Monólogo
com um símio
BR-319,
Manaus/AM – Porto Velho/RO, Km-171 (não é gozação ao código penal). Meados de maio de 1979.
Estávamos
há duas semanas naquele canteiro obras da Consag (Construtora Andrade
Gutierrez) que mantinha a conservação daquela rodovia federal. Eu e outro
técnico concluímos ¾ do inventário físico/patrimonial daquele canteiro:
- Hoje é terça-feira Lê, no ritmo em que
estamos sexta, à tarde, vamos para Manaus e pegarmos o voo que nos levará para Belo
Horizonte!
- Certo! Sexta à tarde, nós vamos para
Manaus, mas eu vou ficar sábado lá; tenho uma lista de importados para comprar
até estourar a cota de quinhentos dólares. Domingo eu embarco para a capital
mineira – respondi ao
José Carlos e levantei-me da mesa do almoço do, “saúnico” (cruzes, que palavra),
refeitório e, o Zé me zombou:
- Já sei você vai lá admirar a onça
ferida e dar sua maçã, da sobremesa, ao Chico! Estou certo?
- Acertou! Eu não suporto vê-los
naquelas jaulas. Deveriam soltá-los, pois já estão quase curados!
...
Parei defronte a jaula do Chico.
Chico era um macaco-barrigudo da família dos cebídeos. Era um espetáculo de
primata na sua cor alaranjado-ocráceo, apesar do olho esquerdo vazado:
- Meu amigo Chico, deve ser difícil você
ficar nessa jaula com esse paraíso e liberdade à nossa volta! Mas, fique tranquilo
que é só até sua perna se curar, entendeu? – o
macaco ficava só me encarando sem esboçar nenhuma reação ou sentimento.
Espichei a mão para dar a ele a minha sobremesa – uma maçã argentina. O Chico
continuava do mesmo jeito a me olhar e inerte sequer deu atenção à fruta que
fiz rolar até ele.
...
Nos
dias atuais, trinta e três anos após, com meu netinho de um ano no colo, no
zoológico em Belo Horizonte, diante de um espécime da mesma família do Chico e:
- Incrível! Ele tem o olho esquerdo
vazado – o macaco nos
olhava quieto e fixo.
Nos
dias de hoje, depois de muito tempo, me “toquei” e entendi que aquele símio, lá
do interior do Amazonas, estava se comunicando comigo à sua maneira. Ele deve
ter pensado:
- “Gorilas me mordam”! Que “pelado”
idiota! Não sabe que, por falta do 1% dos genes – os da inteligência ilimitada,
da fala e do raciocínio lógico -, eu não posso lhe responder? Ah! Se eu
pudesse, eu diria a ele onde enfiar essa fruta sem graça importada das terras
dos gringos! Pare de me encher o saco e “VAI PENTEAR GUARIBA!”
ou então “VAI ABRAÇAR UM TAMANDUÁ!”.
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