sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

VIDA EM VIRTUÁLIA


ARRET
A NOVA MORADA


 O Casório

            A patroazinha, após as festas de final de ano, me disse:
            - Não vou mais esquentar a cabeça com lojinha de especiarias culinárias. Vou dar de presente para a Ana Paula que trabalha comigo, neste negócio, há cinco anos!
            - Se é isso que você quer e, está decidida, eu farei toda a tramitação. Primeiro você faz a rescisão da Ana Paula e só depois você transfere tudo para ela – instruí a desencantada empresária.
            - Ana vai casar em meados de março com um fornecedor nosso e, este será nosso presente para ambos. Já que me aposentei este mês, dedicarei, exclusivamente,  o resto de minha existência a ti e a nossa família! – falou a Rô olhando-me fixamente.
            - Mais do que te dedicas? Isto que é presentão! Retribuir-te-ei com quarenta dias de férias, ou seja, dez dias no sítio do Thiago, como ele já prometera e autorizou, mais trinta dias na praia de Salinas no litoral paraense. Vamo-nos a partir de vinte e seis de Janeiro próximo.
            - Que ótimo! Em março temos que estar aqui na cidade, pois seremos os padrinhos de casamento da Aninha com o Wellington, ok?
            - Então está resolvido! Vou encerrar uma auditoria dia vinte e cinco de Janeiro e só voltarei à ativa depois do casamento da Ana Paula. Deixo os preparativos para as nossas férias contigo, pois vou ter que dedicar tempo integral para eu estar liberado em tempo hábil.

            Vinte e seis de Janeiro, sábado, oito horas da manhã; dentro da GMC 1955:
            - Tudo pronto, Rô?
            Tudo! É só colocar os cintos de segurança e rumarmos para o sítio perto do parque ecológico de Ibitipoca! – respondeu-me.
            - No dia trinta e um de Dezembro, último, quando passamos por aqui... – fui interrompido:
            - Eu me lembro! Vamos parar , pelo menos,  dez vezes até chegar ao sítio, não é?
            - Sim! Estamos de férias e com tempo. Vamos ver as mudas de atêmia que plantamos. Você concorda?
            - Claro! Não precisava perguntar; eu também quero ver como elas se desenvolveram – respondeu-me.
             No primeiro riacho paramos perto de uma goiabeira silvestre e minha cara-metade espantada me disse eufórica:
            - Olha Lê, lá está a primeira que plantamos. Meu Deus, como ela se desenvolveu!
-  Como é gratificante ver que cooperamos com a flora e a fauna, não é meu amor – com os olhos marejados disse-me a sentimental esposa.
            - É mesmo! Esta nós plantamos a trinta metros do riacho e ela está agora com quinze centímetros. Lembra que fomos reduzindo a distância ente as plantas e os cursos de água?
            - Sim claro! Foi no “olhômetro”, mas foi assim!
            Quando chegamos a uns três quilômetros da estrada do sítio, fomos até as últimas três mudas; esta cerca de cinco metros do riacho:
            - Viu Rô? Estas estão com quase vinte centímetros e estão mais vistosas!
            - É mesmo! Quanto mais perto dos cursos d’água, melhor se desenvolvem.
            -A natureza é sábia. Veremos quais frutificarão primeiro e a qualidade dos frutos.
            - É mesmo, mas teremos que esperar um bom tempo – pensativa falou-me a Rô.
            No sítio só eu e minha esposa. Só daqui a dez dias é que meu filho virá com sua família. Até o caseiro foi dispensado. Thiago deu-lhe vinte dias de férias - dez dias o funcionário quis vendê-los.
            Liberdade total e merecida. Eu, a Rô, o silêncio da humanidade, o som do ribeirão, o cheiro do mato, a sinfonia dos pássaros, as noites estreladas e límpidas. O que mais faltava? Nada! Nem tempo para desfrutar de tudo.
           
            Como sempre, às cinco horas acordei. Deixei a Rô esparramada na cama king size e fui à espreguiçadeira da  piscina e lá soltei meu corpo; fiquei a olhar o céu. Um brilho passava acelerado rumo ao nascente e não é meteoro porque parecia ser guiado por alguma inteligência, pois parava abruptamente e depois acelerava.
            - Só não acredita quem não quer, mas que eles existem, existem!- pensei alto.
            - Em breve estarei rumando para Arret com meus amigos. E por falar neles, como andarão os preparativos para a viagem? Como será que...

