sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

PROJETO DE UM LIVRO CAP.: V


Peripécias de 
MOLEQUES
CAPÍTULO V
A Vingança do  CIRO
              “A história, de o Ciro ter a transferência forçada para outro grupo escolar, tinha ficado engasgado na garganta dele. Iria tirar a forra na diretora, a Dona Amélia.

         Essa diretora era solteirona com seus cinquenta e poucos anos; era muito feia, feia geral, - principalmente no temperamento. Ela morava na mesma rua da escola, só que cinco quadras distantes, numa casa muito antiga. Era herança do bisavô dela que foi passando de geração a geração. Acho que ela era a última da família, pois era filha única de uma mãe que também o era. Como já estava com idade avançada, e nunca gerou  filhos, a família Brandão de Avelar morreria com ela.

            A frente da cada, dessa diretora não tinha muro, porém era toda gradeada com um gradil de dois metros e meio de altura, foi elaborado e instalado pelo bisavô do atual serralheiro Macega, que se auto intitulava: - o negrinho mais esperto do mundo -, e era, sem sombra de dúvidas, muito bom no que fazia na sua profissão. A intenção da família era mostrar a opulência do casarão e do imenso jardim e a Amélia preservava essa tradição.

            No jardim, em cada extremidade, e bem perto da rua, tinha dois pés de romãs que estavam quase sempre carregados de frutos maduros. Eram grandes com as sementes cobertas com aquele líquido vermelho-sangue, - uma delícia que a garotada adorava. Mas, tinha um porém: - Todo aquele ‘Éden’ era guarnecido por um cão pastor-alemão que era uma verdadeira fera. Quando a gente se aproxima do gradil o cachorro virava o cão, propriamente dito.

            Pensava num meio de afastar a fera da frente da casa e me lembrei do gato da Dona Manega, aquele da pimenta malagueta. Combinei com a turma de pegarmos as romãs que estavam na beira do gradil, à tarde, depois da aula, por volta das dezessete horas e quinze minutos, do dia seguinte, antes da Dona Amélia chegar à sua casa.

            Em casa peguei um tubo plástico vazio de desodorante spray e coloquei dentro a mistura que fiz, ou seja: pimenta malagueta daquelas pequenas, dedo de moça e pimenta do reino, que minha mãe usava como tempero. Além disso, peguei o líquido de outro tipo de pimenta que meu pai colocava na comida dele quando já estava com o prato feito. Era muito ardida, curtida na cachaça com duas colherinhas de mel:
                  - Esta pimenta foi o Zé Pirigoso, um amigo meu da Bahia, quem me deu – falava sempre que ia degustá-la.

            Preparei tudo e guardei na sacola junto com meus pertences escolares. Depois da aula, do dia combinado, lá fomos nós rumo à casa da diretora em marcha acelerada. Ofegante o Ciro me perguntou:

            - Como vamos afastar o cachorro, Lê? É só ver a gente ele já começa a latir e fazer o maior barulho?

            Abri a bolsa, peguei a bisnaga e mostrei para a turma:

            - Olhem aqui, preparo de pimentas do mais ardido!

            - Já entendemos, Lê – disse o vesgo Angelim que parecia que ia explodir de tão vermelho.

            Perto da casa da diretora paramos e fomos,  eu e o Ciro, nos aproximando do gradil. Quando o Rex – este era o nome da  fera – nos viu, veio igual a um maluco rosnando e babando de ódio. Quando enfiou o focinho entre os ferros verticais da grade eu esguichei a pimenta na bocarra e nos olhos da fera. O cachorro parou de abrupto engasgando, sufocando e grunhindo com os olhos escorrendo molho picante; deu meia volta e saiu batendo a cabeça nas roseiras, palmeiras-anãs, etc...

           Apressadamente pegamos todas as romãs maduras até onde nossos braços alcançavam. Foi uma festa. Ah! Como eram saborosas aquelas romãs!”


            - Sabem aquela romãzeira que tem na casa da avó de vocês lá na capital?

         - Sei pai, o que é que tem – perguntei.

     - É descendente da romãzeira da Dona Amélia. Minha mãe sempre levava uma muda para onde quer que nos mudássemos!

