num ditu, tá bão? Eh!Eh!Eh!Eh!Eh!
            - Mas nós queremos pagar Nhô, o bolo foi um presente e... – o pai da família foi interrompido pelo meu amigo:
            - Ôces gostaru, si divertiru e ôceis apreciaru a natureza?
- Muito, mas muito mesmo, tio – falou alto Lorenzo um dos garotos.
            - É mesmo, tio, nós podemos voltar outro dia para pescar? – perguntou o menorzinho, o Enrico.
            - Mais é craru qui podi vortá a hora qui ôces quizé. Ieu num sô donu da natureza, só cuidu di iela. Ficu satisfitchu si gostaru!
            - Então até a próxima! A gente avisa antes Nhô – falou o chefe da família.
            - Intão, inté, intão!- a família feliz partiu e o Nhô me alertou:
            - Óia lá, misifio, u Kawauski já evêm lá pelus lados daqueli serru – falou apontando.
            - É, estou vendo Nhô – vi e pensei comigo: ¨Caramba, de longe, já é esquisito, imagino de perto!”
            Em dez minutos ele chegou e falou com voz grave, melodiosa e profunda, tipo baixo profundo:
            - Boa tarde Nhô,  boa tarde senhor...
            - Estiquei o braço e dei a mão em cumprimento e ele a dele:
            - Pode me chamar de Lê, o Nhô me falou de você; é um prazer conhecê-lo.
            - Se aprocheguem aqui prá pertu du fugão di lenha, Kowauski, tem café que fiz indagorinha e adoçadu cum rapadura qui eu façu; é das mesma qui ôce gosta di cume.
            - Obrigado Nhô, vou aceitar com muito gosto – disse o estranho.
            - Ouça Nhô, não vou poder demorar muito hoje; tenho que voltar o mais rápido possível e...
            - Tá bão, misifio, as suas compra tão naquela cáxa: rapadura, açúca, mé di abêia, us pexe salgadu, as lata di sardinha i di atum; só fartô us cincu quilu di aveia qui só vai chegá daqui uns treis dias nu armazém du Viêra.
            - Muito grato meu grande amigo. Aqui está o pagamento – disse o Kowauski colocando na mão do Nhô uma pedrinha amarela e brilhante e voltou-se para mim e perguntou:
            - Sr. Lê, conheces a Édila, aquela chinesinha que trabalha na secretaria da Basílica de Virtuália?
- Sim, conhecia! Você não deve de estar sabendo, já deve ter uns quatro ou cinco anos que ela morreu! Você a conheceu? De onde?
            - Sim, eu a conheci há quatro anos. Ela e eu, nós... eh! ...nós tivemos uma certa intimidade, porém tive que me ausentar por uns tempos; quando voltei não mais a vi e nem tive e nem procurei notícias – respondeu o estranho.
            - Ahhh! Agora ieu tô mi alembranu  daquéia chinesinha. Iela morreu nu partu du fiote deia. O julianu i u Beju adotaru u mininu. Essi mininu, despois, sumiu qui ninguém mais sôbi dêie! – lembrou-se o Nhô.
            - É uma lástima, a Édila era muito astuta, porém boa pessoa. - falou Kowauski e, continuou:
            - Tenho que ir senhores; tenho que arrumar muitas coisas antes de uma longa viagem! Nhô, daqui a cinco dias eu venho buscar a aveia, ok?
            - Conseguiu algum ouro, Kowauski? – perguntei só por curiosidade.
            - Pouco, muito pouco mesmo. Só consegui alguns gramas de ouro monoatômico, o que chamam de ORMES, que é o que preciso.  Existem traços de outros metais tais como: prata índio, gálio e zinco – explicou-me o estranho com muita convicção do que falava.
            Pensei comigo: “Por que será que ele procura o ouro monoatômico?”
            - Intão inté , misifio, os cincu quilu di aveia vai tá ti esperanu.
            - Foi um prazer conhecê-lo, Senhor Lê, até outra oportunidade.
            - Prazer Kowauski, até breve!
            Kowauski pegou os mantimentos da caixa, colocou numa mochila estranha e sumiu na escuridão.
            Naquela noite a mãe do ouro, que na realidade era algo parecido com uma bola incandescente, desceu numa velocidade incrível dos céus e quando chegou perto do topo da Serra Madre drasticamente reduziu a velocidade e a luminosidade apagou.
            - Ôce viu né seu Lê? Eh!Eh!Eh! – perguntou meu amigo.
            - Vi e só acredito que vi porque estou em sua companhia, Nhô.
            - Pois é, seu Lê, essi negóçu di mãe du oru exesti, mais istu é coisa di outru mundu, eh!eh!eh!
            - Tens razão, isso é coisa de gente inteligente, Nhô, podes crer.
            - Pois bem meu amigo, tenho que ir embora e daqui a três dias eu volto, quero falar com o Kowauski a respeito deste fato.
            - Mais seu Lê, já são quaji meia noite, , vai amanhã di manhã?
            - Nhô, sabemos que para nós não existe o tempo real - falei-lhe dando adeus e partindo.


... Continua na  Parte Final: A bola de fogo ...

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