            - O que aconteceu seu Lê? Precisa de ajuda – perguntou-me o delegado Carabina Doze quando me viu parado com a GMC 1955 de capô levantado e olhando o motor.
            - Obrigado, Carabina, mas não aconteceu nada. Pensei ouvir um barulho estranho. Deve ter sido só uma pedra que bateu no cárter do motor.
            - Esta estrada que vem de Realópolis, passando pelo subdistrito de Bispo cardeal, indo para Virtuália, às vezes tem pedregulhos soltos. Como sabes é proibido, por lei municipal, asfaltá-la. Este local é preservado pelo IVTA – Instituto Virtualiano de Total Preservação. Por aqui transitam muitas espécies de animais silvestres – explicou-me o delegado (se bem que eu já sabia de tudo).
            - Tem razão o IVTA. Passo por aqui porque me dá prazer ver tantos animais livres sem medo dos humanos e também porque... – fui interrompido:
- Já sei: porque é mais perto do “cafofô” do Nhô Antônio Benzedô; não é isso?
- Acertou delegado!
- Só que há “essas horas” ele já deve de estar saindo de casa para ajudar, o Biliato e o Lezivo, a preparar as “comilanças” para o casório.
- Casório? De quem, Carabina? – perguntei-lhe.
- Do Paulinho Goró! Vai dizer que não sabia?
- Não, não sabia. Quanto à vida particular o Goró é muito reservado – respondi-lhe.
- Isto é mesmo, mas a noiva foi publicamente na rádio e falou:
“- Eu estou aqui na rádio para estar anunciando que vou estar me casando com o Paulo Di Pauli domingo dia vinte e sete de Janeiro doze horas. Estou convidando todos para o casório, na capela do CMV, onde vamos estar recebendo a cumprimentação.”
- Obrigado por avisar-me Carabina! Vou acelerar a GMC e pegar o Nhô saindo para a cidade!
- Passei em frente ao sítio e vi que tinha luz acessa. Ele deve de estar lá, ainda, porque vi o Bitencourt pastando perto do ribeirão e, eles, com certeza irão para Virtuália na carroça!
- Tá legal! Vou acelerar e, se mal lhe pergunto: - o senhor está indo aonde?
- Para Bispo - Cardeal! Ligaram para mim em minha residência falando que viram o chupa-cabras na periferia daquele subdistrito ontem há “essas horas” e que já matou cinco cachorros – respondeu-me o Carabina Doze.
- Ok, Carabina! Precisando é só me solicitar!
- Podes crê, seu Lê!

            Perto do sítio do Nhô Antônio, quinze minutos depois, eu toquei a buzina da GMC.
- Ah! Dei sorte, ele ainda não atrelou o Bitencourt na carroça – pensei e, realmente, lá estava ele na cozinha passando o café.
- Bom dia, seu Lê! Qui bão qui ôce chegô. Ieu tava ti isperanu, pois nóis  vamu sê padrim du Goró. Num vai dizê qui num sabia si foi ôce memu qui garantiu qui ielis iam fica juntu!
- É mesmo Nhô! Foi eu quem incentivei esse casório, ah! Ah! Ah!
- Quem diria que o Goró, de bebum inveterado passaria a empresário e agora um homem sério e formador de família.
- Ôce, misifiu! Ôce falô, iscrivinhô i aconteceu, eh! Eh! Eh! Eh! Ôce sempri apareci na hora certa. O café tá prontu i tem: broa, queju frescu, mé, mamão, melância, ovu mixidu cum erva e sucu di romã! Podi si servi, misifiu!
- Café da manhã cinco estrelas, Nhô! Como o senhor conseguiu suco de romã - indaguei-lhe.
- Si alembra das sementi qui ôce mi troxe a muntchu tempu?
- Sinceramente não me lembro “véi”!
- Poizé, nem ieu mi alembrava qui joguei ielas lá na mata fechada pertu da nascenti du ribeirão. Ostru dia fui atrais di uns nhambu qui vi vuandu prá lá e vi umas romãzera bem grandi e carregadinha di fruta. Coí argumas e fiz sucu. Ficô danadu di bão; cada sementi era cuberta pur muntchu líquidu vremeiu!
- Ah! Tô me lembrando! Eu trouxe umas romãs da casa da minha mãe lá da capital. O meu filho mais velho plantou dessas mesmas sementes no sítio dele. São descendentes da romãzeira lá de Muriaé-MG, do jardim da Dona Amélia. Como o senhor conseguiu fazer o suco, Nhô?
- Ieu ixplicu, seu Lê: ieu distrinchei as fruta; dibuiei as sementi i coloquei eielas num panu limpim i fui apertanu qui nem um torniqueti. Aí, fui ripitinu issu até inche esta jarra. Num ponhei nem açúca. Porva i senti qui maraviá – falou estendendo-me uma caneca cheia de um líquido avermelhado. Ao prová-lo:
- Ahhhhh! Nhô, veio à minha mente as tardes quentes de Muriaé quando saboreávamos dessas frutas. Eram: eu, Angelim, Ciro, Djalma...
- Eh!Eh!Eh! É bão si alembra das coisa boa, né patrão?
- Não resta dúvida, meu amigo.

Vinte minutos depois:
- Vô atrelá o Bitencourt na carroça; ôce podi dexá a vremeiona drentu du garpão; arrumei lugá prela lá!
- Obrigado, meu amigo! Só vou pegar um despolpador de frutas e um multiprocessador profissional que eu trouxe para o Paulinho incrementar o negócio dele.
- Taí u seu presenti di casamentu, eh! Eh!Eh!
- Coincidência, coincidência, Nhô, ah! Ah! Ah!

No caminho da cidade:
- Onde será a festa depois do casório, Nhô?
- Vai sê na casa du seu Zé das Frô – respondeu-me.
- Nos fundos do terreno do cemitério?
- Ué seu Lê, ôce si isqueceu qui a Cindy Corbéia é prima du Zé das Flô? I qui a famía deie é us únicu parenti vivu deia?
- É mesmo, “véi”, eu havia me esquecido, mas, Nhô, será que o pessoal vai lá ao cemitério para o casamento e a festa?
- Us convidadu, qui são us amigu vão, seu Lê, podi di tê certeza. Dus amigu, só quem naum vai intra na festa é u Bitencourt, eh! Eh! Eh!  - incrível, mas quando o Nhô terminou essa frase o pangaré deu um longo relincho e parecia entender o que foi falado.

