sábado, 29 de dezembro de 2012

PROJETO DE UM LIVRO - CAP.: IV




Peripécias de 
MOLEQUES

CAPÍTULO  IV

MEU AMIGO VALERIANO



“O Valeriano era dois anos mais velho do que eu, beirava os quinze anos. Era um tipo comprido, magro e metido a zagueiro central, quando jogávamos futebol. Num joguinho qualquer da turma, este meu amigo queria ser o destaque; quando a bola era cruzada pelo adversário, da linha de fundo, ele pulava com todo o estilo de um Belini - um dos melhores zagueiros que já passou pela seleção brasileira -, e cabeceava a bola para o ataque. Certa vez ele foi passar as férias de julho na fazenda do pai dele e lá havia, perto do campo de futebol, uma cancha de bocha.”

            - Bocha, o que é isso, pai?
         -Vou explicar Thiago: bocha é um tipo de jogo onde as equipes podem ser um contra um, com quatro bochas para cada jogador; dois contra dois, com duas bochas para cada jogador ou três contra três, com duas bochas para cada jogador. As bochas eram esféricas e de madeira com uns dez centímetros de diâmetro e pesava mais ou menos um quilo cada. As equipes usam cores diferentes. O intuito é aproximar as bochas o mais possível de uma bolinha de ferro de, mais ou menos, quatro centímetros. Na fazenda e região era chamada de Chico.
         - Entendido, pai, continue!
         - Ok, Thiago...

            “No dia em que ele chegou lá na fazenda, era domingo de manhã, por volta das dez horas e iria ter uma partida de futebol contra o time da fazenda vizinha. Tudo estava animado desde cedo. Na cancha de bocha um dos primos do Valeriano, vendo-o, pegou uma das bolas de madeira, de cor laranja, igual à cor de uma bola de futebol, da época, com a qual estava jogando bocha e gritou:
            - Ei, becão, mata esta no peito – falou isso e soltou a bola no rumo do meu amigo.
            Porém, ela tinha sido arremessada alta demais e o Valeriano, sorrindo inocentemente e com seu costumeiro estilo, pulou alto e deu de testa bem no meio da bola. Do jeito que ele subiu, caiu, durinho, para frente.  A correria foi geral; não teve futebol nem férias para o meu amigo, coitado. Até hoje ele tem sequela daquele lance.”

            - Eu ficava sempre triste quando saia da presença do meu amigo Valeriano – falou meu pai com tristeza no semblante.

            “Já na rua, rumando para minha casa, alguém gritou:
            - Lê, ei Lê – era o Ciro, meu melhor amigo, e que há pouco tempo tinha sido expulso do grupo escolar. Melhor falando, a diretora do grupo forçou a transferência dele para a escola do bairro vizinho, por ter dado um susto numa professora que estava grávida.”

            - Nossa pai, que moleque ruim! Como foi – perguntou o Felipe.
         - Foi assim: a professora titular da turma do Ciro era uma loirinha, bonita e muito nova, tinha se formado há poucos anos em magistério. Ela pediu transferência para a capital a fim de estudar letras. O sonho dela era ser professora de português e inglês. Ela havia conseguido e, na data anterior  às provas, ela despediu-se e foi embora. Ficou no lugar dela, como provisória, Dona Glória conhecida pelos estudantes como uma estúpida e de péssimo humor.
         No dia das provas o Ciro chegou cedo ao prédio da escola. Subiu no telhado e passou um fio de linha de pescar – náilon – que dava em cima da mesa da professora; desceu do telhado, entrou na sala vazia, puxou a linha e amarrou nela uma tarântula de plástico que era igualzinha a uma aranha de verdade. Voltou para cima do telhado e puxou a linha até o ‘aracnídeo’ ficar colado no teto que, por sinal, era pintado de azul contrastando, horrivelmente, com as paredes que eram bege claro.
            Ele não foi  à aula , lógico. Quando a turma já estava na sala e concentrada fazendo a prova, ele soltou a linha e a aranha foi descendo e parou na frente do rosto da professora. Ela deu um grito e desmaiou. A criançada saiu correndo da sala; foi uma baderna generalizada. O Ciro, que também assustou com o grito da professora, se desequilibrou e caiu do telhado. Não teve como fugir, pois ele tinha deslocado a clavícula esquerda.
         A Dona Glória foi parar no pronto socorro e só voltou ao grupo dois dias depois. Foi só susto; nada de mal aconteceu com ela e o bebê, para a sorte do Ciro. A diretora, Dona Amélia foi quem aplicou as provas no dia seguinte, sem a presença do Ciro.
        
