Peripécias de
MOLEQUES
CAPÍTULO IV
“MEU AMIGO VALERIANO”
“O Valeriano era dois anos mais velho do que eu, beirava os quinze anos. Era um tipo comprido, magro e metido a zagueiro central, quando jogávamos futebol. Num joguinho qualquer da turma, este meu amigo queria ser o destaque; quando a bola era cruzada pelo adversário, da linha de fundo, ele pulava com todo o estilo de um Belini - um dos melhores zagueiros que já passou pela seleção brasileira -, e cabeceava a bola para o ataque. Certa vez ele foi passar as férias de julho na fazenda do pai dele e lá havia, perto do campo de futebol, uma cancha de bocha.”
- Bocha, o que é isso, pai?
-Vou explicar Thiago: bocha é um tipo de jogo onde as equipes podem ser um contra um, com quatro bochas para cada jogador; dois contra dois, com duas bochas para cada jogador ou três contra três, com duas bochas para cada jogador. As bochas eram esféricas e de madeira com uns dez centímetros de diâmetro e pesava mais ou menos um quilo cada. As equipes usam cores diferentes. O intuito é aproximar as bochas o mais possível de uma bolinha de ferro de, mais ou menos, quatro centímetros. Na fazenda e região era chamada de Chico.
- Entendido, pai, continue!
- Ok, Thiago...
“No dia em que ele chegou lá na fazenda, era domingo de manhã, por volta das dez horas e iria ter uma partida de futebol contra o time da fazenda vizinha. Tudo estava animado desde cedo. Na cancha de bocha um dos primos do Valeriano, vendo-o, pegou uma das bolas de madeira, de cor laranja, igual à cor de uma bola de futebol, da época, com a qual estava jogando bocha e gritou:
- Ei, becão, mata esta no peito – falou isso e soltou a bola no rumo do meu amigo.
Porém, ela tinha sido arremessada alta demais e o Valeriano, sorrindo inocentemente e com seu costumeiro estilo, pulou alto e deu de testa bem no meio da bola. Do jeito que ele subiu, caiu, durinho, para frente. A correria foi geral; não teve futebol nem férias para o meu amigo, coitado. Até hoje ele tem sequela daquele lance.”
- Eu ficava sempre triste quando saia da presença do meu amigo Valeriano – falou meu pai com tristeza no semblante.
“Já na rua, rumando para minha casa, alguém gritou:
- Lê, ei Lê – era o Ciro, meu melhor amigo, e que há pouco tempo tinha sido expulso do grupo escolar. Melhor falando, a diretora do grupo forçou a transferência dele para a escola do bairro vizinho, por ter dado um susto numa professora que estava grávida.”
- Nossa pai, que moleque ruim! Como foi – perguntou o Felipe.
- Foi assim: a professora titular da turma do Ciro era uma loirinha, bonita e muito nova, tinha se formado há poucos anos em magistério. Ela pediu transferência para a capital a fim de estudar letras. O sonho dela era ser professora de português e inglês. Ela havia conseguido e, na data anterior às provas, ela despediu-se e foi embora. Ficou no lugar dela, como provisória, Dona Glória conhecida pelos estudantes como uma estúpida e de péssimo humor.
No dia das provas o Ciro chegou cedo ao prédio da escola. Subiu no telhado e passou um fio de linha de pescar – náilon – que dava em cima da mesa da professora; desceu do telhado, entrou na sala vazia, puxou a linha e amarrou nela uma tarântula de plástico que era igualzinha a uma aranha de verdade. Voltou para cima do telhado e puxou a linha até o ‘aracnídeo’ ficar colado no teto que, por sinal, era pintado de azul contrastando, horrivelmente, com as paredes que eram bege claro.
Ele não foi à aula , lógico. Quando a turma já estava na sala e concentrada fazendo a prova, ele soltou a linha e a aranha foi descendo e parou na frente do rosto da professora. Ela deu um grito e desmaiou. A criançada saiu correndo da sala; foi uma baderna generalizada. O Ciro, que também assustou com o grito da professora, se desequilibrou e caiu do telhado. Não teve como fugir, pois ele tinha deslocado a clavícula esquerda.
