sexta-feira, 6 de setembro de 2013

ARRET
A NOVA MORADA
O
Pangaré
 Bittencourt

Na entrada da cidade, trinta e um minutos depois:
- Olha só, vai haver rodeio em Virtuália – falei comigo mesmo ao ver toda a parafernália armada no Descampado dos Moleques.
- Por que não usaram o parque de exposições da cidade pensei em voz alta diante das enormes carretas estacionadas às margens da estrada e, nos seus baús, estava escrito:
“Cia de Rodeios Liberato Vicunha.”
- Gente! Esta é uma companhia de rodeios famosa demais para não usarem o parque de exposições!
Passando bem em frente do, já montado, circo vi uma égua puro-sangue inglês pastando. Era imponente, robusta,  maravilhosa e falei:
- Caramba, essa parece ser a égua de estimação do Liberato!
Cheguei mais perto e tirei a dúvida:
- É mesmo a Cachoeira! Reconheço as marcas brancas de nascença no pescoço, que parecem as letras jota e pê, próximo uma da outra, em contraste com sua cor castanho queimado.  Dizem que só ele monta nessa maravilha. Ela só cruza com garanhões famosos selecionados, mas nunca teve uma cria.
- Vou lá à delegacia conversar com o Carabina Doze e ver o que ele me diz a respeito!
Não tinha quase ninguém nas ruas talvez, pelo calor terrível daquela tarde quente.
Na delegacia:
- Boa tarde doutor Carabina – disse alto e este quase caiu da cadeira ao acordar de abrupto de um descontraído coxilo.
- Bo... bo... boa tarde! O que deseja o senhor – respondeu o velho amigo da lei esfregando os olhos e voltando a fixá-lo em mim:
- Seu Lê? Quanto tempo não nos vemos meu amigo! O que o trás à nossa inimaginável Virtuália?
- Vim rever os amigos! Como anda a ordem e a justiça nesta cidade, delegado?
- Olha seu Lê, até “tresantontem”, como diz o Nhô, a coisa tava feia. Foi bem da verdade, sábado à noite que começou a passar estrelas cadentes pelo nosso céu e caíram além mar. Mas, teve uma que caiu em cheio no parque de exposições. Acabou com tudo lá. Ficou só um pequeno buraco no centro do parque. Sorte é que lá onde fica o parque é afastado da população virtualiana.
- Foi a chuva de meteorito Perseida, Carabina! Ela é decorrente do cometa Swift-Tuttle, que orbita o Sol a cada 133 anos. A passagem do cometa próximo à Terra é uma raridade, mas em todo o mês de agosto, a Terra cruza a nuvem de detritos deixada pelo cometa. De acordo com estudos, o espetáculo da chuva de meteoros Perseida é observado pelo homem há, pelo menos, dois mil anos. Ela recebe este nome por causa da constelação de Perseu, de onde o chamado radiante de meteoros parece surgir.
- Isto nos perturbou muito, seu Lê, a população até hoje evita sair às ruas com medo de cair outra estrela.
- Vou lá ao parque ver a situação, delegado eu... fui interrompido.
- Vamos seu Lê – antecipou-se ao convite o delegado que gritou:
- Tição! Cabo Tição! Acorda e vem prá frente da delegacia que vou sair – o cabo veio se ajeitando e:
- Seu Lê, boa tarde! O senhor está bem?
- Boa tarde cabo! Estou ótimo, mas não igual a ti!
- Cabo, vou com seu Lê até o local onde caiu a estrela! Assuma a delegacia e não durma OK?
- Perfeitamente doutor! Vou ficar esperto e operante!

