sábado, 12 de janeiro de 2013

PROJETO DE UM LIVRO CAP.: VI

Peripécias de 
MOLEQUES
CAPÍTULO VI :
O FABRICANTE DE BALAS
              “Enfim, sexta-feira! Todos os meninos só falavam no filme.
            - Puxa vida, esse filme eu não posso perder, o que faço só com quinze cruzeiros - pensava enquanto ia à padaria buscar pão, fiado, que meu pai pagava religiosamente todo dia onze, para o desjejum. Ao passar em frente da casa da Dona Geralda, mãe do meu amigo Maurílio...”

            - Ah, o meu amigo Maurílio!
         - O que tinha ele, pai – perguntei.
         - Ele era um sujeito magérrimo, tinha os olhos azuis – como os da mãe dele, Dona Geralda. A cor da pele era alvíssima; branca que dava dó. Ele era bem mais velho que o pessoal da turma, tinha vinte e cinco anos, mas suas  ideias eram de um menino de treze.
         O pai dele, seu Ananias, era encarregado de transporte na mesma empresa em que meu pai trabalhava. Eles, meu pai e o pai do Maurílio, tinham uma amizade muito antiga.
         Este meu amigo, já trabalhava há três anos na padaria da Dona Cilene, no bairro em que morávamos. O seu Ananias tirou-o de lá e arrumou emprego na mesma empresa em que trabalhava. Só que lá, o Maurílio, começaria sua carreira, como peão, o cargo mais baixo na cadeia produtiva da empresa e ainda seria distante de sua família. O Maurílio foi enviado para trabalhar numa estrada no interior do Pará, numa outra obra da empresa.
         Certa noite, no canteiro de obras – que ficava a duzentos quilômetros da cidade mais próxima -, os peões já se preparavam para dormir quando o engenheiro, chefe da obra, adentrou no alojamento e falou alto:
         - Atenção, o padeiro pegou malária e foi para Belém; quem já trabalhou em padaria entre vocês?
         - Eu! Eu já trabalhei três anos em padaria- gritou o Maurílio todo alegre por já se sentir aliviado do serviço pesado de peão de obras.
         - Ok, ok! Amanhã, de madrugada, às quatro horas tu podes ir direto para a padaria – falou o Dr. Érico com seu carregadíssimo sotaque gaúcho.
         No outro dia, já era sete horas e todos no refeitório reclamavam porque só tinha café puro ou com leite e nada de pão.
         O engenheiro chegou, viu aquilo e pediu ao encarregado de recursos humanos para chamar o Maurílio. Cinco minutos depois ele chegou ao refeitório e todos os peões olhavam e aguardavam a bronca no coitado:
         - Bah, tchê! Tu não fizeste os pães, por quê?
         - Por que eu não sei fazer pão, doutor Érico respondeu o Maurílio na ponta da língua.
         - Mas, cuera, tu dissestes que trabalhou três anos numa padaria – já, nervoso, berrou o engenheiro.
         - Trabalhei sim, mas carregando lenha para o forno – respondeu-lhe.
         Todos no refeitório caíram na gargalhada e saíram para o trabalho.
         O engenheiro ficou sério e, em consideração ao pai dele, seu Ananias, não lhe dispensou, porém o colocou para trabalhar de ajudante de lubrificação. Esse tipo de função era a de ajudar o oficial de lubrificação a manter as máquinas e equipamentos da obra, todos, devidamente lubrificados;  prontos para os trabalhos pesados. Este tipo de serviço ia desde lavar, engraxar os rolamentos, molas, trocar os óleos dos motores, caixas de marchas, diferenciais, transmissões automáticas e abastecimentos de combustíveis de todos os veículos e demais equipamentos de terraplenagem.
         Num certo sábado, à tarde, já se passavam quase três meses em que o Maurílio era este tipo de ajudante, um peão veio correndo ao escritório do engenheiro da obra aos gritos:
         - Dr. Érico... Dr. Érico, o senhor precisa ver o que eu encontrei lá perto da pedreira!
         - O que foi "seu" Sobreira, o que tu encontraste – perguntou o engenheiro  ao peão, com mais de vinte e cinco anos de serviços na empresa – "o maior puxa saco de patrão!" – diziam dele.
         - Só o senhor vendo, vamos lá...
      O engenheiro chamou o encarregado dos peões, o chefe de oficina, o almoxarife e, com o Sobreira subiram numa caminhonete e rumaram para a pedreira.
         Lá chegando, ainda caminharam uns cinquenta metros onde, longe do riacho, em meio a uma grande quantidade de pedras, havia uma cratera no chão e esta estava cheia de um líquido de cor, entre o azul escuro e o preto, cheirando a óleo queimado e graxa ao mesmo tempo.
         O almoxarife, Geraldo Manoel, que sempre era o mais afoito e metido a saber de tudo, graças aos vários e de diversos tipos de cursos feitos por correspondência, com altivez de um conhecedor, se abaixou, enfiou a mão no líquido da cor de petróleo e gritou:
- É petróleo, Doutor Érico, é petróleo!
- Deixe ver isso, tchê..., mas bah! É mesmo! Barbaridade!
         Encheram um galão que sempre levavam na caminhonete e voltaram ao acampamento. Na segunda-feira, bem cedo, o Doutor Érico não pensou duas vezes e fez contato com os chefões da empresa, via rádio, na capital mineira e contou o ocorrido, falou sobre o ‘achado’.
         - Mande-nos uma amostra para análise, Dr. Érico – foi a ordem de um dos donos da empresa.
         O alvoroço foi geral no acampamento e durante a semana toda só se falava que era segredo e que a empresa iria comprar aquelas terras e que todos iriam ganhar um bom dinheiro.
         Na sexta-feira daquela mesma semana, o Dr. Érico foi chamado na sala de rádio do acampamento para atender a um chamado urgente. Era mais de dezoito horas e quase todos os trabalhadores estavam por perto da sala de rádio e, ficaram com a atenção voltada ao som do rádio amador. O pobre do gaúcho levou a maior bronca dos donos da empresa. Foi assim o diálogo:
         - Dr. Érico, é o Dr. José Lúcio Pingente, estás na escuta? Câmbio!
         -Sim, na escuta, prossiga, câmbio!
         - O petróleo da sua descoberta e que mandaste para análise, é apenas óleo de motor queimado. Não é petróleo bruto não. Que brincadeira foi essa? Explique-se!
         O Dr. Érico ficou vermelho de raiva e vergonha e se desculpou com os chefões e disse que iria averiguar melhor.
         O que aconteceu foi o seguinte: o Maurílio, ajudante responsável em descartar os óleos queimados dos motores das máquinas e veículos, não achou certo jogá-los num igarapé que passava ao lado do acampamento, como mandara seu chefe e descobriu aquela cratera e lá fazia o descarte todas as manhãs bem cedo e por isso ninguém o vira fazendo isso. O Dr. Érico só ficou chateado na hora, porque entendeu a boa intenção do Maurílio, mas decidiu mandá-lo de volta para perto do seu Ananias em Muriaé. O pobre do Maurílio demorou quase uma semana para chegar em casa e ainda levou um sermão do seu Ananias de quase duas horas.

