sexta-feira, 26 de outubro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


  • ETevaldo volta para casa 

    ... CONTINUAÇÃO DA  Primeira parte: A mãe do ouro
Parte Final: A bola de fogo

Cinco dias se passaram depois desta última visita ao Nhô.
Por volta das quinze horas, no alpendre de sua casa, no terreno do CMV (Cemitério Municipal de Virtuália), Juliano fazia sua sesta:
         - Mamy... Papy, Etavaldo tá com fome, Mamy! – falava e balançava a rede de dormir do Juliano.
         - Ahhhhhhhhh! Beijoooooooo, socorro!  - era o Juliano levando o maior susto de sua vida.
         - O que foi Juju eu ... nooosssa quem é você? De onde você saiu? – perguntou o apavorado Beijo.
         - Eu sou Etevaldo! Etevaldo voltou prá casa! – respondeu.
         - Mas você está sem nenhum pêlo, nenhum cabelo e essas marcas no seu corpo... nossa como você cresceu - balbuciava Hibisco cujo apelido é Beijo.
         - Que roupa é essa? Parece que você foi cobaia de laboratório de filme americano? Olha só, Beijo, essas etiquetas estão todas em inglês!
         - É mesmo Juju, só dá para entender o número cinquenta e um, e esse “Top Secret” eu sei o que quer dizer! Onde será que essa criatura esteve?
         - Vamos levá-lo lá no Nhô Antônio, ele entende de todos os tipos de animais, ele vai ter uma raiz que cura isto. Deve de ser uma doença que ele conhece. Vamos lá agora! – disse Juju.
         - Vamos sim, e aproveitaremos esta ida para trazermos um dos cachorrinhos - poodle-toy - da ninhada que nasceu no sítio do Nhô.
         Em meia hora a Variant azul-cobalto, das portas cor de rosa, parou em frente ao refúgio do Nhô Antônio:
         - Nhô, Nhôôôôôôô, podemos entrar? - berrava Juliano.
         - Aprochegue, misifios, tô aqui na horta! – gritou o dono da casa.
         - Bom dia Nhô, o senhor está bem?
         - Istô ótimu, seu Julianu, u qui ôceis qué dessi nêgu véi?
         - Nosso pimpolho está de volta e parece-nos doente, o senhor pode dar uma olhada nele?
         - Mais é craru, quédi iele?
         - Tá escondido dentro do carro - disse Beijo.
         - Intão vão buscá u bichim prêu botá meus zóios niele, sô.
         - Deixa que eu busco Juju. - falou Beijo.
          Ao se aproximar do Nhô que estava de cócoras replantando uns pés de alface, Beijo disse:
         - Êi-lo, Nhô! Aqui está o Etevaldo!
O ancião virou-se e, mesmo se espantando, sorriu dizendo:
         - Mais zóia só u qui veju, eh!eh!eh!eh! Ôce é iguá quenem u meu amigu Kowauski, eh!eh!eh!eh!
         - Quem é esse Ko...Kowauski, Nhô? – perguntou Juju.
         - Iêle vai vim aqui já, vocês vão conhecê iele. Vamu intranu qui vô perpará um café com brôa prá nóis.·.
Depois de saborearem café com brôa, Nhô falou:
         - Óia, seu Julianu, êssi... êssi... essa criatura num tem nadica di nada, é a natureza déia sê ansim; iela só pegô muitchu sór na cacunda! Êssis vermeião vai saí quandu iele ficá discançanu na sombra. Essas marcas nus pursu , nus tornozelu i na testa... sei não... mais parece qui tava amarradu numa cama di hospitá! Eu achu ...   - nisto houve-se um barulho - um minutu, qui tá cheganu gente, ieu vô vê! – Nhô dirigiu-se à porta da sala, que estava aberta, e deparou com:
