Peripécias de
MOLEQUES
CAPÍTULO VI :
O FABRICANTE DE BALAS
“Enfim, sexta-feira! Todos os meninos só falavam no
filme.
- Puxa vida, esse filme eu não posso
perder, o que faço só com quinze cruzeiros - pensava enquanto ia à padaria
buscar pão, fiado, que meu pai pagava religiosamente todo dia onze, para o desjejum.
Ao passar em frente da casa da Dona Geralda, mãe do meu amigo Maurílio...”
- Ah, o meu amigo Maurílio!
- O
que tinha ele, pai – perguntei.
-
Ele era um sujeito magérrimo, tinha os olhos azuis – como os da mãe dele, Dona
Geralda. A cor da pele era alvíssima; branca que dava dó. Ele
era bem mais velho que o pessoal da turma, tinha vinte e cinco anos, mas suas ideias eram de um menino de treze.
O pai
dele, seu Ananias, era encarregado de transporte na mesma empresa em que meu
pai trabalhava. Eles, meu pai e o pai do Maurílio, tinham uma amizade muito
antiga.
Este
meu amigo, já trabalhava há três anos na padaria da Dona Cilene, no bairro em
que morávamos. O seu Ananias tirou-o de lá e arrumou emprego na mesma empresa
em que trabalhava. Só que lá, o Maurílio, começaria sua carreira, como peão, o
cargo mais baixo na cadeia produtiva da empresa e ainda seria distante de sua
família. O Maurílio foi enviado para trabalhar numa estrada no interior do
Pará, numa outra obra da empresa.
Certa
noite, no canteiro de obras – que ficava a duzentos quilômetros da cidade mais
próxima -, os peões já se preparavam para dormir quando o engenheiro, chefe da
obra, adentrou no alojamento e falou alto:
- Atenção, o padeiro pegou malária e
foi para Belém; quem já trabalhou em padaria entre vocês?
- Eu! Eu já trabalhei três anos em
padaria- gritou o Maurílio todo alegre
por já se sentir aliviado do serviço pesado de peão de obras.
- Ok, ok! Amanhã, de madrugada, às
quatro horas tu podes ir direto para a padaria – falou o Dr. Érico com seu carregadíssimo sotaque gaúcho.
No
outro dia, já era sete horas e todos no refeitório reclamavam porque só tinha
café puro ou com leite e nada de pão.
O
engenheiro chegou, viu aquilo e pediu ao encarregado de recursos humanos para
chamar o Maurílio. Cinco minutos depois ele chegou ao refeitório e todos os
peões olhavam e aguardavam a bronca no coitado:
- Bah, tchê! Tu não fizeste os pães, por quê?
- Por que eu não sei fazer pão, doutor Érico – respondeu
o Maurílio na ponta da língua.
- Mas, cuera, tu dissestes que trabalhou três anos
numa padaria – já, nervoso, berrou o
engenheiro.
- Trabalhei sim, mas carregando lenha para o forno –
respondeu-lhe.
Todos
no refeitório caíram na gargalhada e saíram para o trabalho.
O
engenheiro ficou sério e, em consideração ao pai dele, seu Ananias, não lhe dispensou, porém o colocou para trabalhar de ajudante de lubrificação. Esse
tipo de função era a de ajudar o oficial de lubrificação a manter as máquinas e
equipamentos da obra, todos, devidamente lubrificados; prontos para os trabalhos
pesados. Este tipo de serviço ia desde lavar, engraxar os rolamentos, molas,
trocar os óleos dos motores, caixas de marchas, diferenciais, transmissões
automáticas e abastecimentos de combustíveis de todos os veículos e demais
equipamentos de terraplenagem.
Num
certo sábado, à tarde, já se passavam quase três meses em que o Maurílio era
este tipo de ajudante, um peão veio correndo ao escritório do engenheiro da
obra aos gritos:
- Dr. Érico... Dr. Érico, o senhor precisa ver o que
eu encontrei lá perto da pedreira!
- O que foi "seu" Sobreira, o que tu encontraste – perguntou o engenheiro ao peão, com mais de vinte e cinco anos de serviços na empresa – "o maior
puxa saco de patrão!" – diziam dele.
- Só o senhor vendo, vamos lá...
O
engenheiro chamou o encarregado dos peões, o chefe de oficina, o almoxarife e,
com o Sobreira subiram numa caminhonete e rumaram para a pedreira.
Lá
chegando, ainda caminharam uns cinquenta metros onde, longe do riacho, em meio
a uma grande quantidade de pedras, havia uma cratera no chão e esta estava
cheia de um líquido de cor, entre o azul escuro e o preto, cheirando a óleo
queimado e graxa ao mesmo tempo.
O
almoxarife, Geraldo Manoel, que sempre era o mais afoito e metido a saber de
tudo, graças aos vários e de diversos tipos de cursos feitos por
correspondência, com altivez de um conhecedor, se abaixou, enfiou a mão no
líquido da cor de petróleo e gritou:
-
É petróleo, Doutor Érico, é petróleo!
