sábado, 16 de março de 2013

COISAS DA VIDA


AINDA EXISTEM
 OÁSIS

                Houve um tempo em que eu tinha um furgão. Era uma Kombi antiga e a agreguei numa transportadora para fazer entregas fracionadas nas cidades de pequeno porte, nas proximidades de Juiz de Fora:
- Seu Lê, esta é a sua rota. Você vai levar mais de mil quilos na tua viatura. Será que ela aguenta – falou-me um dos donos da transportadora.
Peguei o romaneio das notas fiscais das mãos dele e verifiquei o meu percurso:
Dez cidades e, em média, seis entregas em cada uma. Quis dialogar com o Sr. Carlos:
- Carlão, o percurso é quase todo em estradas de chão e já são nove e quarenta e cinco; não conseguirei fazer essa rota, já que as dezoito horas terei que estar de volta!
- É o que sobrou para você! Os outros agregados são todos carros novos e acho “sacanagem” colocá-los em estradas ruins. Você quer desistir?
Engoli seco, baixei a cabeça, não falei mais nada e comecei a carregar a Kombi surrada e com motor “cansado” devido aos milhares de quilômetros rodados.
Por volta das doze horas e trinta minutos eu estava fazendo uma entrega em Abaiba, distrito de Leopoldina. Lugarejo agradabilíssimo e, chegar até ele, foi por estrada de chão batido. Porém, todo o perímetro urbano era em paralelepípedos bem assentados; calçadas bem planejadas; casas simples, mas bem construídas; crianças indo à escola que ficava no final da rua principal, atrás da modesta  igreja, e pessoas diversas cuidando de seus afazeres.
A entrega, de dois volumes, seria no armarinho da Tia Lu. Ao terminar a entrega dona Lurdes me perguntou:
- O senhor já almoçou? Se quiser vamos nos servir daqui a pouco. Eu e minha auxiliar fizemos uma macarronada com almondegas aqui mesmo na cozinha da loja!
- Não Dona Lu, obrigado, não posso parar nem para beber água. Se demorar muito, num determinado lugar, posso não completar minha rota – falei-lhe.
- Eu entendo – disse-me ela.
Na saída deste distrito, numa ruazinha estreita e com casas dos dois lados, a Kombi, sozinha, desengatou a marcha. Tentei engatar a segunda e notei que parecia que a alavanca do câmbio estava em ponto morto mesmo engatando as marchas.  No embalo da descida da rua encostei o veículo e vi o óleo escuro da caixa de marchas gotejando no chão. Coloquei as mãos no rosto e exclamei:
- Estou perdido!
Num instante juntaram curiosos:
- Moço, eu já tive Kombi desse mesmo modelo e ano da tua e, isso que aconteceu, foram os parafusos que une a caixa no motor. Com o tempo e a trepidação eles se afrouxam e caem.
- É, pode  ter sido isso mesmo – respondi e pensei: -“Pouco entendo de mecânica, mas seja lá o que for o certo é que me ferrei!”
- O pior é que meu celular não funciona aqui neste lugar e eu... – uma senhora, até bem bonita, que estava no portão de sua residência  me interrompeu:
- Ei, moço, se o senhor quiser, pode ligar para a sua transportadora daqui do meu telefone fixo. O DDD é o mesmo e não me custará nada!
Pensei comigo:
- "Incrível, a linda senhora prontificou-se a me ajudar sem mesmo me conhecer?"
- Eu aceito, se não for incomodo!
Enquanto fazia a ligação, sentado no sofá da sala daquela senhora, uma vizinha chegou e a chamou:
- Marilene, eu vim te devolver a vasilha na qual tu me  mandastes os biscoitinhos de nata!
- Oi, Susana, entre e venha até a cozinha – disse à amiga.
Ao passar pela sala:
- Boa tarde moço – disse-me Susana.
- Boa tarde, senhora!
- Aqui está sua vasilha Lene e te trouxe um agrado, espero que goste – disse Susana.
Marilene abriu a tampa da vasilha e exclamou:
- Ohhhh! Merengues! Eu adoro merengues! Muito obrigada, amiga!
Consegui fazer a ligação. Finalmente o telefone da transportadora desocupara e eu expliquei a situação para o Carlão:
- “Se” vira, o problema é seu e dessa sua Kombi velha – foi o que ouvi antes de ele me “bater” o telefone na “cara”.
- Dona Marilene, muito obrigado! Já falei com a transportadora. Quanto lhe devo?
- Não é nada não, moço, foi um prazer ajudá-lo! Resolveu?
- Não, ainda não! - respondi e pensei:
- "O que farei? O que fazer?"
Sai, deitei embaixo do furgão e realmente tinha perdido dois parafusos da junção caixa/ motor e o óleo continuava pingando.
Sentei em um banco de madeira em frente a uma das casas imaginando uma solução:
- Ei moço, o senhor quer beber água? Tenho água de mina fresquinha na moringa de barro – perguntou-me uma senhora, de sua janela, do lado onde eu estava.
- Quero sim e lhe agradeço! – Dona Alzira serviu-me num copo, desses que usam como embalagem de massa de tomate industrializado.
- “Que água abençoada e deliciosa!” – pensei comigo.
- Boa tarde Alzira, você me empresta uma medida de café em pó? O meu acabou e só vou torrar mais amanhã cedo, aí eu te devolvo.
- Tenho sim, me dê a sua vasilha – Dona Alzira encheu a caneca da vizinha e trouxe junto uma sacola de papelão:
- Tome essas mandiocas que o Tião trouxe da roça. Coloque para cozinhar e quando você estiver coando o café ela já estará cozida. Elas são “maciínha”. Vão descer bem com o café da tarde, não vai?
- Nossa se vai, obrigada! Daqui a pouco vou te trazer uns abacaxis que o meu Tonho trouxe lá do sítio: são umas delícias os desta safra.
Voltei para a Kombi. Estava sentado no banco do motorista e com a cabeça deitada sobre o volante quando uma motocicleta parou perto de mim e, logo, aquele homem que tinha dado o diagnóstico do defeito também se aproximou:
- Ei “seu” moço, este rapaz da moto é meu filho. Ele estava em Leopoldina e antes de voltar, aqui para Abaiba, me ligou – coisa que ele sempre faz -, e me perguntou se eu precisava de alguma coisa da cidade. Aí eu tomei a liberdade de pedir para ele trazer os quatro parafusos para a sua Kombi. Posso te ajudar?
Sem brincadeira nenhuma, veio-me lágrimas aos olhos e agradeci imensamente a ajuda e ele se ofereceu para colocar os parafusos, pois tinha muita prática.
Em quinze minutos:
- Pronto moço! A sorte é que não vazou todo o óleo. Dê partida na “moça” e veja se engata as marchas!
Fiz o que ele pediu e a Kombi parecia nova:
- Graças aos senhores, ainda vai dar tempo de fazer toda a minha rota de entrega. Quanto lhes devo, amigos?
- Ora, só reponha o quanto gastamos com os parafusos, só isso! E já que o senhor tá atrasado nas entregas, poderá perder mais uns minutinhos e almoçar comigo, meu filho e minha patroa. Moro aqui pertinho  e o almoço já tá na mesa.
Foi o mais saboroso arroz, feijão, frango com quiabo, angu, couve e salada de rabanetes que comi em toda a minha vida.
- Senhor Olavo – este era o nome do meu salvador -, as pessoas daqui deste lugarejo são sempre assim prestativas – perguntei antes de voltar para minha rota de entregas das mercadorias.
- Aqui em Abaiba nós nos conhecemos a todos; acostumamos nos ajudar sem nenhum interesse a não ser o de servir com o que podemos e a quem pudermos!
Agradeci, novamente, e continuei minha rota e pensei alto no volante do barulhento veículo:
- Seria esta uma comunidade perfeita ou seria apenas um oásis? Quantos oásis assim existirão neste mundo civilizadamente globalizado?


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