            Na cidade, na casa do Juliano, sete horas;
- Bitencourt, vô dexá ôce aqui dibaixo desse carváio. Tem grama a vontadi, vô te sortá da carroça, mais ôce vigia iela, tá bão?  Despois ieu ti tragu um bardi di água i umas ispiga di mio verdi, tá bão? – o velho cavalo deu um relincho longo e outro curto e o Nhô prosseguiu:
- Êta cavalu bão, quantu mis véi mais ispertu!
Pegamos os presentes e adentramos no cemitério:
- Seu Lê, Nhô, que bom que já chegaram, nós já estávamos preocupados - falou o Juliano.
- Bom dia Juliano, cadê o Beijo, seu Flôres e o resto da família – perguntei-lhe.
- Eles estão enfeitando a capela. Nós, ou seja, eu, Biliato, Lezivo, a Xerequéia e o Delfino, ficamos para preparar a festa. Tá quase tudo pronto: os espetos de carne de boi, frango e Java-porco, as saladas de legumes; arroz de alho e carreteiro; bolo; salgadinhos e doces. Só faltam fazer os sucos e as caipirinhas!
- Eu farei os sucos – antecipei.
- Ieu as caipirinha – disse o Nhô.
- Beleza – disse o Biliato – então mãos à obra!
- Vou deixar os presentes onde, Juliano – perguntei.
- Deixe na varanda da sala. Já tem um monte, de presente, que chegaram – respondeu, pelo Juliano, o Lezivo.
- Bah tchê! Acho bom tu te apressar que tu e o preto velho são os padrinhos no casório!
- Tens razão Gaúcho, mas em uma hora os sucos estarão prontos e na geladeira – respondi-lhe.
-As caipirinha tamém – falou em seguida o Nhô. – Tá bom tchê, vou ascender a churrasqueira.

Dez horas e trinta minutos na capela do CMV, ouvem-se a marcha nupcial. Paulinho, os padrinhos, madrinhas e o padre Orestino Treviso esperavam a entrada da virginal Cindy.
Todos, na capela pequena e lotada dos amigos do futuro casal olhavam quando a pesada e antiga porta rangeu e Cindy lá vinha sendo trazida pelo Zé das Flores ao som da inesquecível obra prima de Gounod.
Tudo corria normalmente e o padre fez a habitual pergunta:
- Se tem alguém contra essa união que fale agora ou se cale para.. – o vigário foi interrompido por um nojento barulho:
- Arrôut!
- Ohhhhh... – foi o murmúrio geral quando olharam para a porta.
- Caramba! Será o chupa-cabras – pensei ao ver aquela figura entre o umbral da porta da capela contrastando com o brilho do sol da rua.
- Por favor, responda quem é você? Tens alguma coisa contra essas duas pessoas  - perguntou o Orestino.
A medonha figura percorreu o corredor até a metade da capela e com voz quase gutural tentou falar:
- Eu... ic ... ic ... escutei barulho de música de casório e ...ic ... ic... queria ... – não terminou a frase e:
- Vem cá vivente! Quem tu pensas que és prá interromper o casório do meu amigo Paulinho – era o Gaúcho que, pegando o pinguço e beiçudo galego, pelo pescoço, levou-o para fora e prosseguiu:
- Bah tchê! – tu interrompeste o casório e meu serviço de churrasqueiro. Vi quando tu entraste cambaleando no cemitério. O relincho do pangaré do Nhô me chamou a atenção.
- “Me” larga... ic ... ic... “me” solta que eu vô... blááááááá...
- Barbaridade! Que nojo cuera! Tu tá mais fedorento do que um zorrilho e quase que vomita nas minhas bombachas – o sujeito não respondeu, foi cambaleando e sentou-se embaixo de uma mangueira e ali ficou num profundo sono etílico. E só então o Gaúcho prestou atenção no sujeito:
- Ala bucha! Que cuera feio, tchê! Parece um catariana”, tem jeito de ser galego, mas não dá para ver como ele é embaixo de tanta imundície. Coitado, tá com uns arranhões profundos nos braços e no rosto. Vai ficar aí, quieto, até acabar a festança. Depois vamos descobrir quem ele é. Tenho que cuidar da churrasqueira.

