Peripécias de
MOLEQUES
CAPÍTULO V
A Vingança do CIRO
“A história, de
o Ciro ter a transferência forçada para outro grupo escolar, tinha ficado
engasgado na garganta dele. Iria tirar a forra na diretora, a Dona Amélia.
Essa diretora era solteirona com seus
cinquenta e poucos anos; era muito feia, feia geral, - principalmente no
temperamento. Ela morava na mesma rua da escola, só que cinco quadras
distantes, numa casa muito antiga. Era herança do bisavô dela que foi passando
de geração a geração. Acho que ela era a última da família, pois era filha
única de uma mãe que também o era. Como já estava com idade avançada, e nunca
gerou filhos, a família Brandão de Avelar morreria com ela.
A frente da cada, dessa diretora não tinha muro, porém era toda gradeada com um
gradil de dois metros e meio de altura, foi elaborado e instalado pelo bisavô
do atual serralheiro Macega, que se auto intitulava: - o negrinho mais esperto
do mundo -, e era, sem sombra de dúvidas, muito bom no que fazia na sua
profissão. A intenção da família era mostrar a opulência do casarão e do imenso
jardim e a Amélia preservava essa tradição.
No jardim, em cada extremidade, e bem perto da rua, tinha dois pés de romãs que
estavam quase sempre carregados de frutos maduros. Eram grandes com as sementes
cobertas com aquele líquido vermelho-sangue, - uma delícia que a garotada
adorava. Mas, tinha um porém: - Todo aquele ‘Éden’ era guarnecido por um cão
pastor-alemão que era uma verdadeira fera. Quando a gente se aproxima do gradil
o cachorro virava o cão, propriamente dito.
Pensava num meio de afastar a fera da frente da casa e me lembrei do gato da
Dona Manega, aquele da pimenta malagueta. Combinei com a turma de pegarmos as
romãs que estavam na beira do gradil, à tarde, depois da aula, por volta das
dezessete horas e quinze minutos, do dia seguinte, antes da Dona Amélia chegar à
sua casa.
Em casa peguei um tubo plástico vazio de desodorante spray e coloquei dentro a
mistura que fiz, ou seja: pimenta malagueta daquelas pequenas, dedo de moça e
pimenta do reino, que minha mãe usava como tempero. Além disso, peguei o
líquido de outro tipo de pimenta que meu pai colocava na comida dele quando já
estava com o prato feito. Era muito ardida, curtida na cachaça com duas
colherinhas de mel:
- Esta pimenta foi o Zé Pirigoso, um amigo meu da Bahia, quem me deu – falava sempre que ia degustá-la.
- Esta pimenta foi o Zé Pirigoso, um amigo meu da Bahia, quem me deu – falava sempre que ia degustá-la.
Preparei tudo e guardei na sacola junto com meus pertences escolares. Depois da
aula, do dia combinado, lá fomos nós rumo à casa da diretora em marcha
acelerada. Ofegante o Ciro me perguntou:
- Como vamos afastar o cachorro, Lê? É só ver a gente ele já começa a latir e
fazer o maior barulho?
Abri
a bolsa, peguei a bisnaga e mostrei para a turma:
- Olhem aqui, preparo de
pimentas do mais ardido!
- Já entendemos, Lê –
disse o vesgo Angelim que parecia que ia explodir de tão vermelho.
Perto
da casa da diretora paramos e fomos, eu e o Ciro, nos aproximando do
gradil. Quando o Rex – este era o nome da fera – nos viu, veio igual a um maluco
rosnando e babando de ódio. Quando enfiou o focinho entre os ferros verticais
da grade eu esguichei a pimenta na bocarra e nos olhos da fera. O cachorro
parou de abrupto engasgando, sufocando e grunhindo com os olhos escorrendo
molho picante; deu meia volta e saiu batendo a cabeça nas roseiras,
palmeiras-anãs, etc...
Apressadamente
pegamos todas as romãs maduras até onde nossos braços alcançavam. Foi uma
festa. Ah! Como eram saborosas aquelas romãs!”
- Sabem
aquela romãzeira que tem na casa da avó de vocês lá na capital?
- Sei pai, o que é que tem – perguntei.
- É descendente da
romãzeira da Dona Amélia. Minha mãe sempre levava uma muda para onde quer que
nos mudássemos!