-
Deixe ver isso, tchê..., mas bah! É mesmo! Barbaridade!
Encheram
um galão que sempre levavam na caminhonete e voltaram ao acampamento. Na
segunda-feira, bem cedo, o Doutor Érico não pensou duas vezes e fez contato com
os chefões da empresa, via rádio, na capital mineira e contou o ocorrido, falou
sobre o ‘achado’.
- Mande-nos uma amostra para análise, Dr. Érico – foi a ordem de um dos donos da empresa.
O
alvoroço foi geral no acampamento e durante a semana toda só se falava que era
segredo e que a empresa iria comprar aquelas terras e que todos iriam ganhar um
bom dinheiro.
Na
sexta-feira daquela mesma semana, o Dr. Érico foi chamado na sala de rádio do
acampamento para atender a um chamado urgente. Era mais de dezoito horas e
quase todos os trabalhadores estavam por perto da sala de rádio e, ficaram com
a atenção voltada ao som do rádio amador. O pobre do gaúcho levou a maior
bronca dos donos da empresa. Foi assim o diálogo:
- Dr. Érico, é o Dr. José Lúcio Pingente, estás na
escuta? Câmbio!
-Sim, na escuta, prossiga, câmbio!
- O petróleo da sua descoberta e que
mandaste para análise, é apenas óleo de motor queimado. Não é petróleo bruto
não. Que brincadeira foi essa? Explique-se!
O Dr.
Érico ficou vermelho de raiva e vergonha e se desculpou com os chefões e disse
que iria averiguar melhor.
O que
aconteceu foi o seguinte: o Maurílio, ajudante responsável em descartar os
óleos queimados dos motores das máquinas e veículos, não achou certo jogá-los
num igarapé que passava ao lado do acampamento, como mandara seu chefe e
descobriu aquela cratera e lá fazia o descarte todas as manhãs bem cedo e por
isso ninguém o vira fazendo isso. O Dr. Érico só ficou chateado na hora, porque
entendeu a boa intenção do Maurílio, mas decidiu mandá-lo de volta para perto
do seu Ananias em Muriaé. O pobre do Maurílio demorou quase uma semana para
chegar em casa e ainda levou um sermão do seu Ananias de quase duas horas.
Mas,
continuando...
“Passando
defronte a casa do Maurílio, deu-me um estalo nas ideias e pensei em voz alta:
- É isso! Para quem precisa de cinquenta cruzeiros e
só tem quinze, o jeito é comprar um bilhete de loteria aqui na Dona Geralda e,
quando for dezoito horas, saberei se vou ao cinema ver o filme ou não!”
Dona Geralda era
uma batalhadora. Num cômodo de sua casa, que dava para frente da rua, montou
uma banca de jornais, revistas e também vendia bilhetes de loterias. A Maria
Emília, filha dela que tinha uns quinze anos, era quem ficava na banca, quando
não estava na escola.
“Chamei por Dona
Geralda e ela veio prontamente me atender:
-Entre Lê! Como vai a sua mãe? O que você quer?
- Dona Geralda, a mãe me mandou comprar um pedaço de
bilhete da Loteria de Minas que corre hoje. A senhora tem algum?
- Tenho sim, Lê, qual você quer?
Eu
não tinha nenhum palpite. Fiquei por alguns segundos olhando para ela quando ouvi
o galo índio do seu Tião Igreja cantar tão alto e bonito que até parecia que
era para mim:
- Foi no galo, Dona Geralda, ela pediu para eu
comprar um pedaço do bilhete do número do galo!
-
Estás com sorte, Lê, eu ainda tenho uma tirinha desse bicho; são quinze
cruzeiros!
-
Se der estes números quanto eu, quer dizer, quanto a minha mãe ganha, Dona
Geralda?
- Se der a unidade final ela ganha
os quinze cruzeiros de volta; se der a dezena, ganha cinquenta cruzeiros; se
der a centena ela gan... - interrompi.
- Tá bom, a minha mãe só precisa de cinquenta
cruzeiros – paguei , peguei o bilhete e
guardei, com todo carinho, no bolso da camisa e retornei ao meu trajeto rumo à
padaria."
- Mas espere aí,
pai, o senhor mentiu quando falou que o bilhete tinha sido a vovó Rosa que
pediu para o senhor comprar; e isso não é certo! O senhor tá ‘careca’ de nos
pedir para não mentirmos?
- Eu
sei Felipe, mas se eu falasse que era para mim a mãe do Maurílio não me
venderia e eu estava desesperado – falei
meio querendo dar razão ao que eu fizera.
- O
Felipe tem razão, pai – retruquei como
que não aceitando a justificativa do meu velho, mas ele insistiu:
- Ambos
estão certos, meninos eu... - interrompi
meu velho:
-
Continua com a história, pai, já deu para entender!
- Está certo, Thiago, eu continuo...