         - Caramba pai, o senhor era um anjo perto desse Ciro – exclamei de pronto.
         - Era mesmo, Thiago!

            “- O que você quer Ciro, por que me chamou, tem gibis para trocar?
            - Tenho, mas deixa para depois! Sabe aqueles pés de carambolas do quintal da casa do Zé Mário?
            - Sei! O que é que tem – respondi,  perguntando.
            - Eles estão carregadinhos e quase todas os frutos estão no ponto!
            - É, mas o seu Zé Mário não dá nenhuma fruta para ninguém. É um unha de fome e encrenqueiro, desista!
            - Eu sei, eu sei, mas nós não vamos pedir, nós vamos é pegar – disse Ciro.
            - Tá louco, sô! Ele tem dois baita cachorros bravos e  só de ouvir voz de moleque eles já latem!
            -Isso eu, também, já sei e tive uma ideia! Preste atenção: - A cadela lá de casa está no cio e meu pai a prendeu em casa; ela está desesperada, coitada. Vou pegar os panos que ela urinou em cima e jogá-los para os cachorros do seu Zé Mário. Eles vão cheirar e ficarão desorientados, entendeu?
            - Acho que mais ou menos; mas se você acha que vai dar certo, eu topo. Como vou ajudar?
            Você vai tocar a campainha da casa dele e pedir umas carambolas; ele não vai dar e você puxa  qualquer assunto, ou seja, fala de futebol, gibis, etc, entendeu?
            - Entendi, quando vamos agir – perguntei.
            - Agora mesmo! Vamos passar lá em casa, que é caminho, e pegar os panos mijados da Dalila.
            Cerca de quinze minutos depois apertei a campainha da porta do seu Zé Mário e vi o Ciro jogando os panos por cima do muro do quintal da casa. Os cachorros ficaram quietos e ele pulou o muro com uma sacola na mão.
- Que é que você quer menino – perguntou –me o dono da casa ao abrir a porta.
- Seu Zé, será que o senhor me dá umas carambolas maduras que estão caídas embaixo dos pés, no chão?
Nisso ouvimos os cachorros rosnando e meu amigo Ciro gritando e o seu Zé falou:
- Entra e vamos ver quem é o maluco que pulou o muro do meu quintal!
O Ciro estava encurralado pelos cães e seu Zé gritou:
- Passa fora Laika; sai Princesa! Não eram cães machos , eram cadelas e o cheiro de cio no pano as deixaram mais nervosas ainda. A Laika baixou a cabeça e saiu, mas a Princesa mordeu a perna do Ciro.
            Seu Zé Mário ficou aflito e pediu para eu ir até a casa do Ciro e chamar a mãe dele.
Coitado do Ciro foi para o pronto socorro e levou um monte de injeção por causa da mordida da Princesa. Eu saí da casa do seu Zé Mário com uma sacola cheia de carambolas.
Mais tarde eu fui até a casa do Ciro levar a metade das carambolas que tínhamos ganhado e contei a novidade para ele:
- Sabe Ciro, o seu Zé Mário tem um monte de gibis antigos; ele gosta tanto de gibis que convidou eu e você para trocar nossos gibis com ele!
- Só se for daqui uma semana, Lê! Eu estou de castigo – resmungou o meu amigo mordendo uma carambola, mesmo, sem lavá-la. Mas, tão logo ele saiu do castigo aprontou outra das dele.”

- Como pai, conta aí – pediu o Felipe.
- Pois bem...
Continua no capítulo V:
A VINGANÇA DO CIRO


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