ARRET
A NOVA MORADA
OS TRÊS
PASTORES
Meados de março, após a festa do
casamento de Ana Paula:
-
Muito obrigada Rô, você é mais que uma
amiga para mim – disse Aninha, ao se despedir, em partida para a
lua-de-mel.
-
Você merece, minha amiga, sejam felizes – falou a Rô com lágrimas de alegria em
seus olhos brilhantes.
Sábado, dia vinte e três de março ,
quatorze horas:
-
Você já preparou a Vermelhona, não é Lê – perguntou-me a patroinha.
-
Sim, ela está no ponto para irmos para Queimados, na pousada Sertaneja.
-
Então me ajude a terminar de arrumar esta sua mala, ok?
-
Tá ok! Vou aproveitar e levar esses discos de vinil, de música sertaneja, para
o Reinaldo. Eu prometi a ele!
Dezessete horas e um minuto na entrada
da pousada:
-
Lá estão eles: Kellyn, Reinaldo...olhe só Lê, como o Vitório cresceu; já está
um homem feito!
- É
mesmo, o tempo passa voando!
-
Oi tio Lê, Tia Rô, a quanto tempo hein – falou o Vitório com a voz de rapazote.
-
É mesmo! Como você está bonito rapaz – respondeu a tia.
-
Ei, mas você está com esta enorme mochila nas costas; vai viajar, Vitório – perguntei.
-
Vou para Petrópolis com a turma da faculdade. Só volto depois do feriado!
-
E aí , Reinaldo, tudo bem – perguntei ao alegre anfitrião.
- Tudo na mais "tranquila tranquilidade"! Sejam
bem vindos! Um minuto que vou atender o telefone que toca. Fiquem à vontade!
-
Está vendo Tio, ainda bem que vocês cumpriram a promessa e vieram; a pousada está vazia e só estamos eu e o
Reinaldo. Os dois funcionários – marido e esposa -, alegaram estar com dengue.
Mandou-nos até atestado de dez dias. Pode “uns trem” desses – exclamou
Lellyn.
-
Mas está acontecendo surto de dengue por aqui, Sobrinha – perguntei.
- Não
Tio, eles devem ter pegado onde moram no subúrbio da capital!
-
Kellyn – gritou o Reinaldo –
aqueles pastores evangélicos confirmaram que estarão aqui amanhã cedo! Falaram
que confirmaram por e-mail anteontem, mas como não demos retorno, resolveram
confirmar por telefone. São trê casais e, inclusive, disseram que já depositaram o valor do
“pacote promocional”, que fizemos para eles, na conta da pousada!
-
Iuuuupiii – gritou minha sobrinha – que ótimo! Estamos sem Internet há três dias, tios. Foi logo após um
temporal de verão que ficamos sem computador. O Vitório disse-nos que queimou a
placa mãe da CPU. É por isso que a pousada está assim, sem hóspedes – justificou
a Kellyn.
-
Pode contar conosco para ajudá-los – prontificou-se a Rô.
-
Eu trouxe meu notebook, sobrinhos. Precisando é só anexá-lo no cabo de rede de
seu computador! – falei.
-
Que bom, Lê, vamos precisar sim – respondeu Reinaldo.
-
Eu queria ficar, mas a mãe entende que não poderia deixar de participar deste
evento com minha turma de faculdade – justificou-se nosso sobrinho por
deixar-nos.
-
Venham tios, vou alojá-los na melhor suíte que reservei para vocês – disse
Kellyn.
-
Pagaremos com nossos serviços, certo Kellyn, ah! Ah!, Ah!
- Ah! Ah! Ah! Tá bom Tio, o senhor continua o eterno debochado, ah!
Ah! Ah!
Vitório, após conectar meu notebook á
rede de Internet, montou em sua moto de 600 cc e gritou:
-
Tchau meu povo, até depois do feriadão!
Até por volta das duas horas da manhã a
cantoria, churrasco, caipirinhas – feitas com frutas colhidas no pomar da
pousada -, foi animada. A dupla de violeiros estava mais afinada do que nunca,
aliás, até a quarta caipirinha. Após essa pequena comemoração fez-se o silêncio
típico de um retiro sertanejo.