Terminado a cerimônia do casório, todos foram para o varandão da casa dos Flores e, não contive a curiosidade e perguntei:
- Cindy, porque você quis casar na capela do cemitério? Qualquer moça preferiria casar-se na matriz da cidade?
- Seu Lê, os únicos parentes vivos que eu estou tendo moram aqui na casa do zelador do CMV; os que não estão mais vivos, também, estão aqui, só que enterrados!
- Meus parabéns, você é uma mulher de caráter e corajosa. Seja feliz e faça o Paulo feliz. Conte comigo no que precisarem – falei-lhe.
- Eu sei disso seu Lê, e obrigado por colocar o Paulo no meu destino!
- Cindy, você vai continuar na prefeitura – perguntei.
- Sim, mas após as dezessete horas vou ajudar meu marido nos espetinhos, vou cuidar dos refrescos, sucos e refrigerantes. Porém, vou deixar a Associação das Solteironas Sem Opção do Vale Virtualiano do Rio do Peixe. O estatuto não permite que uma mulher casada a administre - explicou-me a Cindy e nisto o prefeito se aproxima da secretária, agora casada:
- Meus parabéns, Cindy! Sejam felizes e aproveite os trinta dias de férias. Tenho que ir, pois vou participar de uma reunião com os outros prefeitos de nosso vale.
- Obrigada prefeito! Vou estar fazendo o impossível para ser feliz – respondeu Cindy
- Um... hum! – pigarreei e fui falando:
- Dr. Jairo, quem ficará no lugar da Cindy na “Sem Opções”?
- Será a Dona Elvicina Zero Kelvi. Ela é concursada e estava gerenciando a Associação dos Cegos de Um Olho Só, no subdistrito de Bispo - Cardeal – disse o prefeito.
- É aquela solteirona carrancuda que vive com problemas no baço, fígado e intestino – perguntei-lhe.
- É ela mesma! Sei que Dona Elvicina não tem perfil para o cargo, mas é a única solteirona concursada do município, além disso, tem um filho desempregado que mora com ela, e a nora está grávida. Ela é uma ótima pessoa e uma das melhores “obreiras” da IEVV.
- Mas se ela tem esse filho o estatuto... – fui interrompido pelo prefeito:
- Ela nunca foi casada e, esse filho, foi fruto de uma violência e... – foi minha vez de interromper:
- Muito bem, prefeito, precisando de mim é só solicitar-me!
- Sei disso, seu Lê, obrigado!

Por volta das dezessete horas a festa se esvaziou; ninguém queria anoitecer naquele local. Só ficaram eu, Nhô, o Gaúcho, os Flores e o bebum, que ainda dormia embaixo da mangueira. Biliato e Lezivo foram abrir o Boteco dos Caldos e os noivos foram para lua- de -mel num motel em Realópolis, foram no automóvel da Cindy.
- Patrão Lê, está vendo aquele bebum que está acordando, embaixo da mangueira – perguntou Delfino.
- Estou! O Paulinho me falou que ele é o Stephen Skov. Foram colegas de copo há muitos anos em Realópolis – respondi.
- Tu viste como ele está machucado, tchê?
- Não, Gaúcho! Vamos trazê-lo para comer alguma coisa e ao mesmo tempo conversaremos com ele!
- Como queiras, tchê! Olhe! Não precisamos chamar o cuera, lá vem ele – falou o Gaúcho.
- Bo...bo... boa ta...tarde eu...eu queria...me desculpar pe...pelo...
- Esqueça Stephen, o Paulinho já te apresentou para a gente! Vamos preparar um prato para você, mas antes, vais tomar um bom e demorado banho, fazer essa barba e usar essa roupa que te dou – falou o Juliano que se aproximo de nós.

Meia hora depois, um novo homem, pelo menos na aparência, adentrou na varanda, saindo do banheiro:
- Melhorou muita a tua aparência Stephen; venha comer que ainda tem churrasco e conta-nos a razão desses ferimentos – falei-lhe.
- Dêti tê sido feridu pur argum animá grandi! Foi onça, misifiu – perguntou o Nhô.

Continua em:  Stephen Skov
           



sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

PROJETO DE UM LIVRO EPÍLOGO

Peripécias de 
MOLEQUES
EPÍLOGO:
 Galo na CABEÇA

        " Aquele foi o dia mais logo da minha vida. Qualquer garoto com quem conversava me perguntava
         - E aí, Lê, vai ver o filme?
         - Depende do galo – rebatia.
Eles riam e deviam pensar que eu estava ficando maluco.
Enfim, dezoito horas! Fui até a casa da Dona Geralda e não deu outra coisa: a dezena do GALO NA CABEÇA e cinquenta cruzeiros no bolso. A Dona Geralda, como era camarada, me antecipou o dinheiro do prêmio. Voltei para casa, troquei de camisa, calcei os sapatos e falei para minha mãe que iria ver o filme da sessão das dezoito horas e que já estava atrasado. Em Muriaé, essa sessão era comum nos períodos de férias de verão.
Ao retornar para casa, por volta das vinte horas, esperavam-me minha mãe, meus irmãos, meu pai e a Dona Maria Perereca; e, foi o seu Nelson quem, com tom autoritário de voz, quem abriu o diálogo:
- Lê, esta senhora disse que um menino mexeu com ela e ela o acertou com uma velha panela na cabeça. E está afirmando que o menino parecia contigo,  que levava gibis nas mãos,  e depois de acertado, saiu correndo, gritando  se esvaindo em sangue!
-Que é isso, pai, vê se eu tenho, pelo menos, um GALO NA CABEÇA?
Claro que não tinha e a história ficou por isso mesmo, mas antes tive que explicar ao meu pai onde arrumara dinheiro para ir ao cinema:
-Fale, Lê, onde você arrumou o dinheiro do cinema?
- Eu vendi alguns gibis pai e uns alumínios velhos que encontrei inclusive aquela bacia velha que deixaram no quintal. O senhor não se lembra?
Meu pai resmungou alguma coisa que eu não entendi e foi tomar seu atrasado e merecido banho.”

- E o pai às vezes chama a gente de arteiros, não é Thiago?
- É mesmo Felipe – respondi.
O diálogo foi interrompido pela única voz feminina da nossa família, a de minha mãe:
- Meninos,  é tarde e o lanche já está pronto; venham comer, escovar bem os dentes e direto para a cama. Está muito bonita a conversa de vocês, mas já estão a três horas conversando!
- Mas mãe, nós estamos de férias e as histórias do pai são muito divertidas – tentei ponderar.
- Vocês estão de férias, não é mesmo? Eu e seu pai amanhã, às seis horas, teremos que estar em pé, ok? Vamos logo e não demorem – completou a Dona Rosângela, minha mãe, sem dar-nos outra chance.

