ARRET
A NOVA MORADA
UMA
NOVA VIAGEM
No sítio, no vale virtuliano do Rio do
Peixe, por volta das duas horas da manhã, Nhô preparava um café para acompanhar
a saborosa broa:
-
Nhô, só por este café com broa, feito pelo senhor, vale a pena vir de Arret até
a Terra – elogiava o Kobauski.
-
Brigado, Kobausqui! Ieu queru qui ôce mi responda uma pregunta!
-
Pode fazê-la, Nhô!
-
Tem muntcha coisa vinu si chocá cum a nossa Terra?
- Tem
Nhô! Um meteoro, que passou a novecentos mil
quilômetros de distância e tinha mais ou menos cem metros de diâmetro, foi o único que
captei antes de iniciar a viagem transitória. Em novembro próximo, um cometa
vai passar, não tão perto, mas vai dar para avistá-lo até de dia, porém não há
perigo. Este cometa não tem nada a ver com a velha morada.
-
Foi bom você ter vindo, Kobauski e esclarecido sobre isso para nós. Ficaremos
menos preocupados – falei-lhe.
-
I comu vai nossus amigu lá em Arret – perguntou o Nhô.
-
Ótimos! Quando os vir vão estranhar a diferença. O Stephan, Beijo e Juliano vão
com uma expedição a um sistema solar que fica na constelação de Libra em missão
de pré-colonização; lá existe um planeta idêntico à Terra que orbita a estrela
Gliese – como é batizada aqui na Terra. Tem quase a mesma massa, órbita
semelhante em distância em torno de uma estrela, como este Sol daqui. Tem
temperatura semelhante, água líquida e atmosfera com poluição, praticamente
zero. Já o detectamos a cinquenta anos terrestres e desde então o temos
estudado. Já temos uma rota que podemos usar para viagens transitórias sem
perigo nenhum. Daqui da Terra até lá são vinte anos luz de distância.
-
Mas, Kobauski, a nova morada não é a ideal para a sua raça – perguntei.
-
Sim é seu Lê, lá ficaremos se nada acontecer –
respondeu-me o arreteriano.
-
Mas para que então essa, digamos assim, nova Terra?
-
Porque lá criaremos uma nova raça humana. Vamos levar daqui da Terra, só três
casais de cada animal e o banco de sementes que induzimos há muito tempo as
nações terrestres a montarem – interrompi o alien:
- “Criaremos
uma nova raça humana”..., você disse, não entendi – falei-lhe.
-
É o seguinte, seu Lê, eu explico: lá já existe uma espécie de ser bípede tal
qual existiu aqui na Terra há muitos anos. São extremamente primitivos. Estamos
em estudos avançadíssimos e prestes a chegar a uma conclusão. A cadeia de DNA é quase igual à de vocês humanos. Falta-lhes o
gene da inteligência e do raciocínio lógico – interrompi o Kobauski:
-
Então são mais semelhantes aos nossos simeos!
-
Não, meu amigo, o aspecto deles é de humanos como vocês. Faremos lá
modificações genéticas e, eles em gerações futuras – não muito distantes –
tornar-se-ão como vocês humanos.
-
Entendi, mas porque não fazem essas modificações genéticas usando a sua raça,
Kobauski? Não deu certo com você e a chinesinha, mãe do Etevaldo?
-
Deu certo em termos, pois o Etevaldo é estéril. Por mais que tentamos não tem
como torná-lo fértil. É um defeito genético que não tem conserto. Com o
Etevaldo só clonando e os clones sairão como ele: irreprodutível! É a natureza
informando que não é viável criar uma raça assim.
-
Entendi..., acho que entendi! – falei-lhe.
-
E quando essa expedição partirá para a Terra II? Podemos chamar assim?
-
Sim, na verdade é esse a denominação. Partiremos em comboio em poucos meses
terrestres. O senhor e o Nhô gostariam de ir nesta expedição?
-
Ieu já tô prontu – falou o Nhô que tirava outra broa do forno e a
fatiava.
- Êita! "véi" aventureiro, só!
-
Eu, também, irei com certeza, é só me avisar - reservei a minha vaga na viagem.
-
Então está acertado, quando faltar dois dias terráqueos, mandarei avisá-los,
ok?
-
Ok, Kobauski, combinado!
-
Eh! Eh! Aí, seu Lê, u sinhô só cumeu um tiquim di nada da broa; tá ruim?
-
Não Nhô. É que eu ando com uma gastrite horrível e uma dorzinha enjoada do lado
esquerdo da barriga; quando chegar em casa vou ver isso com um médico de
estomago.