As dez horas, do dia seguinte, fomos
acordados por barulho de carros chegando. Eram os casais de pastores. Todos
senhores e senhoras de meia idade; rostos corados e reluzentes; carros do ano e
importados; roupas caríssimas de grifes famosas e uma felicidade geral que só têm
aqueles que conseguem as coisas com pouco ou nenhum esforço:
- Exesti um tipu di felicidadi, misifiu, a felicidadi epócrita - diria o Nhô Antônio Benzedô em sua genial simplicidade, se os avistasse naquele momento.
- Exesti um tipu di felicidadi, misifiu, a felicidadi epócrita - diria o Nhô Antônio Benzedô em sua genial simplicidade, se os avistasse naquele momento.
Um dos pastores calcou a mão na buzina
do carro acabando de vez com o tranquilo som da natureza e gritou:
-
Bom dia pessoal, chegamos para colocar alegria celestial nesta pousada
bucólica! Em nome do Senhor!
Reinaldo foi recebê-los:
-
Bom dia senhores! Por favor parem seus carros à frente de cada choupana que
contorna esta sede; as chaves estão nas portas!
-
Tudo bem senhor...senhor... – perguntou o pastor que parecia liderar
os outros ao dono da pousada.
-
Reinaldo – respondeu -lhe meu sobrinho.
-
Eu sou o pastor Cláudio e esta é minha senhora Maria. Os outros são: Eustáquio
e Carmem e, meu irmão caçula, Ricardo e a esposa Ana. Organizamos esta estadia
em nossa pousada para além de descansarmos e meditar, festejaremos meus trinta
anos de ministério e vinte anos de casado. E o principal é que, depois de vinte
anos de união com minha esposa Maria, fomos glorificados pelo Senhor com um
filho: Claudinho nascerá daqui a seis
meses!
- Oh!
Glória – gritou Cláudio.
-
Oh! Glória – respondeu os outros.
-
Meus parabéns, senhores – cumprimentou-lhes o Reinaldo.
-
Aqui está o menu que queremos para hoje no almoço de aniversário. Seria
possível estar pronto às catorze horas em ponto? Trouxemos as carnes! Foi presente
de nossos fiéis, está no isopor dentro da caminhonete do Cláudio. Vocês só
precisam fornecer os outros ingredientes – falou a Dona Maria.
Reinaldo pegou o menu, manuscrito num
pedaço de papel, leu e disse à senhora:
-
Com certeza! Às catorze horas estará tudo pronto! Vocês podem ficar à vontade.
A piscina está preparada e fica atrás daquele quiosque. Os cavalos , para
passeio pelos campos da pousada, ficam preparados em meia hora, após
combinarmos a hora do passeio, ok?
-
Ok! Ok! Ok! Aaaah! Que ar puro! Ohhhh! Glória – gritou
Cláudio.
-
Oh! Glória – ouviu-se a réplica dos outros seguidores.
Por volta das treze horas:
-
Tia Rô e Tio Lê, se vocês não estivessem hoje aqui nós estaríamos perdidos.
-
Isto para nós está sendo uma terapia, Kellyn. Pronto! Acabei de montar a salada
de folhas verdes. Era a última, a de legumes crus e a outra, de legumes cozidos, ficaram lindas, não é Lê?
-
Estão divinas – respondi-lhe.
-
O churrasco está indo para a churrasqueira: picanha, lombo de porco, asa de
frango e linguiça toscana – disse o Reinaldo.
-
O arroz, feijão tropeiro e farofa já estão prontos, também. Vou mantê-los na
bacia de banho-maria. Foram feitos com capricho no fogão á lenha – disse a
Kellyn
As catorze horas, o cheiro indescritível
do churrasco, chamou os pastores até ao varandão das refeições e onde se
localiza a churrasqueira.
Todos se esbaldaram na fartura e ficaram
falando de tudo, menos em religião. Só gritavam de vez em quando:
-
Oh glória! Oh Senhor!
Uma hora e meia depois os pastores se
levantaram de defronte a mesa de refeições e decidiram;
-
Senhor Reinaldo nós, eu e os outros pastores, vamos passear à cavalo,
poderias preparar três animais para nós – perguntou Cláudio.
-
Sim, em meia hora estarão prontos!
-
Vou ajudá-lo, Reinaldo – prontifiquei-me .
As dezesseis horas e cinco minutos os
pastores se despediram das esposas que estavam estateladas nas espreguiçadeiras
à beira da piscina. Reinaldo trouxe os animais selados e
preparava-se para acompanhá-los na sua mula tordilho:
-
Não, meu senhor, nós vamos sozinhos. Vamos conversar com o nosso Senhor. São
assuntos superiores a nível celestial – disse um pastor, o Ricardo.