         - Boa tarde, Nhô! Vim buscar os cinco quilos de aveia; vim mais cedo e, na claridade do dia, porque hoje à noitinha vou partir e, desta vez, demorarei em voltar.
         - Bastardi Kowauski, vamu inté u varandão da cuzinha qui vô ti mostrá uma coisa. -  seguiram até lá e Nhô foi à dianteira e lá chegando:
         - Julianu i Beju, esti é u Kowauski!
         - Kowauski, Kowauski! – repetiu Etevaldo.
         - Boa tarde, senhores. Quem é essa criança, de onde ela veio? – perguntou Kowauski com voz firme e autoritária.
         - Esse é nosso filho, meu senhor, meu e do Beijo! - áspero falou o espantado Juliano.
         - Eh!Eh!Eh! Êssi é u fioti da chinezinha qui morreu nu partu dêie i essis mininus pegaru prá criá – antecipou o Nhô.
         O estranho retirou do cinturão do  macacão - que parecia confeccionado com um tipo de borracha - uma bola que começou a brilhar e ele pediu:
         - Olhem para esta esfera senhores! – ao falar isso um flash  se fez e...
         ...
         Já passava das vinte e duas horas, desse mesmo dia, e eu chamava por Nhô no portão e ninguém respondia e resolvi entrar.
         - O que é isso? Nhô, Juliano, Beijo, o que aconteceu com vocês? –os três estavam paralisados como que em transe e respiravam vagarosamente.
         De repente um zumbido agudo e persistente vinha de fora da casa. Saí para verificar o que era e vi uma enorme bola incandescente pairando às margens do Rio do Peixe. O brilho e o barulho agudo  aumentaram em muitos lumens e decibéis e a bola veio pairando até ficar encima da residência do Nhô, apagando e ascendendo o brilho, que parecia  código Morse – que eu conheço – e decifrei a palavra “adeus”.  Depois  ganhou velocidade e sumiu verticalmente rumo ao infinito em fração de segundo.
         - Seria a mãe do ouro? Seria uma nave extraterrestre? – pensei alto. Voltei à varanda da cozinha e os três estavam caídos no chão e aos poucos foram acordando.
         - O que houve aqui, Nhô? Porque vocês estavam em transe, Juliano, Beijo  vocês estão bem?
         - Nóis tamu bem seu Lê, mais ieu num sei u qui aconteceu aqui - falou o Nhô.
         - Nos vimos aqui buscar um filhote de poodle-toy que nasceu numa ninhada da cadelinha Lanna e, de repente, tudo ficou escuro e em silêncio. Não me lembro de nada. - disse Juliano.
         - Eu também não - acrescentou o Beijo.
         - De quem é esse macacãozinho caído ali no chão? Parece roupa de hospital militar - peguei nas mãos e exclamei:
         - De onde saiu esta roupa? Tem o número cinquenta e um, adesivo “Top Secret” e essas outras palavras em inglês devem ser código; será que é o que eu penso?
         - Eh!Eh!Eh! Tem coisa qui é mió num intendê, num é seu Lê?  Si é qui ôce mi intendi.
         - Claro que te entendo, Nhô e é melhor ficarmos  quietos!
         Juliano e Beijo pegaram o poodle-toy, o macacãozinho e voltaram para o CMV na Variant e eu fechei meus olhos e saí de Virtuália.
         - Lê, Lêêê, corre até aqui na varanda! - corri para ver o que afligia a Rô, minha patroa.
         - Olha – falava e apontava para o céu - aquela estrela cadente; já tem alguns minutos que cruza o céu.
         Ao firmar meus olhos naquele brilho ele diminuiu e aumentou a intensidade e depois sumiu na escuridão.
         - Não era estrela cadente, deve ser algum fenômeno que a gente ainda não conhece, Rô!
        