A Dona Glória foi parar no pronto socorro e só voltou ao grupo dois dias depois. Foi só susto; nada de mal aconteceu com ela e o bebê, para a sorte do Ciro. A diretora, Dona Amélia foi quem aplicou as provas no dia seguinte, sem a presença do Ciro.
- Caramba pai, o senhor era um anjo perto desse Ciro – exclamei de pronto.
- Era mesmo, Thiago!
“- O que você quer Ciro, por que me chamou, tem gibis para trocar?
- Tenho, mas deixa para depois! Sabe aqueles pés de carambolas do quintal da casa do Zé Mário?
- Sei! O que é que tem – respondi, perguntando.
- Eles estão carregadinhos e quase todas os frutos estão no ponto!
- É, mas o seu Zé Mário não dá nenhuma fruta para ninguém. É um unha de fome e encrenqueiro, desista!
- Eu sei, eu sei, mas nós não vamos pedir, nós vamos é pegar – disse Ciro.
- Tá louco, sô! Ele tem dois baita cachorros bravos e só de ouvir voz de moleque eles já latem!
-Isso eu, também, já sei e tive uma ideia! Preste atenção: - A cadela lá de casa está no cio e meu pai a prendeu em casa; ela está desesperada, coitada. Vou pegar os panos que ela urinou em cima e jogá-los para os cachorros do seu Zé Mário. Eles vão cheirar e ficarão desorientados, entendeu?
- Acho que mais ou menos; mas se você acha que vai dar certo, eu topo. Como vou ajudar?
Você vai tocar a campainha da casa dele e pedir umas carambolas; ele não vai dar e você puxa qualquer assunto, ou seja, fala de futebol, gibis, etc, entendeu?
- Entendi, quando vamos agir – perguntei.
- Agora mesmo! Vamos passar lá em casa, que é caminho, e pegar os panos mijados da Dalila.
Cerca de quinze minutos depois apertei a campainha da porta do seu Zé Mário e vi o Ciro jogando os panos por cima do muro do quintal da casa. Os cachorros ficaram quietos e ele pulou o muro com uma sacola na mão.
- Que é que você quer menino – perguntou –me o dono da casa ao abrir a porta.
- Seu Zé, será que o senhor me dá umas carambolas maduras que estão caídas embaixo dos pés, no chão?
Nisso ouvimos os cachorros rosnando e meu amigo Ciro gritando e o seu Zé falou:
- Entra e vamos ver quem é o maluco que pulou o muro do meu quintal!
O Ciro estava encurralado pelos cães e seu Zé gritou:
- Passa fora Laika; sai Princesa! Não eram cães machos , eram cadelas e o cheiro de cio no pano as deixaram mais nervosas ainda. A Laika baixou a cabeça e saiu, mas a Princesa mordeu a perna do Ciro.
Seu Zé Mário ficou aflito e pediu para eu ir até a casa do Ciro e chamar a mãe dele.
Coitado do Ciro foi para o pronto socorro e levou um monte de injeção por causa da mordida da Princesa. Eu saí da casa do seu Zé Mário com uma sacola cheia de carambolas.
Mais tarde eu fui até a casa do Ciro levar a metade das carambolas que tínhamos ganhado e contei a novidade para ele:
- Sabe Ciro, o seu Zé Mário tem um monte de gibis antigos; ele gosta tanto de gibis que convidou eu e você para trocar nossos gibis com ele!
- Só se for daqui uma semana, Lê! Eu estou de castigo – resmungou o meu amigo mordendo uma carambola, mesmo, sem lavá-la. Mas, tão logo ele saiu do castigo aprontou outra das dele.”
- Como pai, conta aí – pediu o Felipe.
- Pois bem...
Continua no
capítulo V:
A VINGANÇA DO CIRO
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