Reinaldo, precavido, desceu da tordilho
e pediu à Kellyn uma cópia de um contrato de risco com os nomes dos quatro
pastores feito no ato no notebook e
impresso à laser.
-
Por favor senhores, só permitirei que saiam sem um guia se assinarem este
documento!
Cláudio leu e assinou e os outros dois nem
leram e, na confiança, assinaram.
Montaram com desenvoltura e Cláudio
falou:
-
Senhor Reinaldo, a glória do meu Senhor, deu a cada um de nós, guardiões
de seu rebanho, três grandes fazendas com cinco mil cabeça de nelore, cada uma.
Andar à cavalo é brincadeira para nós!
Os outros pastores:
-
Oh glória! Oh Senhor – e começaram a dar gargalhadas insanas.
Eu assistia aquilo tudo, sentado numa
cadeira de praia, e, em minhas mãos, um volume encadernado dos quinze primeiros
números de Os Sobrinhos do Capitão – gibi que guardo desde os meus doze anos de
idade. Dalí onde eu estava dava para ouvir a conversa das esposas dos pastores:
-
O Cláudio bem que podia comprar essa pousada e me dar de presente. Eu já não
aguento mais lidar com aquela gentalha pobre e enjoada. Ele poderia fazer um
apelo na igreja pedindo dinheiro para alguma obra e em dois meses ele teria
dinheiro para comprar essa pousadinha e, tem mais, nem precisaria mexer na
poupança – disse Maria às amigas.
-
Ah! não, Maria! Eu já dei essa ideia ao
Ricardo. Falei para ele deixar a igreja com o irmão dele e nós viríamos morar
direto aqui. Com a fazenda de Juara no Mato Grosso e os dízimos, nós podemos
viver tranquilos. E, além do mais, afastaria o meu marido do assédio daquelas
mulheres assanhadas da comunidade.
-
Então tá, não vou falar com Cláudio... mas, o que o Ricardo respondeu? – perguntou a
Maria.
-
Ele disse que até pode comprar, mas que
eu viria para cá sem ele. Eu traria uma arrumadeira, uma cozinheira e o motorista
Carlão. Ele não pode deixar a igreja com ninguém. Tem medo de ser roubado, ah!
Ah! Ah! – respondeu a Ana.
-
O motorista é aquele morenão de quase dois metros e “saradão” – perguntou a
Carmem.
-
É ele mesmo! O safado me devora com olhares maliciosos – respondeu
Ana.
- Se
eu fosse você, aceitaria sem pestanejar – disse Ana.
-
Ah! Ah! Ah!Ah – foi a respostas das outras.
As conversas fúteis e vazias perduraram por
mais algum tempo até que Kellyn interrompeu-a:
-
Com licença senhoras, o lanche da tarde já está pronto. Não tem como trazê-lo
até a beira da piscina, pois tem muitas guloseimas. São quase dezoito horas e o
jantar será servido as vinte horas, como me pediram, ok?
-
Vamos lá meninas , esse ar puro da roça me deixa faminta – disse a
pastora Maria.
-
Aleluia, aleluia, oh glória! – gritaram as outras em frenesi
gastronômico.
-
“O ar puro a deixa faminta”, não é? O que essa senhora comeu no almoço daria
para sustentar uma pequena família por dois dias...affff...-pensou
Kellyn.
Ao sentarem, ao redor da farta mesa,
ouve-se tropel de cavalos; eram seus maridos que retornavam da cavalgada.
Reinaldo os recebeu, pegou os cavalos pelas rédeas e os levou para o estábulo.
-
As divinas bonecas estão nos esperando para o lanche da tarde – perguntou o
Cláudio.
-
Sim amores – falou Maria e todos se sentaram nas cadeiras perto de
cada esposa.
-
Ah! Que mesa bonita e farta – falou Claudio e prosseguiu:
-
Oh glória! Aleluia irmãos!
-
Oh glória! Aleluia – responderam, aos gritos, os outros.
-
A cavalgada me deixou exausto, sedento e faminto – falou
Cláudio e continuou a falar:
-
Agradeço por toda essa fartura, Senhor – e ordenou -, podem se refestelarem meu povo!
-
Nossa que povo porco à mesa – pensou Kellyn – se todo mundo que vai para o céu for assim, que inferno deve ser lá!