         


VIDA EM VIRTUÁLIA


ETevaldo volta para casa
Primeira parte: A mãe do ouro

            No sol, de onze em onze anos terrestre, acontecem os fenômenos das grandes explosões que lançam, de sua superfície, materiais incandescentes a mais de cento e sessenta  mil quilômetros de distância da coroa solar. Tais fenômenos, como já são comprovados pela ciência, interferem nas telecomunicações do nosso planeta. Parece que não é só com nossas telecomunicações que eles interferem, coincidência ou não, é nessa época que são relatados grande incidência de OVNIs ao redor do mundo. Em Virtuália, a incidência desses objetos é inacreditável; por isso estou nesta cidade.
            - Vou sentar-me à sombra daquele flamboyant florido na lateral da Praça Bispo- Cardeal; lá vou saber notícias, de hoje - através da Folha de Virtuália - sobre a mãe do ouro que, de onze em onze anos, desce do céu e fica escondida na Serra Madre na antiga mina, abandonada, do Morro Velho. Engraçado é que ninguém se atreve a ir até lá, pois julgam ser um lugar assombrado.
            Pensava e falava ao mesmo tempo enquanto me ajeitava no banco de madeira da praça. Em frente a este banco, do outro lado da rua, estava o seu Carute com seu carrinho de frutas:
            - Só vendo frutas frescas e boas! – sempre dizia ele, que ao me ver, acenou em cumprimento  com o pano que ele usa para polir as frutas “frescas”.
            Dei aquela aspirada do ar fresco e fui expirando lentamente e abrindo o jornal:
            - Dá licença meu senhor? – era um homem negro, com seus setenta anos, todo esfarrapado e, como eu disse que sim com o balançar positivo da minha cabeça, ele abriu um sorriso que não escondia a falta dos dois dentões frontais da arcada superior, e continuou a falar:
            - Bom dia, jovem senhor, poderias, por favor, inteirar o valor de três dinheiros para eu comprar um daqueles pêssegos importados do carrinho do Carute? Só faltam sessenta centavos e desde cedo que estou juntando para comprar e enganar a fome e satisfazer este pequeno desejo.
            - Não, não vou inteirar a quantia eu... – o homem me interrompeu:
            - Tudo bem, amigo, mesmo assim eu te agradeço e... – foi minha vez de interrompê-lo:
            - Calma “sô”, não vou completar a quantia, mas vou lá contigo comprar uma fruta  para você e outra  para mim; adoro pêssego.
            Levantei-me e fomos ao Carute. Comprei os pêssegos – os três maiores – e disse ao seu Biliato, este era o nome dele:
            - Escolha o seu – ele não titubeou e pegou o menor.
            Voltei para o banco e ao jornal.  Perto do flamboyant tinha uma torneira, que a PSV usa para molhar os jardins, e foi nela que o Biliato lavou o pêssego.
            - Quer que eu lave os seus? – perguntou-me.
            - Não, pode deixar. Eu só vou saboreá-los mais tarde, em companhia do meu amigo Nhô Antônio Benzedô.
            Biliato deu uma mordida na fruta com os dentes laterais e saiu andando e a uns três metros, quando foi dar a segunda mordida, foi interrompido:
            - Ô moço, “pelamordideus”, me deixa dar uma mordida nesse teu pêssego? Eu estou no sexto mês de gravidez e me bateu um desejo enorme e tem que ser nessa sua fruta, por favor!
            O maltrapilho estendeu a mão, com a fruta, à moça e esta deu uma abocanhada no pêssego e quis devolvê-lo ao Biliato que lhe disse:
            - Não, não minha filha, pode ficar com ele, pois estou satisfeito.
            - Ei, Bili – já me sentindo íntimo – venha cá, tome outro pêssego.
            Ele retornou e disse-me:
            - Obrigado senhor, mas esta não é para o Nhô Benzedô?
            - Ele vai ficar satisfeito quando lhe falar o que eu vi! Pode ficar com esta maior sem problemas.
            - Tá bom, obrigado. – Bili lavou a fruta, olhou para os lados e seguiu seu caminho.
            Voltei a ler o jornal e lá estava a manchete:
            “MÃE DO OURO CAIU ONTEM PELA SEGUNDA VEZ ESTE MÊS NA SERRA MADRE.”
            - Ótimo – pensei comigo – hoje à noite vou ficar acordado lá no refúgio do Nhô que, por sinal, fica quase aos pés da Serra Madre.