Meu pai levantou-se de sua poltrona predileta e foi colocar um filme no DVD. Começamos a assistir, pelo menos enquanto terminávamos o lanche. E era, justamente, o filme mencionado na história que ele acabara de contar. No seu desenrolar, os olhos do meu pai brilhavam como os de um menino e percebi que ele estava ali, na nossa infância, mas seus pensamentos se encontravam no dia de sua infância em que ele vira, pela primeira vez, aquele filme. Às vezes fico pensando que a amizade e liberdade que meu pai tem com a gente, eu e meus irmãos menores, é a mesma que ele gostaria de ter vivido com meu avô Nelsão.
           
Fim


sábado, 12 de janeiro de 2013

PROJETO DE UM LIVRO CAP.: VI

Peripécias de 
MOLEQUES
CAPÍTULO VI :
O FABRICANTE DE BALAS
              “Enfim, sexta-feira! Todos os meninos só falavam no filme.
            - Puxa vida, esse filme eu não posso perder, o que faço só com quinze cruzeiros - pensava enquanto ia à padaria buscar pão, fiado, que meu pai pagava religiosamente todo dia onze, para o desjejum. Ao passar em frente da casa da Dona Geralda, mãe do meu amigo Maurílio...”

            - Ah, o meu amigo Maurílio!
         - O que tinha ele, pai – perguntei.
         - Ele era um sujeito magérrimo, tinha os olhos azuis – como os da mãe dele, Dona Geralda. A cor da pele era alvíssima; branca que dava dó. Ele era bem mais velho que o pessoal da turma, tinha vinte e cinco anos, mas suas  ideias eram de um menino de treze.
         O pai dele, seu Ananias, era encarregado de transporte na mesma empresa em que meu pai trabalhava. Eles, meu pai e o pai do Maurílio, tinham uma amizade muito antiga.
         Este meu amigo, já trabalhava há três anos na padaria da Dona Cilene, no bairro em que morávamos. O seu Ananias tirou-o de lá e arrumou emprego na mesma empresa em que trabalhava. Só que lá, o Maurílio, começaria sua carreira, como peão, o cargo mais baixo na cadeia produtiva da empresa e ainda seria distante de sua família. O Maurílio foi enviado para trabalhar numa estrada no interior do Pará, numa outra obra da empresa.
         Certa noite, no canteiro de obras – que ficava a duzentos quilômetros da cidade mais próxima -, os peões já se preparavam para dormir quando o engenheiro, chefe da obra, adentrou no alojamento e falou alto:
         - Atenção, o padeiro pegou malária e foi para Belém; quem já trabalhou em padaria entre vocês?
         - Eu! Eu já trabalhei três anos em padaria- gritou o Maurílio todo alegre por já se sentir aliviado do serviço pesado de peão de obras.
         - Ok, ok! Amanhã, de madrugada, às quatro horas tu podes ir direto para a padaria – falou o Dr. Érico com seu carregadíssimo sotaque gaúcho.
         No outro dia, já era sete horas e todos no refeitório reclamavam porque só tinha café puro ou com leite e nada de pão.
         O engenheiro chegou, viu aquilo e pediu ao encarregado de recursos humanos para chamar o Maurílio. Cinco minutos depois ele chegou ao refeitório e todos os peões olhavam e aguardavam a bronca no coitado:
         - Bah, tchê! Tu não fizeste os pães, por quê?
         - Por que eu não sei fazer pão, doutor Érico respondeu o Maurílio na ponta da língua.
         - Mas, cuera, tu dissestes que trabalhou três anos numa padaria – já, nervoso, berrou o engenheiro.
         - Trabalhei sim, mas carregando lenha para o forno – respondeu-lhe.
         Todos no refeitório caíram na gargalhada e saíram para o trabalho.
         O engenheiro ficou sério e, em consideração ao pai dele, seu Ananias, não lhe dispensou, porém o colocou para trabalhar de ajudante de lubrificação. Esse tipo de função era a de ajudar o oficial de lubrificação a manter as máquinas e equipamentos da obra, todos, devidamente lubrificados;  prontos para os trabalhos pesados. Este tipo de serviço ia desde lavar, engraxar os rolamentos, molas, trocar os óleos dos motores, caixas de marchas, diferenciais, transmissões automáticas e abastecimentos de combustíveis de todos os veículos e demais equipamentos de terraplenagem.
         Num certo sábado, à tarde, já se passavam quase três meses em que o Maurílio era este tipo de ajudante, um peão veio correndo ao escritório do engenheiro da obra aos gritos:
         - Dr. Érico... Dr. Érico, o senhor precisa ver o que eu encontrei lá perto da pedreira!
         - O que foi "seu" Sobreira, o que tu encontraste – perguntou o engenheiro  ao peão, com mais de vinte e cinco anos de serviços na empresa – "o maior puxa saco de patrão!" – diziam dele.
         - Só o senhor vendo, vamos lá...
      O engenheiro chamou o encarregado dos peões, o chefe de oficina, o almoxarife e, com o Sobreira subiram numa caminhonete e rumaram para a pedreira.
         Lá chegando, ainda caminharam uns cinquenta metros onde, longe do riacho, em meio a uma grande quantidade de pedras, havia uma cratera no chão e esta estava cheia de um líquido de cor, entre o azul escuro e o preto, cheirando a óleo queimado e graxa ao mesmo tempo.
         O almoxarife, Geraldo Manoel, que sempre era o mais afoito e metido a saber de tudo, graças aos vários e de diversos tipos de cursos feitos por correspondência, com altivez de um conhecedor, se abaixou, enfiou a mão no líquido da cor de petróleo e gritou:
- É petróleo, Doutor Érico, é petróleo!
- Deixe ver isso, tchê..., mas bah! É mesmo! Barbaridade!
         Encheram um galão que sempre levavam na caminhonete e voltaram ao acampamento. Na segunda-feira, bem cedo, o Doutor Érico não pensou duas vezes e fez contato com os chefões da empresa, via rádio, na capital mineira e contou o ocorrido, falou sobre o ‘achado’.
         - Mande-nos uma amostra para análise, Dr. Érico – foi a ordem de um dos donos da empresa.
         O alvoroço foi geral no acampamento e durante a semana toda só se falava que era segredo e que a empresa iria comprar aquelas terras e que todos iriam ganhar um bom dinheiro.
         Na sexta-feira daquela mesma semana, o Dr. Érico foi chamado na sala de rádio do acampamento para atender a um chamado urgente. Era mais de dezoito horas e quase todos os trabalhadores estavam por perto da sala de rádio e, ficaram com a atenção voltada ao som do rádio amador. O pobre do gaúcho levou a maior bronca dos donos da empresa. Foi assim o diálogo:
         - Dr. Érico, é o Dr. José Lúcio Pingente, estás na escuta? Câmbio!
         -Sim, na escuta, prossiga, câmbio!
         - O petróleo da sua descoberta e que mandaste para análise, é apenas óleo de motor queimado. Não é petróleo bruto não. Que brincadeira foi essa? Explique-se!
         O Dr. Érico ficou vermelho de raiva e vergonha e se desculpou com os chefões e disse que iria averiguar melhor.
         O que aconteceu foi o seguinte: o Maurílio, ajudante responsável em descartar os óleos queimados dos motores das máquinas e veículos, não achou certo jogá-los num igarapé que passava ao lado do acampamento, como mandara seu chefe e descobriu aquela cratera e lá fazia o descarte todas as manhãs bem cedo e por isso ninguém o vira fazendo isso. O Dr. Érico só ficou chateado na hora, porque entendeu a boa intenção do Maurílio, mas decidiu mandá-lo de volta para perto do seu Ananias em Muriaé. O pobre do Maurílio demorou quase uma semana para chegar em casa e ainda levou um sermão do seu Ananias de quase duas horas.