         Mas, continuando...
         “Passando defronte a casa do Maurílio, deu-me um estalo nas ideias e pensei em voz alta:
            - É isso! Para quem precisa de cinquenta cruzeiros e só tem quinze, o jeito é comprar um bilhete de loteria aqui na Dona Geralda e, quando for dezoito horas, saberei se vou ao cinema ver o filme ou não!”

            Dona Geralda era uma batalhadora. Num cômodo de sua casa, que dava para frente da rua, montou uma banca de jornais, revistas e também vendia bilhetes de loterias. A Maria Emília, filha dela que tinha uns quinze anos, era quem ficava na banca, quando não estava na escola.

         “Chamei por Dona Geralda e ela veio prontamente me atender:
            -Entre Lê! Como vai a sua mãe?  O que você quer?
            - Dona Geralda, a mãe me mandou comprar um pedaço de bilhete da Loteria de  Minas que corre hoje. A senhora tem algum?
            - Tenho sim, Lê, qual você quer?
            Eu não tinha nenhum palpite. Fiquei por alguns segundos olhando para ela quando ouvi o galo índio do seu Tião Igreja cantar tão alto e bonito que até parecia que era para mim:
            - Foi no galo, Dona Geralda, ela pediu para eu comprar um pedaço do bilhete do número do galo!
- Estás com sorte, Lê, eu ainda tenho uma tirinha desse bicho; são quinze cruzeiros!
- Se der estes números quanto eu, quer dizer, quanto a minha mãe ganha, Dona Geralda?
        - Se der a unidade final ela ganha os quinze cruzeiros de volta; se der a dezena, ganha cinquenta cruzeiros; se der a centena ela gan... - interrompi.
            - Tá bom, a minha mãe só precisa de cinquenta cruzeiros – paguei , peguei o bilhete e guardei, com todo carinho, no bolso da camisa e retornei ao meu trajeto rumo à padaria."