            Por meia hora ninguém notou ou perturbou-me até que, por volta das catorze horas:
            - Olhá só se não é o seu Lê?- era o Paulinho Goró que brincou comigo:
            - Aposto que vai lá visitar o Nhô Antônio, estou certo?
            - Olá, grande Paulo de Paulli, como tem passado? – cumprimentei-o e continuou o diálogo:
            - Vou bem! Escuta seu Lê, o Nhô foi ao HPSV visitar a Xerequéia que operou, na semana passada, de pedras na vesícula; ela sai amanhã do hospital. E por falar no Nhô, lá vem ele com aquele andar dez pras duas, ah!ah!ah!
            Realmente era o meu outro amigo que vinha com seu andar vagaroso, mas firme e  compassado. Ao nos ver acelerou a caminhada em nossa direção:
            - Oi, misifio, qui prazerão vê ôces. Comu qui vai patrão Lê?
            - Vou bem meu grande amigo. Vejo que estás ótimo. E a nossa amiga Xerequéia, como está?
            - Iéla é forti i já tá impaciente nu hospitá, mais aminhã iéla si pirulita di lá, Eh!Eh!Eh!Eh! Já tá boa prá ôtra. – falou o Nhô sorrindo e prosseguiu:
            - Sabi a Mariona, seu Lê, iéla tá na mesma infermaria da nossa amiga. Iéla foi atrupelada, pruque tava bebinha, pr’uma carroça desimbestada i quebrô as perna i ieu vi um fatu curiosu.
            - Conta aí Nhô, o que foi? – perguntei-lhe.
            - Inhantes de ieu saí duHPSV dois pastô entraru lá na enfermaria i viu a Mariona na cama c’as perna ingessada i pindurada i, comu iéla tava muitchu triste ieles foru diretu ni iela i começaru a falá:
            - Ô fia di Deuso, num fiqui tão tristonha qui tudu vai miorá. Vamu orá prôce, já qui si sente tão só nessi mundu. Óri c’a genti, mais inhantes fala prá nóis: - Ôce tem argum parenti na face dessa Terra? – a Mariona oiô fêi prêles i dissi com sua vóis grossa:
            - Tenho sim seus porquera, a minha muié vai vim mi visitá hoji di noitinha. Vão vazanu qui a minha amanti tá prá chegá.
            - Eh!Eh!Eh! Seu Lê, us pastô levantaru as mãos i falaru rapidim e artu:
            - Vai di retu Satanáis! – i sairu correnu da infermaria.
            - Ah!Ah!Ah! Santa discriminação, Nhô.
            - É verdade seu Lê– completou o Paulinho Goró.
            -Ôce vêi vê a “mãe du oru”, misifio? – indagou-me o Nhô.
            - Vim sim, meu amigo. No jornal de hoje diz que ela desceu na mina do Morro Velho e que na noite de hoje para amanhã ela, talvez, vai embora. É verdade Nhô?
            - Ieu vi iéla descê onti di noiti i é bem porvavi qui hoje iéla vorta prô espaçu. Vamu lá prá casa, seu Lê, qui daqui a poco vai uns pessoá lá alugá pé di fruta.
             - Como assim, Nhô, “alugar pé de frutas”?
             - Vamu andanu até minha carroça qui tá parada lá pertu do armazém du Viêra, du ladu da gráfica do Salzanu, u donu da Foia di Virtuáia.
            A carroça do Nhô é das antigas, porém conservada e, quem a traciona, é o Batencur um pangaré – bem tratado – que está com o Nhô já tem vários anos.
            São quase duas léguas até o refúgio do meu amigo. Refúgio é a maneira de dizer porque lá é a antessala do paraíso.
Quando saímos do perímetro urbano, onde o barulho das rodas da carroça com os paralelepípedos das ruas não nos deixávamos conversar direito eu tornei a  perguntei ao meu amigo:
            - Alugar pés de frutas? O que quer dizer isso, Nhô?
            - Lá nu meu sitiu tenhu tudu qui é tipu de pranta frutífera i, comu a malhoria foi prantada pelas mão du Criadô, ieu num vendu. Comu, dô prôs amigu, pras criação i, ainda, alugu os pé para as famías qui qué trazê os fios prá cume furta  coídas na hora i ficá im contadu c’a natureza. I ansim, seu Lê, a famia coopera cum argum valor, im moeda, i podi cume a quantidadi qui quisé, só num podi levá prá casa sinão perdi a graça. Com u valor simbólicu ieu compru ferramenta e ôtras coisa prá cuidá da horta i du pomar.
            - Ah! Entendi Nhô! E por falar em fruta, olha só o tamanho do pêssego que eu trouxe lá do carrinho do Carute. Empresta o seu canivete que eu vou cortá-lo no meio prá nós saboreá-lo.
            - Graudão iêi é mermu, mas dexa prá parti quandu nóis tivé dibaxu dos treis pé di pêsgu du sítiu. Iêis tão carregadim.