         - Nossa pai, que maneiro! Realmente é uma fruta muito gostosa – falei ao meu velho deixando a entender que eu já  saboreei  romã daquela descendente.

         - Mas pai e o Rex da diretora, o que aconteceu com ele – indagou o Mateus.

         - Só ficou com os olhos vermelhos por uns tempos e quando nos via saía correndo para os fundos da casa. Sem querer usamos uma espécie, do que hoje chamam, de spray de pimenta!
         - Vou continuar a falar da vingança do Ciro...


            “Naquela primavera, Dona Amélia, comprara um carro novinho, modelo 1963, branco. Todos os dias ela chegava depois do almoço na escola, de carro e o parava no pátio do grupo, bem nos fundos. Ela não admitia que ninguém chegasse perto do veículo. Deixava os vidros abertos para ventilar  o interior do veículo. Naquela época do ano o calor das tardes era de rachar mamona no cacho.

            O Ciro já sabia dessa rotina. Num dia de manhã, conseguiu de graça,  um saco grande   e vazio, que a padaria comprava com farinha de trigo, foi até o ferro velho da Dona Manega e atraiu três gatos, com pedaços de carne, e os enfiou dentro do saco amarrando a boca. Os gatos ficaram a manhã toda e até por volta da uma hora daquela tarde, guardados dentro do saco, num mato nos fundos do grupo. E, para piorar a situação dos bichanos, o Ciro molhou o saco até ficar ensopado. Ciro, quando deu doze horas e trinta minutos, foi aguardar na espreita.

A Dona Amélia chegou, encostou o carro no local de sempre, abriu os vidros do carro até a metade, para não esquentar o interior do veículo, e se dirigiu toda garbosa para a sua sala de diretora do grupo.

            Ciro pulou o muro dos fundos do grupo com o saco de gatos; colocou o carro em ponto morto,  empurrou-o para debaixo do sol; fechou os vidros, desfez o nó que amarrava o saco com os bichanos e os jogou dentro do carro e fechou a porta.

            Naquele dia o Sol estava mais forte do que qualquer outro dia de verão, embora fosse primavera; com certeza passava dos quarenta graus centígrados à sombra. O carro no sol, com os vidros fechados e os gatos lá dentro todos molhados e melecados de farinha de trigo, danaram a arranhar tudo para sair. E, ao mesmo tempo, brigavam entre eles, urinavam e defecavam dentro do abafadíssimo veículo.

As dezessete horas e trinta minutos o Ciro foi lá pelas bandas do fundo do grupo; subiu num enorme pé de jambo e ficou observando escondido entre as folhas. Essas folhas eram verdes escuras, brilhantes e quando o jambeiro estava carregado de frutos maduros, o vermelho escuro do jambo dava um visual lindíssimo de harmonia de cores, entre folhas, caule, galhos e frutos. Porém, eu achava aquelas frutas muito ‘sem graça’ pela imponência da árvore que as produzia.

Dona Amélia vinha toda serelepe, com mais três professoras de carona, pegar o carro e irem para casa. Quando ela abriu a porta, os gatos saíram de uma só vez arranhando e atropelando-as. O mau cheiro que saía do carro era insuportável; dava até para o Ciro sentir lá do alto do jambeiro. Ele ria que até lacrimejava, mas bem baixinho.

O carro ficou uma semana sendo lavado e mesmo assim, dizem, catingava e ninguém ficou sabendo quem fizera aquilo, só eu e assim mesmo, bem depois do ocorrido foi que o Ciro me contou.”


- Nossa pai, esse Ciro deve de ter se dado mau na vida, não é – falei pensativo.

- Que nada, Thiago! Esse moleque era muito inteligente, só tirava nota máxima nas provas. O pai dele era sargento do exército no Rio de Janeiro e vinha em Muriaé de quinze em quinze dias e, por causa do Ciro, ele vendeu o casarão com mobília e tudo levando a família para perto dele no Rio. A notícia que eu tenho do Cícero - este era o nome dele-, é que hoje é coronel do exército lá no Amazonas.



Continua no capítulo VI:


O FABRICANTE DE BALAS”





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