            - Mas espere aí, pai, o senhor mentiu quando falou que o bilhete tinha sido a vovó Rosa que pediu para o senhor comprar; e isso não é certo! O senhor tá ‘careca’ de nos pedir para não mentirmos?
         - Eu sei Felipe, mas se eu falasse que era para mim a mãe do Maurílio não me venderia e eu estava desesperado – falei meio querendo dar razão ao que eu fizera.
        - O Felipe tem razão, pai – retruquei como que não aceitando a justificativa do meu velho, mas ele insistiu:
         - Ambos estão certos, meninos eu... - interrompi meu velho:
         - Continua com a história, pai, já deu para entender!
- Está certo, Thiago, eu continuo...
- Espera aí pai, antes nos diga quem era o Tião Igreja, o dono do galo índio – interrompendo a narrativa, o Felipe perguntou.
- O Tião igreja era um senhor com seus setenta e cinco anos; era meio surdo e bastante míope. Gostava muito de gibi de terror. Eu e a meninada estávamos sempre trocando esse tipo de gibi com ele. E foi com ele que aumentávamos nossas coleções. Outros meninos nos davam dois gibis de terror por um de aventuras de selva ou de faroeste e depois o seu Tião nos dava dois gibis que não eram de terror por um de terror. Por isso, e porque ele contava umas histórias engraçadas de sua juventude, nós gostávamos dele.
Certa vez fui à vendinha dele, comprar massa de tomate em lata para minha mãe e, antes de eu entrar na porta do estabelecimento, um dos irmãos Ton, o Helton, passou na minha frente e no balcão gritou ao Tião:
- "Me" dê dois cruzeiros de balas das que o senhor faz!
- Está bem, meu filho, toma – disse Tião enchendo as mãos do moleque e, este, deixou o dinheiro todo enrolado sobre o balcão e saiu correndo.
Seu Tião pegou o dinheiro, desenrolou e, nós vimos que era golpe do moleque. O dinheiro era só a metade de uma nota. Seu Tião sorriu sem graça e me falou:
- É a segunda vez que esses irmãos fazem isso. Eu não posso correr atrás deles; fico no prejuízo. Acho que eles fazem isso em outro lugar também, pois veja as metades das notas não se ‘casam’ – falou isso colocando as duas metades das notas que recebera lado a lado.
Eram três os tais irmãos: Hamilton, Helton e Hilton – filhos de um policial de Polícia Rodoviária Federal. A família deles era a única a ter televisão no bairro, além é claro, da do dono da fábrica de doces. Todos os meninos tinham receio deles, pois diziam que eles aprendiam luta livre assistindo estes tipos de programa na TV.
Vendo a impotência do meu amigo da vendinha falei-lhe:
- Posso dar uma ideia, seu Tião?
- Claro que pode, Lê!
- O senhor me arruma os papéis que são embalados suas balas? Vou fazer umas balas da mesma cor das suas e quando eles vierem aqui de novo comprar balas, o senhor entrega das que eu vou te trazer, ok?
- Sei não... , mas toma, pode levar!
No outro dia, à tarde, o seu Tião tinha ido para Juiz de Fora fazer uma consulta médica e a mulher dele ficou na vendinha e entreguei as balas falsas a ela, que já sabia do plano. Eu e o Angelim pegamos uma pequena caixa de papelão e colocamos uma pedra dentro e ficamos perto da casa dos Ton. De repente vimos um dos irmãos, o Hilton, o maior deles indo em direção à venda. Esse Hilton era metido a bater as faltas nos jogos de futebol das tardes no campinho. Nenhum dos meninos gostava dele, mas todos concordavam que ele chutava bem forte a bola.
Na espreita, sem sermos vistos, eu falei ao Angelim:
- Olha lá, ele viu que é a Dona Cotinha que está na venda e entrou; daqui a pouco ele sai de lá correndo com as balas!
O Angelim pegou a caixa com a pedra e colocou no meio da calçada perto da casa deles. Não deu outra, o Hilton saiu correndo, e quando tomou distância da vendinha, seguiu andando, calmamente,  rumo a casa dele. Ao ver a caixa de papelão no meio da calçada segurou as balas firme nas mãos e começou a narrar, como um locutor esportivo de futebol, na hora em que o jogador ia bater a falta:
- Atenção! Hilton, o craque da torcida, vai bater a falta; preparou, correu e... pimbaaaaaaiiiiiiii!
A sequência do lance foi de gritos de dor e um estalido:
-Aiii, caramba, machuquei o dedão, ai, ai, ai...
Ele não quebrou nada, só destroncou o dedão e rasgou toda, a Conga azul e novinha – um antecessor do tênis atual. Saiu mancando, desenrolou uma bala e colocou na boca. Quando ele sentiu o gosto disse um palavrão e cuspiu longe a bala. E não é que o idiota provou todas as balas antes de jogá-las fora!
No dia seguinte fui eu e o Angelim na venda do seu Tião Igreja e rimos até doer o queixo e falei:
- Esses não fazem mais  maldade contigo, meu amigo!
- Mas Lê, de que eram as balas que você fabricou – perguntou-me.
- Era barro, sabão e titica de galinha, seu Tião!
- Aí foi que ele riu para valer.

- Eca, pai – falou o Mateus.
            Mas continuando...

EPÍLOGO:
 Galo na CABEÇA

Um comentário:

  1. ***** gostei da sua escrita eu também venho tentando fazer isto mas é difícil ,pena que a ultima que li a do casório tem uma continuação e eu não achei

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