            Pouco mais de uma hora depois e, embaixo de um pessegueiro:
            - Nossa Nhô, como os pessegueiros estão carregados, e já tem muitos maduros.
            - É épuca, misifio! – falou o meu amigo pegando um pêssego maduro e continuou a falar:
            - Óia só esti qui apanhei; é a metadi du tamanhu du qui ôce troxe. Dê uma murdida nu qui ôce troxe i mastiga bem degavarzim prôce senti u paladar. Despois ôce porva esti daqui du sítiu.
            Fí-lo como mandado:
            - “Vixi” Nhô, depois de provar o do sítio o que eu trouxe parece que é feito de cera, sem gosto.
            - Pois é misifio, us daqui du sítiu é inguá au premeru pêsgu qui u criadô criô; já u qui ôce troxe foi milhorada a aparência pelas mão du homi. Ficou bunita, mais u gostu piorô.
            - O que o homem criou tem mais valor no mercado, amigo; neste caso a aparência leva vantagem.
            - Misifio, u homi nunca criô nada, tudo u qui exesti é inguá di quandu u Criadô criô. Podi si modificá, mais criá uma coisa nova u homi num tem, ainda, êssi podê.
            Nisso ouvimos o barulho de um veículo chegando, parando e buzinando no portão:
- São iêles qui chegaru, é a famia, seu Lê. Ieu vô lá incaminhá ieles i já vortu. Essa famila veiu para alugá um dus pé di jabuticaba.
- Tá bom, meu amigo, eu te aguardo.
            De longe eu via o quanto o Nhô é querido. A mulher do contratador de jabuticabeira trouxe um bolo para o meu amigo e ele, mesmo sem jeito, aceitou. Nhô encaminhou a família, mas os dois meninos já estavam trepados numa das árvores carregadas de jabuticabas maduras. O Nhô me chamou:
            - Seu Lê, vem mais ieu qui vou fazê um café prá nóis tomá c’êssi bolo de cenôra e chocolati! A genti aproveita prá proseá enquantu aguardamu u Kowauski. Iele mi falô qui viria hoji buscá us mantimentu qui ieu comprei prêli.
            - Kowauski? Quem é ele Nhô?
            - É um chujeito istranhu, devi di tê mais di dois metru i mêi di artura, tem uns braçu cumpridu qui vai inté prá baxu dos jueios. Iele num tem cor – é muitchu brancu -, usa uns ósculos de sordadô di sorda elétrica pruque a craridade atrapaia iele de inchergá. Iele num tem nenhum pêlu i nenhum fiu di cabelu. Iele incherga mais qui a genti, seu Lê; iele vê drentu da genti. Foi iele qui dissi prá Xerequéia, nu mêis passadu, qui iela tinha treis pedrão na visícula.
            - Nossa Nhô, e de onde ele veio qual a origem dele?
            - Iele num diz, só fala qui veiu di muitchu longe i qui tá percuranu um tipu di oru diferente na mina du Morru Véi. Acho qui já fêis issu uns onzi anos inhantes, pois fais exatamenti onzi anu qui ieu conheçu iele. As vêis iele somi i fica uns mêis sem aparecê, mais nus úrtimu onzi mêis, si mum mi faia a mimória, ilê vem todu mêis buscá mantimentu qui ieu compru prêli.
            - Interessante Nhô! Como o senhor nunca me falou dele? Como ele lhe paga as compras e o que ele pede para o senhor comprar?
            - Ieu nunca falei pruquê num achei importanti, mais comu ieu falei docê prêli , ieli qué ti conhecê. I vai sê hoji, despois das seis da tarde. Iele só mi percura despois dessi horário i fica aqui inté pur vorta das deiz hora, maiomenu i despois si pirulita, eh!eh!eh!
            O bolo de cenoura estava uma delícia e com o café maravilhoso, que é produzido no refúgio paradisíaco do Nhô, virou uma combinação divina.
            Quando estou em companhia do Nhô as horas voam e por volta das dezessete e trinta a família, da jabuticabeira, veio se despedir:
            - Senhor Nhô Antônio, nós não resistimos e comemos alguns pêssegos, também. Quanto lhe devemos? –falou a mãe da família.
            - Óia, misifia, u seu bolu di cenôra tava tão bão qui é ieu qui devu di ti pagá. Fica ansim, intão, u ditu pelu num ditu, tá bão? Eh!Eh!Eh!Eh!Eh!
            - Mas nós queremos pagar Nhô, o bolo foi um presente e... – o pai da família foi interrompido pelo meu amigo:
            - Ôces gostaru, si divertiru e ôceis apreciaru a natureza?
- Muito, mas muito mesmo, tio – falou alto Lorenzo um dos garotos.
            - É mesmo, tio, nós podemos voltar outro dia para pescar? – perguntou o menorzinho, o Enrico.