- Espera aí pai, antes nos diga quem era
o Tião Igreja, o dono do galo índio – interrompendo
a narrativa, o Felipe perguntou.
- O Tião igreja era um senhor com seus
setenta e cinco anos; era meio surdo e bastante míope. Gostava muito de gibi
de terror. Eu e a meninada estávamos sempre trocando esse tipo de gibi com ele.
E foi com ele que aumentávamos nossas coleções. Outros meninos nos davam dois
gibis de terror por um de aventuras de selva ou de faroeste e depois o seu Tião
nos dava dois gibis que não eram de terror por um de terror. Por isso, e porque
ele contava umas histórias engraçadas de sua juventude, nós gostávamos dele.
Certa vez fui à vendinha dele, comprar
massa de tomate em lata para minha mãe e, antes de eu entrar na porta do
estabelecimento, um dos irmãos Ton, o Helton, passou na minha frente e no
balcão gritou ao Tião:
- "Me" dê dois cruzeiros de balas das
que o senhor faz!
- Está bem, meu filho, toma – disse Tião enchendo as mãos do moleque e, este,
deixou o dinheiro todo enrolado sobre o balcão e saiu correndo.
Seu Tião pegou o dinheiro, desenrolou e,
nós vimos que era golpe do moleque. O dinheiro era só a metade de uma nota. Seu
Tião sorriu sem graça e me falou:
- É a segunda vez que esses irmãos fazem
isso. Eu não posso correr atrás deles; fico no prejuízo. Acho que eles fazem
isso em outro lugar também, pois veja as metades das notas não se ‘casam’ – falou isso colocando as duas metades das notas que
recebera lado a lado.
Eram três os tais irmãos: Hamilton, Helton
e Hilton – filhos de um policial de Polícia Rodoviária Federal. A família deles
era a única a ter televisão no bairro, além é claro, da do dono da fábrica de
doces. Todos os meninos tinham receio deles, pois diziam que eles aprendiam
luta livre assistindo estes tipos de programa na TV.
Vendo a impotência do meu amigo da
vendinha falei-lhe:
- Posso dar uma ideia, seu Tião?
- Claro que pode, Lê!
- O senhor me arruma os papéis que são
embalados suas balas? Vou fazer umas balas da mesma cor das suas e quando eles
vierem aqui de novo comprar balas, o senhor entrega das que eu vou te trazer,
ok?
- Sei não... , mas toma, pode levar!
No outro dia, à tarde, o seu Tião tinha
ido para Juiz de Fora fazer uma consulta médica e a mulher dele ficou na
vendinha e entreguei as balas falsas a ela, que já sabia do plano. Eu e o
Angelim pegamos uma pequena caixa de papelão e colocamos uma pedra dentro e
ficamos perto da casa dos Ton. De repente vimos um dos irmãos, o Hilton, o
maior deles indo em direção à venda. Esse Hilton era metido a bater as faltas
nos jogos de futebol das tardes no campinho. Nenhum dos meninos gostava dele,
mas todos concordavam que ele chutava bem forte a bola.
Na espreita, sem sermos vistos, eu falei
ao Angelim:
- Olha lá, ele viu que é a Dona Cotinha
que está na venda e entrou; daqui a pouco ele sai de lá correndo com as balas!
O Angelim pegou a caixa com a pedra e
colocou no meio da calçada perto da casa deles. Não deu outra, o Hilton saiu
correndo, e quando tomou distância da vendinha, seguiu andando, calmamente, rumo a casa
dele. Ao ver a caixa de papelão no meio da calçada segurou as balas firme nas
mãos e começou a narrar, como um locutor esportivo de futebol, na hora em que o
jogador ia bater a falta:
- Atenção! Hilton, o craque da torcida,
vai bater a falta; preparou, correu e... pimbaaaaaaiiiiiiii!
A sequência do lance foi de gritos de dor
e um estalido:
-Aiii, caramba, machuquei o dedão, ai,
ai, ai...
Ele não quebrou nada, só destroncou o
dedão e rasgou toda, a Conga azul e novinha – um antecessor do tênis atual.
Saiu mancando, desenrolou uma bala e colocou na boca. Quando ele sentiu o gosto
disse um palavrão e cuspiu longe a bala. E não é que o idiota provou todas as
balas antes de jogá-las fora!
No dia seguinte fui eu e o Angelim na
venda do seu Tião Igreja e rimos até doer o queixo e falei:
- Esses não fazem mais maldade
contigo, meu amigo!
- Mas Lê, de que eram as balas que você
fabricou – perguntou-me.
- Era barro, sabão e titica de galinha,
seu Tião!
- Aí foi que ele riu para valer.
- Eca, pai – falou o Mateus.
Mas continuando...
EPÍLOGO:
Galo na CABEÇA
***** gostei da sua escrita eu também venho tentando fazer isto mas é difícil ,pena que a ultima que li a do casório tem uma continuação e eu não achei
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