sábado, 31 de agosto de 2013

ARRET
A NOVA MORADA

Flor
da
Bosda



            Três horas e trinta e um minutos de uma madrugada chuvosa e fria:
         - Quer saber de uma coisa – perguntei a mim mesmo -, vou voltar para junto da Rô e é agora!
         Entrei na GMC e acelerei pela estrada lamacenta que liga o sítio à rodovia.
         Na Zona da Mata Mineira:
         - Doutor José Walter, o meu Lê está acordando! Corra, por favor, ele está se debatendo muito - gritava a patroinha.
         - Calma Dona Rô, ele vai se acalmar – falou o médico aplicando-me uma injeção através da mangueirinha do soro.
         - Olha, doutor, ele está sangrando pela narina esquerda – gritava, quase ao desespero, a Rô.
         - Enfermeiras ajudem-me a transportá-lo para a UTI! Rápido!
         Por uma fração de segundos pude perceber onde eu estava e tudo ficou escuro.

         Na estrada do sítio um enorme eucalipto Umbra cai em frente à Vermelhona, perdi o controle da direção ao freiá-la, e vou, de frente, ao encontro de uma enorme jaqueira carregada de jacas; muitas maduras. Abri a porta da caminhonete para ver o estrago e uma jaca semi-madura cai-me no rosto me pondo a nocaute por alguns segundos. Levantei-me e vi que não tinha acontecido quase nada com a robusta GMC. Entrei na boleia e acelerei rumo ao meu mundo verdadeiro, limpando, com meu lenço, o meu nariz que sangrava.

         No hospital Mineiro:
         - Onde estou – perguntei à enfermeira jovem e bonita.
         - Fique tranquilo, seu Lê, o senhor está na UTI do melhor HPS particular da Zona da Mata Mineira.
         - A Rô?  Onde está a Rô?
         - Ela foi a sua casa tomar banho, dar uma descansada e voltará quando anoitecer – respondeu-me a enfermeira sósia da Ingrid Bergman, quando esta tinha vinte e poucos anos.
         - Quanto tempo fiquei desacordado?
         - Por vinte e quatro horas, desde o seu último desmaio. O senhor foi operado na narina esquerda, mas já está tudo bem – falou a “formosura em pessoa” enquanto me injetava medicamentos intra-venal e me informou:
         - O senhor ficará sedado por setenta e duas horas.
         - O que foi isto que você aplicou em... eu...

         Na estrada de volta para o sítio:
         - Caramba, parece que foi ontem que bati com a Vermelhona em uma jaqueira. Ainda trago o cheiro de jaca madura nas narinas. Ah! Como o dia está lindo! Quanto tempo faz que saí do Vale do Virtualiano do Rio do Peixe?
         Seguia cantarolando a música sertaneja que tocava na estação FM Sideral de Virtuália, no som da GMC. Quando entrei na estrada,  que liga a rodovia ao sitio,  vi, a cinquenta metros, uma árvore que me chamou a atenção. Parei a caminhonete e fui, a pé, ver mais de perto:
         - Caramba! É uma árvore de bosda! Como veio nascer por aqui? Será que... não, não é possível! Fomos revistados e o detector da nave-mãe não constatou nada, nem na entrada e nem na saída de seu interior. Será que veio em algum meteorito? Engraçado ela parece que está morrendo.
         Subi na GMC e, cerca de cem metros depois, vi outra bosdaneira:
         - Não é possível! Como essas árvores vieram  nascer por aqui?
         Há cem metros do sítio vi a terceira árvore de bosda, também em estado terminal, e pensei:
         - Com certeza existe uma explicação e o Nhô a terá, com certeza!