            - Mais é craru qui podi vortá a hora qui ôces quizé. Ieu num sô donu da natureza, só cuidu di iela. Ficu satisfitchu si gostaru!
            - Então até a próxima! A gente avisa antes Nhô – falou o chefe da família.
            - Intão, inté, intão!- a família feliz partiu e o Nhô me alertou:
            - Óia lá, misifio, u Kawauski já evêm lá pelus lados daqueli serru – falou apontando.
            - É, estou vendo Nhô – vi e pensei comigo: ¨Caramba, de longe, já é esquisito, imagino de perto!”
            Em dez minutos ele chegou e falou com voz grave, melodiosa e profunda, tipo baixo profundo:
            - Boa tarde Nhô,  boa tarde senhor...
            - Estiquei o braço e dei a mão em cumprimento e ele a dele:
            - Pode me chamar de Lê, o Nhô me falou de você; é um prazer conhecê-lo.
            - Se aprocheguem aqui prá pertu du fugão di lenha, Kowauski, tem café que fiz indagorinha e adoçadu cum rapadura qui eu façu; é das mesma qui ôce gosta di cume.
            - Obrigado Nhô, vou aceitar com muito gosto – disse o estranho.
            - Ouça Nhô, não vou poder demorar muito hoje; tenho que voltar o mais rápido possível e...
            - Tá bão, misifio, as suas compra tão naquela cáxa: rapadura, açúca, mé di abêia, us pexe salgadu, as lata di sardinha i di atum; só fartô us cincu quilu di aveia qui só vai chegá daqui uns treis dias nu armazém du Viêra.
            - Muito grato meu grande amigo. Aqui está o pagamento – disse o Kowauski colocando na mão do Nhô uma pedrinha amarela e brilhante e voltou-se para mim e perguntou:
            - Sr. Lê, conheces a Édila, aquela chinesinha que trabalha na secretaria da Basílica de Virtuália?
- Sim, conhecia! Você não deve de estar sabendo, já deve ter uns quatro ou cinco anos que ela morreu! Você a conheceu? De onde?
            - Sim, eu a conheci há quatro anos. Ela e eu, nós... eh! ...nós tivemos uma certa intimidade, porém tive que me ausentar por uns tempos; quando voltei não mais a vi e nem tive e nem procurei notícias – respondeu o estranho.
            - Ahhh! Agora ieu tô mi alembranu  daquéia chinesinha. Iela morreu nu partu du fiote deia. O julianu i u Beju adotaru u mininu. Essi mininu, despois, sumiu qui ninguém mais sôbi dêie! – lembrou-se o Nhô.
            - É uma lástima, a Édila era muito astuta, porém boa pessoa. - falou Kowauski e, continuou:
            - Tenho que ir senhores; tenho que arrumar muitas coisas antes de uma longa viagem! Nhô, daqui a cinco dias eu venho buscar a aveia, ok?
            - Conseguiu algum ouro, Kowauski? – perguntei só por curiosidade.
            - Pouco, muito pouco mesmo. Só consegui alguns gramas de ouro monoatômico, o que chamam de ORMES, que é o que preciso.  Existem traços de outros metais tais como: prata índio, gálio e zinco – explicou-me o estranho com muita convicção do que falava.
            Pensei comigo: “Por que será que ele procura o ouro monoatômico?”
            - Intão inté , misifio, os cincu quilu di aveia vai tá ti esperanu.
            - Foi um prazer conhecê-lo, Senhor Lê, até outra oportunidade.
            - Prazer Kowauski, até breve!
            Kowauski pegou os mantimentos da caixa, colocou numa mochila estranha e sumiu na escuridão.
            Naquela noite a mãe do ouro, que na realidade era algo parecido com uma bola incandescente, desceu numa velocidade incrível dos céus e quando chegou perto do topo da Serra Madre drasticamente reduziu a velocidade e a luminosidade apagou.
            - Ôce viu né seu Lê? Eh!Eh!Eh! – perguntou meu amigo.
            - Vi e só acredito que vi porque estou em sua companhia, Nhô.
            - Pois é, seu Lê, essi negóçu di mãe du oru exesti, mais istu é coisa di outru mundu, eh!eh!eh!
            - Tens razão, isso é coisa de gente inteligente, Nhô, podes crer.
            - Pois bem meu amigo, tenho que ir embora e daqui a três dias eu volto, quero falar com o Kowauski a respeito deste fato.
            - Mais seu Lê, já são quaji meia noite, , vai amanhã di manhã?
            - Nhô, sabemos que para nós não existe o tempo real - falei-lhe dando adeus e partindo.