         Mas, continuando...
         “Passando defronte a casa do Maurílio, deu-me um estalo nas ideias e pensei em voz alta:
            - É isso! Para quem precisa de cinquenta cruzeiros e só tem quinze, o jeito é comprar um bilhete de loteria aqui na Dona Geralda e, quando for dezoito horas, saberei se vou ao cinema ver o filme ou não!”

            Dona Geralda era uma batalhadora. Num cômodo de sua casa, que dava para frente da rua, montou uma banca de jornais, revistas e também vendia bilhetes de loterias. A Maria Emília, filha dela que tinha uns quinze anos, era quem ficava na banca, quando não estava na escola.

         “Chamei por Dona Geralda e ela veio prontamente me atender:
            -Entre Lê! Como vai a sua mãe?  O que você quer?
            - Dona Geralda, a mãe me mandou comprar um pedaço de bilhete da Loteria de  Minas que corre hoje. A senhora tem algum?
            - Tenho sim, Lê, qual você quer?
            Eu não tinha nenhum palpite. Fiquei por alguns segundos olhando para ela quando ouvi o galo índio do seu Tião Igreja cantar tão alto e bonito que até parecia que era para mim:
            - Foi no galo, Dona Geralda, ela pediu para eu comprar um pedaço do bilhete do número do galo!
- Estás com sorte, Lê, eu ainda tenho uma tirinha desse bicho; são quinze cruzeiros!
- Se der estes números quanto eu, quer dizer, quanto a minha mãe ganha, Dona Geralda?
        - Se der a unidade final ela ganha os quinze cruzeiros de volta; se der a dezena, ganha cinquenta cruzeiros; se der a centena ela gan... - interrompi.
            - Tá bom, a minha mãe só precisa de cinquenta cruzeiros – paguei , peguei o bilhete e guardei, com todo carinho, no bolso da camisa e retornei ao meu trajeto rumo à padaria."