         No sítio:
         -Nhô, cadê você?
         - Ei! Seu Lê, ieu to aqui na minha istufa di muda di pranta! Vem cá, sô!
         - Bom dia “Véi”! Como vai essa força? E a família?
         - Tá tudu bão, seu Lê, cum ieu i as mininas.
         - I ocê, Misifiu, tudu bem? I a patroinha, dona Rô?
         - Ela está ótima, Nhô! Eu é que não estou muito bem. Ainda sinto muita dor e pressão na cabeça.
         - U nêgu véi aqui vai fazê uma garrafada i ôce vai miorá im dois palitu – interrompi o Nhô perguntando:
         - Que mudas são essas “Véi”? Caramba, são muitas, hein?
         - É di sementi di umas árvi qui nasceru na istrada qui vem prô meu cafofo. U Zé das Flô pidiu prá ieu fazê muintas muda qui ieli vai pranta prá despois coiê as fruta.
         - Já sei! Vai usar as polpas das frutas no preparo de cervejas, não é?
         - Mai num é uma cerveja quarqué, Misifiu. É uma bibida dus deuseis, eh! Eh! Eh!
         - Essas mudas já é a segunda veizada qui façu. Ielas são fia das três árvis qui ôce viu na istrada i qui já tão morrenu di véici. Só deu prá fazê treis coieta di fruta deias, seu Lê. Nunca ieu tinha ovidu falá déias. Quandu ieu puis reparu na margi da istrada ielas já tavam cheia di fruta.
         - Lá em Terra-II chamam-na de bosda. Não sei como vieram parar aqui. Vou lá para Virtuália conversar com o Juliano para ter uma pista. O senhor vem junto?
         - Num possu não, Misifiu, tenhu qui terminá essi prantiu di sementi hoji. Si ieu prantá agora, di noitinha as mudas vão tê seis centimitru – respondeu-me o meu amigo.
         - Está bom, Nhô. Vou só. De tardinha vou lá pro Boteco dos Caldos rever os nossos amigos. Se o senhor quiser me encontra lá, OK?
         - Tá bão, seu Lê! Despois das treis horas vô tê qui levá uma carroça di muda di seti dia prô seu Zé lá nu prantiu deie  pertu du cimintériu. Despois ieu vô tê incontrá lá nu Goró!
         - Nhô, e se a gente levasse as mudas agora?   Podemos encher a Vermelhona e... – fui interrompido:
         - Num pódi, seu Lê! Daqui a poco u Sór vai tá frevenu di quenti. Essas mudas são muntchu frági. Ielas tem qui sê prantada nu iníciu da noiti. Agora iela tem uns catorzi centimetru i amanhã cedu vão tá com uns vinti i cincu centímetru.  Só despois, quandu iela istivé dessi tamanhu, é qui fica resistenti au nosso Sór.
         - Caramba, como o senhor sabe de tudo isso, “Véi”?
         - Ieu “apanhei” munchu cás premêra muda, seu Lê, eh! Eh! Eh!
         - Esse é o Nhô que eu conheço! Encontrar-nos-emos no Boteco, OK?
         - Tá bão seu Lê! Ah! Seu Lê, lá no Goró já tem das cerveja dus deusis. U Julianu batizo ielas di “Flô da Bosda”, eh! Eh! Eh!  Só é vendida lá.
         - Ah! Ah! Ah! Esse nome só pode ser ideia de um carnavalesco! Grande Juliano, ah! Ah! Ah!
         - Nhô, fala para a Xerê que vamos trazer caldo lá do Buteco para jantarmos, OK?
         - Tá bão Misifiu, boa indéia!
        