... Continua na  Parte Final: A bola de fogo ...

sábado, 20 de outubro de 2012

VIDA EM FAMÍLIA


Racionais e Irracionais
            Certa época morávamos no interior do Rio Grande do Sul e, lá em casa, existiram três gatos de estimação diferentes: um preto-liso, um branco e preto – tipo vaca malhada – e uma gatinha semi-persa, - bege e peluda.
            Todos chegavam pela manhã, comiam a porção de ração de cada qual e sumiam pelo quintal arborizado em busca de seus cantinhos de dormir. Chibinha, a mestiça, era a exceção; ficava embaixo do tradicional fogão à lenha que foi fabricado e, muito bem feito, em chapas de aço, - era um Venax. A gatinha estava tão preguiçosa que resolveu fazer suas necessidades fisiológicas dentro de casa, no quartinho de costura e do lado da herança deixado pela minha bisavó materna: - uma antiquíssima máquina de costura Singer.
            Minha mãe, sempre paciente com os bichanos, perdeu a estribeira, paciência e outros controles emocionais, pegou uma vassoura, uma vasilha com água e partiu para cima do animalzinho:
            - Gata porca... eu te trato como a uma filha e é assim que me pagas? – falou e começou a correr atrás da gata dentro de casa; antes ela havia fechado toda a residência para a gata não fugir. Eu estava na sala lendo a revista Placar do bicampeonato do Inter, pela enésima vez, e prestava, também, atenção em tudo.
            A gatinha corria para lá e para cá e minha mãe atrás com a vassoura e a água. Chibinha esturrava, rosnava e levantava, às vezes, as patas dianteiras para, quem sabe, se defender.
            Num certo momento a gatinha ficou encantoada; não tinha para onde fugir. Tinha-lhe dois recursos: um era pular na cabeça da Dona Rosa arranhá-la e fugir e, a outra, era ficar quieta e receber o castigo.
            Chibinha olhou para a minha mãe, deu um miado triste, ficou encolhidinha e minha mãe jogou-lhe metade da água da vasilha na carinha bege do animalzinho. A gatinha não reagiu. Piscou, para expelir a água que entrara nos olhos e voltou a, simplesmente, olhar para minha mãe como que querendo dizer:
            - Pode continuar a judiar!
            Minha mãe parou tudo, abraçou a gatinha, carinhosamente e com os olhos mais molhados do que a gatinha disse:
           - Ah! Meu Deus, o que estou fazendo? Quem é o irracional aqui?

VIDA EM FAMÍLIA


Salada de Rabanetes
            - Lê, você pediu salada de rabanetes e pepino japonês no almoço de hoje, não pediu? – perguntou-me a Rô– minha patroa – na porta da garagem onde eu me preparava para sair de carro.
         - Sim! Já sei: - Não comprei! Vou à quitanda buscar, rapidinho!
         Saí troteando  e uma nuvem enorme, em formato parecido com uma explosão nuclear, chamou-me a atenção lá longe no horizonte. Distrai-me e pisei numa poça d’água que tinha na calçada, em frente ao restaurante, onde acabaram de fazer a limpeza da parte da  manhã.
         - Mas que droga! Logo hoje que vou participar de uma licitação com a prefeitura? – olhei no meu relógio de pulso e raciocinei:
         - Ainda faltam duas horas para a reunião e terei tempo de ir até lá no Graxaim para engraxar estes meus sapatos! – e foi o que fiz, logo após pegar o molho de rabanetes na quitanda, já que o pepino japonês tinha na geladeira de casa.
         - “Se assenta” na cadeira, seu Lê, será meu primeiro freguês de hoje e já vi que terei sorte, Eh! Eh! Eh! – disse-me o engraxate com sua costumeira e risonha simpatia e prosseguiu:
         - Tome este gibi e vai se distraindo enquanto faço meu serviço, seu Lê; eu sei que o senhor gosta!
         Peguei a conservada revista-em-quadrinhos e vi a data: Novembro de 1.952 e pensei:
         - Caramba, este gibi de Tarzan tem a minha idade e eu não tenho na minha coleção, falta só ele: o número dezessete, da primeira série! – comecei a ler já pensando em comprá-lo do Graxaim.
         Do lado, da cadeira de engraxate, tem uma loja de presentes finos e de lá saiu uma senhora que chamava a atenção com seus traços nórdicos, muito bonita e bem trajada e, vi quando ela passou perto onde a velha e esfarrapada Lia Polaca fazia ponto de mendicância:
         - Ô minha filha, “me” dê uns trocados para eu tomar um café?- “implorou” a velha.
         - Não, eu não tenho trocado! – falou asperamente a sisuda beldade.
         - Tome, minha boa velha! São trocados suficientes para seu café e seu almoço de hoje! – disse um representante fiel da mais pura raça africana, entregando-lhe uns “caraminguás”.
         - Obrigada, escurinho, que Deus lhe pague! – disse a velha pedinte com cara de quem achou pouco  e depois falou alto para a senhora bem vestida, cuja vestimenta combinava com a cútis, extremamente branca, e que se preparava para dar partida no seu SUV importado:
         - Está vendo, branquela granfina, ali vai um preto de alma branca!
         Olhei indignado para a velha mendiga, para a ricaça e para o afrodescendente que deu um sorriso amarelo e, foi o Graxaim que interrompeu o que eu ia começar a falar:
         - Pronto seu Lê, tá novo; são só cinco “pratas”!
         - Quanto você quer por este gibi? – perguntei.
         - Não é nada não, meu amigo, pode levar prôce! Ele é muito velho e não vale nada!
         - Vale sim, meu amigo, tome sessenta “pratas” pelo serviço e o gibi!
         - Obrigado seu Lê! Não falei que hoje eu teria sorte?
         Os rabanetes, a poça d`água, o engraxate, a ricaça, a mendiga, o afrodescendente e a coincidência de encontrar o gibi do Tarzan número dezessete de novembro de 1.952, que eu procurava há cinquenta anos, e a engraxada de sessenta “pratas” do Graxaim:
         - É - enchendo o peito de ar falei - meu amigo Graxaim, sorte mesmo! Nossa sorte!