- Bom,
a prosa está muito boa, mas tenho que ir para Arret!
-
Você se esqueceu do meu pedido especial, Kobauski –
perguntei.
-
Claro que não, meu amigo, vamos até ao portal na caminhonete para buscá-lo.
Terão que fazer duas viagens, pois só dá para trazer um de cada vez. São
domesticados para viverem confinados e foram aperfeiçoados para comerem pouco, mas
comem qualquer tipo de alimento.
-
Ué, du que qui ôceis tão falanu?
-
Vamos lá buscar o primeiro – falei
Ao chegarmos perto das duas
pitangueiras, Kobauski levantou a mão direita e pronunciou duas palavras e o
portal surgiu. Ele entrou e trouxe...
-
Óia só, seu Lê, dois java-porcu i dus bitelão – espantado
gritou o Nhô.
-
Ah! E eu pensando que você teria esquecido, hein Kobauski?
-
Seu pedido é uma ordem amigo Lê! Fala para a sua amiga que não precisa nenhum
cuidado especial com eles. A única trabalheira que ela vai ter é que eles bebem
muita água, aliás, qualquer tipo de água, ok?
-
Intão essis bichão tão feitchu, us chiquêro da Xerê fica quaji drentu da sanga,
linhais, eis não tem cercadu nus fundus que dão drentu da sanga – falou o
Nhô.
-
Ótimo para eles então – falou o Kobauski e prosseguiu:
-
Seu Lê, encoste a GMC naquele barranco lá perto da estrada que fica na altura
certa para eles entrarem na caçamba da caminhonete. Sabe, pensando melhor, acho
que vai dar para levar os dois de uma só vez; a carroceria e bem grande!
Dito e feito. Meio apertados, mas deu
para colocar os dois para fazermos uma só entrega à Xerequéia.
- Senhores,
tenho que ir. Mandarei um mensageiro dois dias antes de nossa partida para a
Terra-II, ok?
-
Ok, meu amigo – respondi-lhe.
-
Intão inté, intão, Kobausqui!
Kobauski entrou no portal, fez um sinal
e disse três palavras e o portal se fechou.
Exatamente às seis horas e um minuto
rumamos para o casebre da nossa amiga a fim de lhe entregar os dois presentes.
E, lá chegando, Xerê estava na beira da
sanga dando de comer à grande quantidade de java-porco. Aproximamos com a GMC e
ela:
-
Caramba gente, mas que animais bonitos!
-
São us qui u seu Lê ti prometeu, veia assanhada, lembra?
-
Lembro sim “véi”, mas de onde eles vieram?
-
Isto não tem a menor importância, amiga. O que importa é que de hoje em diante
terás reprodutor para um bom tempo.
Xerê chegou às lágrimas:
-
Muito obrigado! Vocês são realmente de minha família!
-
Você merece amiga! Faça bem proveito – disse-lhe.
-
Eu convido vocês para o almoço de páscoa comigo! É um meio de lhes agradecer,
ok?
-
Ok, Xerê, lá pelas treze horas nos voltaremos aqui. Agora temos que ir ok?
-
Ok, meus amigos, muito agradecida!
Deixamos os cachaços no mangueirão perto
da sanga e falei ao Nhô:
-
Vamos parar na padaria do Portuga e tomar café e depois vamos passar lá no
acampamento do Ison Comet e ver se ele se lembra de alguma coisa do que
aconteceu, ok?
-
Tô cuntigu, misifiu!
Ficamos na padaria proseando e
degustando pastéis de Belém que o seu Manoel faz como ninguém. Resolvemos,
então, irmos à delegacia falar com o Carabina, antes de nos dirigirmos à tenda de Ison, e ao engatar a primeira marcha na
Vermelhona e sair, ouvimos um estouro:
-
Furou um pneu traseiro, Nhô! Vamos perder uns quarenta minutos para trocá-lo!
-
Fazê u quê né, seu Lê? Temu que trocá iele, eh! Eh! Eh!
Na delegacia por volta de nove e vinte
e dois minutos:
-
Eu, seu Carabina, tenho certeza no que te digo. Ontem a noite não teve culto
por causa da morte daquela obreira e eu fui para casa. Hoje, por volta das oito
e trinta e cinco, fui até ao local da tenda e não tinha nada lá. Estava tudo
vazio! Parece que nunca teve ninguém lá – falava Xerequéia meio apavorada.
-
Bom dia, pessoal – cumprimentei todos na delegacia.