No parque de exposições:
- Engraçado, Carabina, é que o pessoal dos Flores não me falou nada e muito menos o Nhô, que sempre me fala das novidades, tocou no assunto!
- Ninguém dos Flores veio ao centro da cidade desde sábado e, o Nhô, só vem quando precisa comprar fumo para o pitu dele. Além disso, domingo começou a chover muito, principalmente à noite. Trovejou muito, seu Lê!
Andei pelo parque e vi o buraco deixado pelo que caiu do céu. O buraco tinha em torno de setenta e um centímetros, mas, o que fez os estragos foram os detritos que levantaram do chão quando ele entrou solo à dentro. Todo o entorno foi praticamente destruído e o delegado tentou explicar:
- Por isso que o rodeio vai ser no Descampado dos Moleques; o senhor passou lá na frente, não passou?
- Sim, Carabina e vi um pessoal montando tudo. Quem vai gostar do rodeio é o Nhô Antônio. Ele vai adorar a movimentação, as duplas sertanejas, a locução do animador, enfim, é festa para o Nhô!
- E por falar no rodeio, seu Lê, vem comigo até o Descampado dos Moleques. Tenho que verificar se estão montando a arena com a segurança que recomendei.
- Claro, Carabina, vamos lá!
Subimos no Jeep e direcionamos para a entrada ao norte da cidade. Quando nos aproximamos do local:
- Olha, seu Lê, quem está com a carroça parada em frente ao Descampado!
- É o Nhô! Ele veio trazer mudas de bosda para os Flores. Ficamos de nos encontrar no Boteco dos Caldos para reunirmos com nossos amigos. Você está convidado delegado!
- Vou passar por lá depois das dezoito horas, quando termina meu expediente na delegacia, mas não posso demorar, OK?
- Então tá, Carabina, conto contigo!
Chegando perto da carroça vimos que o Nhô estava frente - à - frente com o Bittencourt falando com ele e observamos o monólogo:
- Vamu lá meu véi amigu, u qui deu nocê? Ôce nunca impacô inhantis?
Bittencourt batia com as patas dianteiras no chão. Era um relincho diferente e perguntei ao Nhô:
- O que está acontecendo, Nhô?
- Esti pangaré fidasunha impacô quandu istava passanu infrenti a essi circu qui chegô na cidadi e... – interrompi o Nhô:
- Não é circo Nhô! É uma companhia de rodeio. Vai ter rodeio em Virtuália. Começará na sexta-feira à noite.
- Eh! Eh! Eh! Intão é issu! U pangaré tá achanu qui podi participá, eh! Eh! Eh!
Olhei para o lado, em que o cavalo velho do Nhô insistia em olhar, e vi a Cachoeira sendo banhada por um tratador e pensei:
-“Ah! Ah! Ah! O “véi” Bittencourt tá é de olho na Cachoeira. Para ele é como se um de nós visse uma bela mulher, nua, tomando banho!”
- Nhô, diz prá ele que lá no estacionamento do Boteco tem aveia e água mineral fresquinhas esperando por ele e que depois o senhor o trás  aqui para o rodeio!
- Iscuitô issu pangaré?
- Essa não o Nhô conversa com os animais – admirou-se o Carabina.
- Por incrível que pareça o Bittencourt  relinchou esquisito e começou a andar. O Nhô nos “traduziu” o relincho:
- Ieli mi disse: - Falô, véi!
- Ah! Ah! Ah! Então tá então Nhô!
- Ah! Ah! Ah! – Gargalhamos eu e o Carabina Doze.
- Vamos lá prô Boteco Nhô, vou de carroça contigo!
- Eu vou ficar para falar com o Liberato e encontro vocês no Boteco, OK?
- OK, delegado – respondi.
Subi na carroça e rumamos para o destino etílico.
- Seu Lê, puruque será qui essi rodei num foi lá pru parqui de ixposição?
- Porque o parque foi destruído por uma pedra que caiu do céu, sábado à noite, “Véi”, ou melhor dizendo, um meteorito!
- É memu, Misifiu? Lá na Serra Madre, sabadu di noiti, tamém, dédi tê caídu um pedrão. Feis um baruião qui acordô inté a Ritinha. Inté u Bittencourt relinchô na hora.
- O senhor foi lá ver, Nhô?
- Num fui, amigu, ieu tava sem tempu pra issu i tava chuvenu muntchu na região.
- Então vou lá ver amanhã cedo, Nhô! O senhor me aponta aonde, provavelmente, ela caiu?
- É fáci, meu amigu, lá da varanda da cunzinha dá pra vê u buracão qui ficô purondi iela intrô! Mai aminhã cedu ieu vô lá côce. Ieu num vô tê mai muda de bosda, pois num tá brotanu mais sementi nenhuma. As qui prantei ostru dia num nasceu nada, seu Lê!
- É estranho, “Véi”, mas não se esqueça que essa planta é de outro mundo!
- É divera, seu Lê, ocê tem razão!

Chegando ao Boteco dos Caldos:
- Ingraçadu, num tem ninguém nas ruas. Essa hora divia di tá cuaiadu di genti vinu i indu prá lá i prá cá. Óia só, inté u butecu tá vaziu!
Realmente aquela tarde estava atípica. Virtuália virou uma cidade com medo de alguma tragédia que poderia vir  dos céus.
- Nóis vamu podê prozeá a vontadi cum nossus amigus, seu Lê, eh! Eh! Eh!
- Vou descer aqui, Nhô – falei e pulei da carroça.
- Ieu vô levá u Bittencurt lá pru estacionamentu i desatrelá ieli da carroça. Inquantu ieli discança cumenu aveia i bebenu água minerá fresca, nóis comi tira-gostchu i toma umas cerveja dus deuses, num é Misifiu?
- Com certeza, Nhô! Enquanto o senhor solta o Bittencourt, da carroça, vou fazer nosso pedido ao Biliato, OK?
- Intão tá intão!