sábado, 13 de outubro de 2012

VIDA EM VIRTUÁLIA


O Poodle
            Dona Carmen Ferreira, nos seus quase dois metros de altura e com mais de cem quilos, andava melancólica. Sua cachorrinha, amiga de solteirice e, que animava sua vida de quase sessenta anos, faleceu.
         Ela procurava alguma outra para ocupar a lacuna deixada.
         Certo dia, pelo início da manhã, na feira do bairro:
         - Oi, mana, bom dia! Eu fiquei sabendo da morte da Laika! - este era o nome da poodle.
         Era o Jonas, um dos seus quatro irmãos. Era dois anos mais novo e também o menor de todos; não passava de pouco mais de um metro e meio de altura, porém, era extremamente nervoso e tinha uma brabeza incorrigível. Falava alto e gostava de chamar a atenção.
         - Oi, mano! Pois é... mas, estou procurando outro animalzinho para me fazer companhia!
         - Foi bom eu te encontrar, mana. Meu vizinho tem uma poodle que teve cria há um mês e está dando os filhotinhos. Vamos lá agora pegar um para você! - disse o Jonas à irmã.
         - Vamos sim!
         E lá foram os dois “papeando”. Jonas e o amigo  moravam na mesma rua da feira livre, perto da praça Bispo-Cardeal. Chegando defronte a residência o Jonas meteu o dedo na campainha e gritou em plenas sete horas da manhã:
         - Ei Dinho, cadê você!
         - Só podia ser o baixinho, marrento e mais invocado que se tem notícia! Fale o que quer? Oi Carmen, tudo bem? - era o Dinho.
-  Bom dia! Tudo bem, Dinho! E a sua turma lá na E. M. Dona Bela Bispo-Cardeal?
         - É muito boa e atenciosa!Vale à pena ser professor daquela turma!
Dinho e Carmem já foram colegas de profissão na mesma escola, mas, Carmen, agora, é aposentada.
         - Ô Dinho, vamos logo ao que interessa. Você já deu os cachorrinhos que nasceram? - perguntou Jonas impaciente.
         - Dei não, eu os vendi a uma loja de animais! O dono virá buscá-los hoje à tarde. Mas ficou um que eles não quiseram. Entrem vamos vê-lo!
         Chegando ao fundo do quintal, num cercadinho, lá estavam quatro poodles grandes dormindo. A mãe deles não estava no local e, quando se aproximaram do gradil um poodle bem pequeno, mirradinho mesmo, danou a latir sem parar que doíam os ouvidos e, avançando nas paredes do cercado. Os outros, grandões, só levantaram a cabeça para ver o que acontecia e voltaram ao sono.
         - Só sobrou este pequeno, mirrado, barulhento e invocado. Este, não quiseram comprar e, aliás, ninguém quer! Disse o Dinho.
         -Ah! Ah!ah!ah!ahhh!ah!...desatou a gargalhar a Dona Carmen.
         - Que é isso mana, tá doida?
       - Não, Jonas é que este cachorrinho me lembrou de alguém que conheço desde pequenininho! – e continuou a gargalhar só que em duo com o Dinho.
         Dona Carmen arrumara outro amiguinho.

Fábula:
         “Os animais pequenos e fracos são, quase sempre, os mais invocados e barulhentos, são assim, para se destacarem da ninhada e durante toda a vida.” - Lefus.