            - Mas espere aí, pai, o senhor mentiu quando falou que o bilhete tinha sido a vovó Rosa que pediu para o senhor comprar; e isso não é certo! O senhor tá ‘careca’ de nos pedir para não mentirmos?
         - Eu sei Felipe, mas se eu falasse que era para mim a mãe do Maurílio não me venderia e eu estava desesperado – falei meio querendo dar razão ao que eu fizera.
        - O Felipe tem razão, pai – retruquei como que não aceitando a justificativa do meu velho, mas ele insistiu:
         - Ambos estão certos, meninos eu... - interrompi meu velho:
         - Continua com a história, pai, já deu para entender!
- Está certo, Thiago, eu continuo...
- Espera aí pai, antes nos diga quem era o Tião Igreja, o dono do galo índio – interrompendo a narrativa, o Felipe perguntou.
- O Tião igreja era um senhor com seus setenta e cinco anos; era meio surdo e bastante míope. Gostava muito de gibi de terror. Eu e a meninada estávamos sempre trocando esse tipo de gibi com ele. E foi com ele que aumentávamos nossas coleções. Outros meninos nos davam dois gibis de terror por um de aventuras de selva ou de faroeste e depois o seu Tião nos dava dois gibis que não eram de terror por um de terror. Por isso, e porque ele contava umas histórias engraçadas de sua juventude, nós gostávamos dele.
Certa vez fui à vendinha dele, comprar massa de tomate em lata para minha mãe e, antes de eu entrar na porta do estabelecimento, um dos irmãos Ton, o Helton, passou na minha frente e no balcão gritou ao Tião:
- "Me" dê dois cruzeiros de balas das que o senhor faz!
- Está bem, meu filho, toma – disse Tião enchendo as mãos do moleque e, este, deixou o dinheiro todo enrolado sobre o balcão e saiu correndo.
Seu Tião pegou o dinheiro, desenrolou e, nós vimos que era golpe do moleque. O dinheiro era só a metade de uma nota. Seu Tião sorriu sem graça e me falou:
- É a segunda vez que esses irmãos fazem isso. Eu não posso correr atrás deles; fico no prejuízo. Acho que eles fazem isso em outro lugar também, pois veja as metades das notas não se ‘casam’ – falou isso colocando as duas metades das notas que recebera lado a lado.
Eram três os tais irmãos: Hamilton, Helton e Hilton – filhos de um policial de Polícia Rodoviária Federal. A família deles era a única a ter televisão no bairro, além é claro, da do dono da fábrica de doces. Todos os meninos tinham receio deles, pois diziam que eles aprendiam luta livre assistindo estes tipos de programa na TV.
Vendo a impotência do meu amigo da vendinha falei-lhe:
- Posso dar uma ideia, seu Tião?
- Claro que pode, Lê!
- O senhor me arruma os papéis que são embalados suas balas? Vou fazer umas balas da mesma cor das suas e quando eles vierem aqui de novo comprar balas, o senhor entrega das que eu vou te trazer, ok?
- Sei não... , mas toma, pode levar!
No outro dia, à tarde, o seu Tião tinha ido para Juiz de Fora fazer uma consulta médica e a mulher dele ficou na vendinha e entreguei as balas falsas a ela, que já sabia do plano. Eu e o Angelim pegamos uma pequena caixa de papelão e colocamos uma pedra dentro e ficamos perto da casa dos Ton. De repente vimos um dos irmãos, o Hilton, o maior deles indo em direção à venda. Esse Hilton era metido a bater as faltas nos jogos de futebol das tardes no campinho. Nenhum dos meninos gostava dele, mas todos concordavam que ele chutava bem forte a bola.
Na espreita, sem sermos vistos, eu falei ao Angelim:
- Olha lá, ele viu que é a Dona Cotinha que está na venda e entrou; daqui a pouco ele sai de lá correndo com as balas!
O Angelim pegou a caixa com a pedra e colocou no meio da calçada perto da casa deles. Não deu outra, o Hilton saiu correndo, e quando tomou distância da vendinha, seguiu andando, calmamente,  rumo a casa dele. Ao ver a caixa de papelão no meio da calçada segurou as balas firme nas mãos e começou a narrar, como um locutor esportivo de futebol, na hora em que o jogador ia bater a falta:
- Atenção! Hilton, o craque da torcida, vai bater a falta; preparou, correu e... pimbaaaaaaiiiiiiii!
A sequência do lance foi de gritos de dor e um estalido:
-Aiii, caramba, machuquei o dedão, ai, ai, ai...
Ele não quebrou nada, só destroncou o dedão e rasgou toda, a Conga azul e novinha – um antecessor do tênis atual. Saiu mancando, desenrolou uma bala e colocou na boca. Quando ele sentiu o gosto disse um palavrão e cuspiu longe a bala. E não é que o idiota provou todas as balas antes de jogá-las fora!
No dia seguinte fui eu e o Angelim na venda do seu Tião Igreja e rimos até doer o queixo e falei:
- Esses não fazem mais  maldade contigo, meu amigo!
- Mas Lê, de que eram as balas que você fabricou – perguntou-me.
- Era barro, sabão e titica de galinha, seu Tião!
- Aí foi que ele riu para valer.

- Eca, pai – falou o Mateus.
            Mas continuando...