Entrando no Boteco:
- Boa tarde rapaziada – cumprimentei a todos, aliás, Biliato, Paulinho, Lezivo e a Cindy, que estava preocupada com a falta de movimento no comércio e  foi a Cindy quem me respondeu sorrindo:
- Boa tarde, seu Lê! Tudo bem com o senhor?
- Sim, tudo bem! Mas esse desânimo de vocês é assustador!
O Lezivo começou a lamúria:
- Desde sábado, quando a estrela caiu no parque,  o movimento caiu. Nem a cerveja Flor da Bosda está tendo saída. Acho que os deuses estão nos castigando por ter, o seu Zé das Flores, copiado uma bebida dos deuses.
- Bobagem, Lezivo! Esses meteoritos já pararam de se chocarem com a Terra, aliás, é nosso planeta que está passando no que restou de um cometa. Agora só em agosto do ano que vem voltaremos a ter uma chuva de estrelas tão intensa, minha gente!
- Seu Lê, o senhor poderia falar isso na rádio Sideral. O povo todo está trancado em casa só ouvindo rádio. A televisão e o restante das telecomunicações não estão funcionando, pois as antenas todas e, também,  a estação de televisão ficavam no parque de exposições e tudo foi destruído. Sorte é que foi tarde da noite e não estava mais no ar. O vigia só se salvou porque ele tinha saído para tomar uma pinga e buscar cigarros na casa dele.
- O vigia não é o Salzano Goodluck, Biliato?
- Ele mesmo, seu Lê! O cara tem uma sorte de gato vira-latas!
A Cindy nos interrompe:
- Seu Lê, as iscas de pintado e dourado já vão estar sendo servidas. Sente-se à mesa trinta e um que fica na esquina da avenida com a Praça Bispo-Cardeal, OK?
- Nosso pedido ficou pronto na hora certa, Cindy. Lá vem o Nhô! Ele  adora peixe frito com cerveja – respondi.
Ficamos até por volta das dezenove e trinta e um minutos e o Nhô me alertou:
- Seu Lê, vamos lá atrelá u Bittencurt i vortá prô sítio. A Xerê i a Ritinha dédi tá isperanu u cardu que nóis prometemu!
- É mesmo Nhô, tens razão – respondi.
A Cindy, que estava com a gente na mesa, se prontificou:
- Tem caldo de piranha, vaca atolada, canjiquinha... – foi interrompida pelo Nhô:
- Cardu di piranha, dona Cindy! A Xerê falô si tivessi iela perferia. Iela i a Ritinha adoram pêxe!
- Em dois minutos trago num caldeirãozinho, OK, Nhô?
- Despois ieu devorvu a vaziía cum um presenti dentru, Misifia – respondeu o Nhô.
- Intonsi, banoite pessoá! Ieu i u seu Lê já vamu si pirulitá.
A resposta foi uníssima:
- Boa noite amigos!
No estacionamento de carroças, após dez minutos de procura:
- Num adianta, seu Lê, u pangaré não está aqui. Dédi tê retornadu sozinhu pru sítiu quandu começô a iscurecê. Essi cavalu véi tá ficanu gagá! É a tercêra veis qui ieli fais issu cumigu!
- Então vamos andando até a casa dos Flores e pegar a Vermelhona. Em meia hora estaremos no sítio, Nhô!
- Tá bão intonse, vamu lá!
Saímos apressados e o Nhô me confidenciou:
- Da úrtima veis u delegadu mi levô di Jeep i di uma ostra veis foi u Julianu na Variant. Toda veis qui cheguei u Bitencurt mi esperava na porta da cunzinha i ficava um tempão relinchanu brabu cumigu.
- Ah! Essa eu quero ver assim que chegarmos ao sítio, ah! Ah! Ah!
Pegamos a Vermelhona na casa dos Flores e em trinta e um minutos estávamos no sítio, pois fomos devagar na esperança de encontrar   o pangaré na estrada,  e o Nhô perguntou à Xerê que nos aguardava:
- Minha nêga, u meu pangaré já tevi aqui na porta da cunzinha relinchanu?
- Não meu preto! Ele ainda não apareceu aqui. Ele deixou ôce a pé  de novo?
- Dexô, aqueie fidasunha! Mai agora tô procupadu cum ieli!
- Ele sabe se cuidar, Antônio! Ele não é mais nenhum potrinho, ah! Ah! Ah! – brincou a Xerequéia enquanto preparava um pratinho com caldo  para a esfomeada Ritinha.
- A Xerê tá certa, Nhô, amanhã ele amanhece aqui nos pastos do sítio – falei tentando despreocupá-lo.
Na manhã seguinte seis horas e trinta e um minutos:
- Agora que já tomamos esse delicioso café, vamos lá onde caiu a estrela Nhô?
- Vamu sim, seu Lê i é prá já! Vamu aproveitá i vê si meu cavalo véi tá sortu nus pastu du sítio.