         Chegando ao CSV. Na parte dos fundos, na casa do zelador, nem precisei buzinar, pois Beijo estava entrando pela parte lateral e tinha me visto e abriu o enorme portão:
         - Bom dia, seu Lê, que bons ventos o traz até nossa singela residência?
         - Bom dia Hibisco, cadê todo mundo?
         - O restante da família tá lá na fabriqueta artesanal de cervejas. Na parte da manhã,  todos ficam empenhados lá, já que o expediente na PSV começa depois do meio dia.
         - Onde fica a fabriqueta? É longe daqui?
         - É aqui mesmo, seu Lê! No galpão onde o Juju faz suas fantasias em época de carnaval.
         - Vou lá então! Preciso falar com ele e com o seu pai, Beijo.
         - Tá bom! Posso estacionar a GMC à sombra daquele flamboyant – pediu o Hibisco cujo apelido é Beijo.
         - Pode! É toda sua!
         - Seu Lê, eu acho essa caminhonete a mais linda do universo!
         - Obrigado, meu amigo! Eu também penso assim.
         Ao chegar à porta do galpão resolvi parar e, antes de entrar, dar uma olhadinha pela janela de vidro:
         - Olha só, montaram uma produção organizada da bebida. Cada um faz sua parte. Trouxeram a experiência da fabriqueta de conservas de minipepinos de Terra-II para fabricarem cerveja artesanalmente!
         Resolvi entrar:
         - Bom dia boa família, que bom vê-los trabalhando unidos e organizados!
         A resposta foi de todos em uma orquestra de vozes:
         - Bom dia, seu Lê!
         Juliano tomou a frente nos cumprimentos:
         - Olá meu grande amigo! Está vendo no que transformei o galpão das fantasias?
         - Estou sim e é sobre essa cerveja que vocês fabricam que eu gostaria de trocar umas ideias – respondi-lhe.
          Juliano falou ao Beijo, que já estava ao meu lado:
         - Beijinho, tome o meu lugar na colagem dos rótulos que vou dar atenção ao seu Lê, OK?
         - OK, Juju, deixa comigo!
         - Vamos até lá em casa, seu Lê! Já são quase onze horas e vamos tomar uma “Flor da Bosda” bem gelada com picles de pepino, couve-flor e mini-cebolas; que tal?
         - Ótimo Juliano! Onde está o seu Zé das Flores e a Margarida? Não os vi entre vocês?
         - Seu Zé está no pomar cuidando das árvores de bosda e a Margarida ficou em casa cuidando do almoço. Hoje é o dia em que ela se responsabiliza pela rotina da casa. Cada dia da semana é uma das meninas. Nos finais de semana eu e o Beijo cuidamos do quintal, horta e jardim.
         - É muito bom termos atividades, não é Juliano?
         - É sim seu Lê! Das segundas às  sextas o Beijo e o seu Zé cuidam do CSV das doze às dezoito horas; eu, à tarde, dou as minhas aulas e as meninas também têm seus afazeres depois do meio dia, lá na prefeitura.
         Chegando à varanda da cozinha da casa?
         - Maga! Ei Maga! Venha ver quem veio almoçar com a gente – gritava o meu amigo. Margarida veio à varanda e me viu.
         - Seu Lê, que prazer em tê-lo antre nós novamente. Parece que adivinhei que o senhor viria, pois estou preparando costelinhas de java-porco, couve, salada de legumes com... – interrompi a Maga:
         - Já sei: ...com rabanetes e pepinos!
         - Ah! Ah! Ah! Acertou! Para beber fiz suco de bosda com abacaxi.
         - Ahhh! Eu estou na varanda da cozinha do paraíso – deixei escapar essa frase.
         Sentamos nas poltronas de palha ao redor de uma mesa na qual o Juju já arrumara, enquanto conversava com Maga, as cervejas e os tira-gostos.
         - Prove seu Lê – disse-me enchendo um copo – estas foram feitas na semana passada.
         Sorvi um gole e o segurei na boca por alguns segundos e engoli:
         - Ahhhh! Come isto é possível? Ficou ainda mais saborosa do que a de Terra-II!
         É por causa da água, meu amigo! Usamos da água mineral da mina do sítio do Nhô. Todos os dias eu busco quatro tambores de duzentos litros cada. Trago no caminhão Fargo 1954 que compramos com a venda das cervejas; a maioria delas para o Boteco dos Caldos. O Nhô nos dá a água de graça e quando ele ou a Xerê quer, nos lhe damos, também sem ônus, algumas cervejas.
         - Entendi! Vocês estão fazendo cerveja artesanal usando polpa de bosda em lugar do lúpulo, não é Juliano?
         - Sim seu Lê! Nasceram três pés, dessa fruta, às margens da estrada que vem para o sítio. Não sabemos como explicar o surgimento das mesmas, talvez tenham vindo em meteoritos.