De repente a sessão da tarde da
televisão, que estava ligada na hora desse lanche, interrompe o filme – “O Dia
em que a Terra Parou” -, e, em plantão urgente, solta a notícia:
-
Atenção! Atenção! O santo padre, da Igreja Caótica Apostrófica Romana, renunciou ao cargo!
Mais notícias no Jornal da Nação das vinte e uma horas! E
retornaram a exibir o cult.
-
Chiiiii! – murmurou a Kellyn.
O pastor Cláudio teve que comentar:
- Tem-se que ter coragem, ter brio, o
dom da persuasão e ter saúde para mantermos os rebanhos do Senhor, caríssimo
chefe maior dessa igreja babilônica!
-
Oh glória; aleluia – freneticamente gritaram todos os outros e voltaram a devorar os quitutes.
Dez minutos depois o filme na televisão
é novamente interrompido:
- Atenção!
Atenção! Notícia urgente: em YEKATERINBURGO/CHELYABINSK, Rússia, uma chuva de
meteoritos deixa centenas de feridos e grandes perdas materiais. Reportagem
completa no jornal das vinte e uma horas – e retornam a exibir o filme da
década de cinquenta.
- Cof...cof...cof... – o pastor Cláudio
engasga e Reinaldo enfiou um tapaço nas costas dele:
- Cof... obri...gado...seu Reinaldo !
Temos que voltar para o Rio!
- Mas o que houve pastor – perguntava o
Reinaldo -, desculpa-me se bati com muita força nas suas costas! Vocês pagaram
o pacote por cinco dias e não ficaram, ainda, nem um dia completo?
- Então fica acertado assim: não lhes
devemos nada , ok? Tudo está correto – respondeu-lhe o líder dos pastores.
- Mas pastor Cláudio, meu irmão, o que
deu em você – perguntou assustado Ricardo.
- Não acredito que me fizestes esta
pergunta idiota, meu irmão – nervoso gritou Cláudio -, não entendestes o aviso
dos céus? Raciocine comigo: - o Senhor induziu o chefão da grande Babilônia a
desistir do mais alto posto e logo em seguida manda , lá do céu, uma chuva de
estrelas cadentes?
- Ooooooohhhh – foi a exclamação em
resposta, dos outros pastores e esposas.
- Vamos embora, rápido! É a nossa chance
de irmos aos nossos programas de rádio e TV e levantarmos uma fortuna com esses
dois assuntos. Já pensaram o quão impressionadas vão ficar as ovelhas do nosso rebanho? E quantos vão debandar da outra crença e vir para a nossa?
- Oh glória, oh Senhor! Aleluia! O nosso
pastor mestre é mesmo um iluminado -
falou Ricardo.
Em poucos minutos deixaram na estrada a
poeira de suas pressas e, com Reinaldo, um distrato assinado e dando por extinto
as obrigações estabelecidas no contrato anterior. O pastor não quis devolução
de nada, visto que a presença da pousada neste episódio foi obra do Senhor,
segundo ele próprio.
Kellyn sempre brincalhona gritou alto e
em bom som:
- Oh glória, aleluia falamos nos agora,
ah! Ah! Ah! Ah!
Rimos muito até altas horas da noite
quando a dupla sertaneja , alheia à tudo, se despediu, entraram na Caravan 69 e
seguiram para o Rio de Janeiro.
- A prosa está muito boa, mas vou
dormir, estou muito cansada – disse Kellyn.
- Eu te acompanho – falou Reinaldo.
- Vamos Lê! Vamos para suíte – ordenou
minha paixão e continuou a falar:
- Esta noite eu quero cair na cama e
entrar num sono profundo e só acordar lá pelas dez horas!
- Pode ir Rô, vou ficar olhando o céu
daqui desse interiorzão fluminense. Talvez eu tenha sorte de ver meteoritos.
Vou colocar uma espreguiçadeira no gramado, apagar todas as luzes e esperar.
Tenho certeza que verei algo!
- Então tá, então! Boa noite para todos
– disse a Rô bocejando.
- Boa noite – responderam todos.
Continua
em:
ISON
COMET
Para entender este texto tu tens que ir lá no início dos textos. Com o passar da leitura dos primeiros textos é que irás entender -
ResponderExcluircronologicamente -,este e os outros, até o final, ok?
Se quiseres contatos eis meu e-mail:
lecinof@gmail.com