Na subida de serra Madre falei:
- Olha Nhô apontei o indicar direito para a estrada do sítio -, aquele cavaleiro vindo para seu sítio, não é o Liberato montado na Cachoeira?
- Ieu num conheçu ieli, seu Lê, mas a égua é muntchu linda. Aquele pangaré qui ieleis vem puxanu ieu conheço é u...
- Bitencourt – falamos praticamente ao mesmo tempo.
Quando Liberato aproximou-se:
- Sr. Antônio, presumo? “Me” falaram que esse pangaré lhe pertence – falou soltando a corda que prendia o pangaré pelo pescoço.
- Podi mi chamá di Nhô, seu moçu; é mai fáci! Essi pangaré é comu si fossi meu ermão – falou ao Liberato e depois dirigiu a palavra ao cavalo: - Ondi ôce andava seu cavalu malucu? Qui cara di felicidadi é essa, sô?
Bitencourt deu um fraco relincho e lambeu a mão do Nhô.
- Seu Antônio, esse pangaré passou a noite cruzando, em silêncio, com minha égua Cachoeira. Nunca vi uma coisa dessas! Nenhum garanhão puro-sangue conseguiu essa proeza. Ainda bem que a Cachoeira não pega cria senão...
- O Bitencourt é um cavalu véi, ma tem uma saudi di tôro. I pelu zoiá deie... ieli tá apaixonadu!
- Não quero mais que ele chegue perto de minha égua. Estamos entendidos – falou Liberato em tom áspero e com certa estupidez que me fez intervir:
- Calma, meu senhor! Quanto quer por essa égua? Compro com arreio e tudo!
- Agora, na mão, quero cem mil dinheiros – respondeu o chefe da caravana do rodeio em tom de deboche certo que tinha falado com alguém que nunca teve nem sonho de tal quantia.
- Vamos até ao sítio e lá acertaremos!
De volta ao sítio, no meu cafofo:
- Tome meu senhor, cem mil dinheiros contados e, separados em pacotes de dez mil!
- Mas... mas... eu não quero vender era... – gaguejou o Liberato.
- Nada de “mas”! Perguntei o preço, você falou e eu cobri sem pedir descontos!
- Tá certo! Negócio fechado! Tenho outras éguas na minha comitiva!
Tiramos o arreio da égua e a soltamos no pasto com o Bittencourt.
- Pronto Nhô, casamos o seu pangaré – falei ao meu feliz amigo.
- Eh! Eh! Eh! U meu pangaré agora num puxa mai carroça. Vô dá a carroça di presenti prô Cilon Massa Bruta qui vortô prá Virtuáia i tá disimpregadu.
- Gostei da generosidade, Nhô! Vou comprar um cavalo para ele colocar na carroça. Não quero que ele volte à criminalidade. 
- Eu tenho um pangaré para vender, se quiser, são mil dinheiros disse o negociante nato Liberato.
- OK! Mais tarde vamos até lá buscá-lo, atrelá-lo na carroça e entregar ao Massa Bruta.
- Um minuto, senhor Lê! Como vou voltar para a cidade? A pé é muito longe – preocupado perguntou o empresário de rodeios.
- Daqui a quinze minutos passa o ônibus que vem de Analogicópolis para Virtuália. Tem um ponto em frente ao sítio. É só aguardar.
- Então está bem, vou para lá. Espero os senhores lá no Descampado do Moleques com o cavalo para sua  carroça, OK?
- OK, mais tarde iremos lá!
- Vamos voltar para aquela “missão”, Nhô?
- Eh! Eh! Eh! Vamu sim, Misifiu! Falanu ansim: missão, mi alembrei du tempu da guerra! Chega a mim dá um arrupiu pela ispinhela!
Subindo a serra Madre, paramos um pouco para pegar fôlego e vimos as verdes pastagens no entrono do sítio e o pangaré e a Cachoeira correndo soltos:
- Óia seu Lê, num pareci u paraísu dus cavalus, eh! Eh! Eh!
Continua em 14/09/2013:
O
Segrêdo
De 
Serra Madre







2 comentários:

  1. achei a historia do pangaré Bitencourt.....kkkk gostei!!!

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  2. Para entender este texto tu tens que ir lá no início dos textos. Com o passar da leitura dos primeiros textos é que irás entender -
    cronologicamente -,este e os outros, até o final, ok?
    Se quiseres contatos eis meu e-mail:
    lecinof@gmail.com

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