         - Eu vi as árvores, Juliano, e reparei que elas estão morrendo e rapidamente. As sementes que as originaram vieram em um meteorito sim, mas chamado Beijo!
         - Como assim, seu Lê? Não estou entendendo!
         - Eu explico: - Lembra que não podíamos trazer nada de Terra-II para a Terra? Até passamos por detectores e descontaminadores para entrar e sair da nave-mãe?
         - Lembro-me muito bem, claro! E não trouxemos absolutamente nada de lá, pode ter certeza!
         - Lembra Juliano, que na hora do embarque da viagem para Terra, aliás, até antes de embarcarmos, o Beijo comia a última das três bosda que você deu a ele para desprender os intestinos?
         - Sim, mas o que tem isso a ver com as... peraí...peraí...peraê, acho que estou compreendendo! Foi o Beijinho quem trouxe  as sementes guardadas em seus intestinos, eu... - interrompi o Juju:
         - É isso mesmo! Ele comeu três grandes e maduras bosda e isto fez com que as sementes passassem pelo metabolismo, desarranjado, intactas e, também, foram detectadas pelos sensores dos detectores da nave-mãe e inutilizadas, mas algumas devem ter passado ilesas.
         - É isso aí, seu Lê, e quando chegamos o Beijo defecou em três “moitas” distintas e distantes uma das outras e... – interrompi novamente:
         - E foram exatamente, onde o Beijo fez as suas necessidades fisiológicas urgentes, que nasceram as árvores de bosda.
         - Ah! Ah! Ah! Por esta nem o Kobauski esperava – ri acreditando nisto e falei:
         - Acho bom a gente aproveitar as últimas produções da “Flor de Bosda”, pois algum fenômeno está acontecendo com essa planta alienígena.
         - É mesmo, seu Lê, pois toda a segunda geração, terráquea da bosda, só dará uma frutificação e, assim mesmo, com frutos de péssima qualidade. Inclusive o Nhô nos alertou que as sementes que mandamos na semana passada não estão germinando nem um por cento. O que pode ser isso, seu Lê?
         - Sinceramente, não sei! Talvez nossa Terra não seja ambiente para ela; talvez algum tipo de fungo terrestre esteja destruindo esta extraterrestre; talvez as perturbações do nosso sol – que acontecem de onze em onze anos -, as tenham afetado, mas só os arretianos poderão falar, com certeza, a respeito. Quando eu estiver com eles perguntarei.
         - É uma lástima, pois se produz uma inigualável cerveja com a bosda – disse o Juju e prosseguiu:
         - Produzíamos quatrocentos e oitenta e quatro litros por mês a dois meses e hoje conseguimos com muito esforço somente quarenta e oito litros, por quinzena.
         - Então vamos armazenar o que se produzir e usá-lo em consumo próprio, ou seja, só aqui na sua casa e no sítio do Nhô. O bom da “Flor da Bosda” é que ela dura mais, quando engarrafas, do que as cervejas comuns, ou melhor, dizendo, por tempo indeterminado. E, quanto mais armazenada em lugar apropriado, mais saborosa ela fica.
         A conversa estava tão boa que nem vimos o restante da família chegar para o almoço e foi a Margarida quem nos chamou:
         - Seu Lê e Juju, o almoço já está servido. Venham!
         Almoçamos rapidamente, pois todos da família teriam que estar em seus postos de trabalho no máximo às doze horas e dez minutos.
         - Seu Lê, se o senhor quiser pode ficar descansando na rede da varanda. Não vamos poder lhe fazer companhia, pois temos nossos compromissos e...
         - Eu sei Juliano podem seguir as rotinas de vida de vocês. Vou até a cidade rever os nossos amigos.  Estarei no Boteco dos Caldos depois das dezessete horas e...
         - Vou até lá, seu Lê, porém depois das dezessete e trinta e um minutos quando terminar minha última aula, OK?
         - OK, meu amigo! Até mais tarde então.
         Todos tomaram seus rumos e eu segui a pé até Virtuália. Não era longe e a estrada era simplesmente maravilhosa, ou seja, arborizada e florida do jeito que eu e as centenas de pássaros gostamos. Pensei comigo:
         “– Quanto mais eu viajo para Hy-Brazil mais virtual ela me parece ser!”
Continua em 06/09/2013:
O
Pangaré
 Bittencourt

            

Um comentário:

  1. Para entender este texto tu tens que ir lá no início dos textos. Com o passar da leitura dos primeiros textos é que irás entender -
    cronologicamente -,este e os outros, até o final, ok?
    Se quiseres contatos eis meu e-mail:
    lecinof@gmail.com

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