- Nossa pai, que maneiro! Realmente é uma fruta muito gostosa – falei ao meu velho deixando a entender que
eu já saboreei romã daquela descendente.
- Mas pai e o Rex da diretora, o
que aconteceu com ele –
indagou o Mateus.
- Só ficou com os olhos vermelhos
por uns tempos e quando nos via saía correndo para os fundos da casa. Sem
querer usamos uma espécie, do que hoje chamam, de spray de pimenta!
- Vou continuar a falar da vingança
do Ciro...
“Naquela
primavera, Dona Amélia, comprara um carro novinho, modelo 1963, branco. Todos
os dias ela chegava depois do almoço na escola, de carro e o parava no pátio do
grupo, bem nos fundos. Ela não admitia que ninguém chegasse perto do veículo.
Deixava os vidros abertos para ventilar o interior do veículo. Naquela época do ano o calor das
tardes era de rachar mamona no cacho.
O Ciro já sabia dessa rotina. Num dia de manhã, conseguiu de graça,
um saco grande e vazio, que a padaria comprava com farinha de
trigo, foi até o ferro velho da Dona Manega e atraiu três gatos, com pedaços de
carne, e os enfiou dentro do saco amarrando a boca. Os gatos ficaram a manhã
toda e até por volta da uma hora daquela tarde, guardados dentro do saco, num
mato nos fundos do grupo. E, para piorar a situação dos bichanos, o Ciro molhou o
saco até ficar ensopado. Ciro, quando deu doze horas e trinta minutos, foi
aguardar na espreita.
A Dona Amélia
chegou, encostou o carro no local de sempre, abriu os vidros do carro até a
metade, para não esquentar o interior do veículo, e se dirigiu toda garbosa
para a sua sala de diretora do grupo.
Ciro pulou o muro dos fundos do grupo com o saco de gatos; colocou o carro em
ponto morto, empurrou-o para debaixo do sol; fechou os vidros, desfez o nó que amarrava o saco com os bichanos e os jogou dentro do
carro e fechou a porta.
Naquele dia o Sol estava mais forte do que qualquer outro dia de verão, embora
fosse primavera; com certeza passava dos quarenta graus centígrados à sombra. O
carro no sol, com os vidros fechados e os gatos lá dentro todos molhados e
melecados de farinha de trigo, danaram a arranhar tudo para sair. E, ao mesmo
tempo, brigavam entre eles, urinavam e defecavam dentro do abafadíssimo veículo.
As dezessete horas e trinta minutos o Ciro foi lá pelas bandas do fundo do grupo;
subiu num enorme pé de jambo e ficou observando escondido entre as folhas.
Essas folhas eram verdes escuras, brilhantes e quando o jambeiro estava
carregado de frutos maduros, o vermelho escuro do jambo dava um visual
lindíssimo de harmonia de cores, entre folhas, caule, galhos e frutos. Porém,
eu achava aquelas frutas muito ‘sem graça’ pela imponência da árvore que as
produzia.
Dona Amélia
vinha toda serelepe, com mais três professoras de carona, pegar o carro e irem para casa. Quando ela abriu a porta, os gatos saíram de uma só vez arranhando e
atropelando-as. O mau cheiro que saía do carro era insuportável; dava até para
o Ciro sentir lá do alto do jambeiro. Ele ria que até lacrimejava, mas bem
baixinho.
O carro ficou
uma semana sendo lavado e mesmo assim, dizem, catingava e ninguém ficou sabendo
quem fizera aquilo, só eu e assim mesmo, bem depois do ocorrido foi que o Ciro
me contou.”
- Nossa pai, esse Ciro deve de ter se dado
mau na vida, não é – falei pensativo.
- Que nada, Thiago! Esse moleque era muito
inteligente, só tirava nota máxima nas provas. O pai dele era sargento do
exército no Rio de Janeiro e vinha em Muriaé de quinze em quinze dias e, por
causa do Ciro, ele vendeu o casarão com mobília e tudo levando a família para
perto dele no Rio. A notícia que eu tenho do Cícero - este era o nome dele-, é
que hoje é coronel do exército lá no Amazonas.
Continua no capítulo VI:
“O FABRICANTE DE BALAS”
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