-
Bom dia seu Lê, Nhô... – responderam os presentes.
-
Ouviu isto, seu Lê? O pastor, cujo nome é Ison Comet, sumiu “no rastro do
cometa”; segundo a Dona Xerequéia. Mandei o cabo Tição lá, com uma viatura,
buscá-lo.
-
Eu ouvi e já imaginava isso, delegado. Quando vínhamos para Virtuália, antes de
pegarmos a rodovia Sideral, vimos uma carreta esquisita passar no
entroncamento, acelerando e desrespeitando as leis de trânsito, pois estava a
mais de cem quilômetros por hora. Foi a alta velocidade que chamou - nos a
atenção para ela; não é Nhô? – falei
-
É issu memu Carabina e a carreta era toda vermeia i amarela cuns desenhu
isquisitu – respondeu o Nhô.
-
Vamos esperar a volta do cabo Tição, mas tenho quase certeza que o tal pastor
fugiu. Mas, não houve crime. A dona Rolecina morreu de um ataque cardíaco
fulminante. Queria só o depoimento do pastor para arquivar o BO!
-
Parece que é o mais lógico, Carabina. Já que não há mais o que fazer, mas... - fui
interrompido.
-
Nhô, seu Lê, vocês vão almoçar comigo lá no meu casebre, lembram? Eu preparei
uma comida especial, ou seja, lombo de java-porco recheado com calabresa. E
tem, também, salada verde – rúcula, alface e almeirão – maionese e suco de
laranja com acerola. Além, é claro, da caipirinha com a purinha do Nhô. Hoje de
manhãzinha, quando vocês foram lá em casa eu fiquei tão contente com o presente
que me esqueci de dizer que ontem, quando fui atrasada para oculto, pois
preparava o almoço de domingo de páscoa, já não tinha ninguém lá e o pastor foi
muito estúpido comigo. Ele me disse que não me conhecia e que procurasse outra
igreja. Ah, agora me lembro! Eles estavam carregando uma carreta vermelha e
amarela da mesma cor da que vocês viram!
-
Nóis vai armoçá cocê, misifia, pódi aguardá – falou por
nós dois o Nhô.
Duas horas e trinta minutos, logo após o
delicioso almoço de páscoa na moradia da Xerê, voltávamos para o sítio do Nhô
e, na boleia da GMC, ele me perguntou:
-
Pru que ôce num deu u indereçu, di vera, du pastô prô delegadu, seu Lê, ôce num
viu tudim naquéias mánicas?
-
Eita “véi” esperto, sô! Acontece que o caso foi arquivado e se eu falasse, o
delegado ia querer saber onde eu tinha conseguido as informações e daí... - Nhô corta a
minha conversa:
-
Daí é qui ieu já intendi, misifiu!
-
Nhô, quando chegar ao teu sítio vou tirar um cochilo embaixo do parreiral de
uva, ok?
-
Tá bão, misifiu! Ôce viu qui ieu coloquei uns ganchu di rede lá?
-
Isso mesmo, meu amigo, e depois da soneca vou ter que voltar para casa, aliás,
para outro tipo de sítio e terminar o descanso do feriado com a patroinha!
-
Ôce é qui sabe, seu Lê!
No sítio:
-
Seu Lê, achu mio u sinhô colocá a redi na varanda da cunzinha; óia só u temporá
qui tá armanu lá nu horizonti!
-
Tem razão Nhô, vou fazer isso! Depois da chuva eu me mando!
-
Intão tá, intão. Vô aproveitá prá coiê umas uvas madura, antes da chuva, procê
levá para a tua patroinha, tá bão?
-
Tá bom, “véi”, a Rô adora uvas, suco de uvas, picolés de uva, sorvete de uvas,
aliás, tudo o que é de uva ela...
-
Ei Lê, acorda! Sai dessa espreguiçadeira que já está começando a chover. Olha
só o toró que tá vindo lá do lado do oceano! Venha tomar café e saborear as
uvas importadas que o Reinaldo trouxe lá da importadora da cidade. Levanta logo
e vamos ajudá-los a preparar o almoço de páscoa – falava a Rô
ininterruptamente.
-
Tá ok, paixão, mas antes vou tomar um antiácido e umas cem gotas de dipirona
que essa gastrite e essa dorzinha no lado esquerdo da barriga “tá me matando”!
-
IIIIhhh, Lê você tem que ver o que pode ser isso, com doença não se pode facilitar!
-
Tá, assim que chegar a Juiz de Fora eu prometo que vou ver isso!
Continua em:
TERRA
II
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