EPÍLOGO:
 Galo na CABEÇA

sábado, 5 de janeiro de 2013

VIDA EM VIRTUÁLIA

O Boteco
dos
 CALDOS

Depois de um dia exaustivo, mas produtivo, no encerramento da auditoria externa daquela empresa de médio porte, cheguei em casa. Eram vinte horas e a casa estava às escuras. Estranhei, pois a Rô já deveria estar em casa, visto que hoje ela fechou a lojinha mais cedo.
Guardei a caminhonete, Chevrolet vermelha chassis ano 1955, na garagem e direcionei-me à porta da sala:
            -Êpa, a porta está só encostada! Será que... – não terminei de completar meu raciocínio:
            -“ Parabéns prá você,
            Nesta data querida
            Muita felicidade
            Muitos anos de vida!”- era minha família em coro me parabenizando pelas seis décadas de vida.
            Do susto à lacrimejante, alegria. Esposa, filhos, noras, netos e uma mesa cheia de guloseimas e uma enorme cesta de frutas.
Sinceramente, devido à urgência e a semana toda dedicada ao encerramento de uma árdua tarefa empresarial, esquecera completamente do meu próprio aniversário e a Rô soube despistar muito bem.
            Continuamos a comemoração, até altas horas e no outro dia, pela manhã, meu desjejum foi a cesta de frutas, e uma das frutas me chamou a atenção: - a Atemóia. Sabia que era uma fruta híbrida – cruzamento da Cherimóia com a Pinha - da família das anonáceas, porém nunca a tinha saboreado.  Após deliciar-me com tal iguaria, separei as sementes, deixei-as secando ao sol, por algumas horas e, à tardinha plantei todas em um pequeno viveiro improvisado, mesmo sabendo que dali poderia sair ou Atemóia ou Pinha ou Cherimóia.
            Em alguns dias verifiquei que 90 % das sementes tinham germinado, para a minha alegria e, como de costume, todos os dias as regava.
            Dia trinta e um de dezembro.
            A virada do ano, daquele ano, seria no sítio de meu filho mais velho a quinze quilômetros rumo a Ibitipoca. A estrada é sem asfalto e agradabilíssima, como os caminhos de Minas Gerais. A cada riacho que passava eu parava e plantava três mudinhas de Atemóia.
Quando cheguei ao sítio, por volta das nove horas, restaram-me seis mudas das trinta e seis que eu trouxera. Aproveitei a presença e ajuda do meu netinho de quase quatro anos, plantamos três mudas no pomar e meu netinho falou-me:
- Vovô, a mamãe está me chamando. O senhor não se importa plantar, sozinho, as outras mudas perto do rio?
- Claro que não, Lorenzo! Vai lá atender a sua mamãe!
Antes de plantar as últimas mudas sentei-me à sombra de uma laranjeira e pensei:
- Será que tem dessa fruta lá em Arret?
Por falar na nova morada, lembrei-me de Virtuália e do sítio do Nhô Antônio Benzedô:
- Será que tem essa fruta no pomar paradisíaco do Nhô? E o boteco de caldos do Biliato e do Lezivo? E as eleições lá, quem levou a melhor? Vou para lá depois da festa da ceia da virada do ano, quando todos forem dormir!
Duas horas, primeiro de Janeiro, acordei como se tivesse atrasado para um compromisso. Fui à varanda, coberta e arejada, da cozinha e deitei numa das redes, a vermelha. O silêncio só era quebrado pelo remanso do riacho e o barulho dos animais noturnos.
De repente, no céu, passou um brilho que cortou o horizonte fora a fora e explodiu na atmosfera sem emitir um único som e não eram fogos de artifícios atrasados.
Levantei-me da rede e fui até perto da caminhonete e verifiquei um dos pneus traseiro furado:
- Amanhã eu dou um jeito nesse pneu!
Voltei para a varanda e deitei-me na rede e...

- Seu Lê, acorde seu Lê i vem mais ieu pegá as sementi qui u Etevardu pidiu prá nóis. Ôce si alembra qui o Julianu i u Beju tem qui levá prá nova morada – falou-me o Nhô e prosseguiu:
- Alevanta i vem tomá café forti cum broa, mé, quejo i sucu di graviola!
- Bom dia Nhô, essa sua varanda e esses barulhos do riacho, do rio e do mato são revigorantes!
- A genti pega as sementi i leva lá pru Julianu despois du armoçu; vamu levá duas linhada pru modi di nóis pescá u nossu armoçu. Vamu trazê uns Mandi prá nóis frita e cume cum arrois de aiu, mandioca frita, tutu di fejão i salada di rabaneti mais pipinu.
Colhemos vários tipos de frutas silvestres e do próprio pomar – que estavam na época delas -, e levamos para a beira do Rio do Peixe e ficamos até o sol ficar à pino saboreando-as e pescando Mandi; os que não eram, soltávamos de novo na correnteza. Nhô olhou a fieira de Mandís e falou:
- Tá bão, né, seu Lê; já tem pexe aqui prá nóis dois, eh!Eh!Eh!Eh!Eh!
- Só faltam esses dois grandões para eu limpar, Nhô; vamos levar todos prontos para temperar e fritá-los – respondi.
O almoço foi uma maravilha e o Nhô me disse:
- Num podemu deixá de entregá uns pedaçu de rama de mandioca prô Julianu levá lá prá nova morada, né seu Lê!
- Bem lembrado, “véi”! – respondi brincando.
- Vô atrelá u Bitencourt na carroça pru modi nóis i para Virtuáia, seu Lê!
- Não preferes ir na minha caminhonete, Nhô, eu vim nela, lembra? Ela está parada embaixo do jambeiro!
- Num carece, misifiu, e além disso u meu pangaré tem qui fazê um pocu de força, sinão ieli ingorda, eh!eh!eh!eh!
- Tá ok, Nhô, enquanto isso eu lavo as vasilhas do almoço!
- Eh!Eh!Eh! Brigadão, misifiu!

Na Praça Bispo - Cardeal:
- Olha quem vem na carroça com o Nhô Antônio, Lezivo, é o seu Lê – falou Biliato.
- É ele mesmo, Bili, ele prometeu e veio na inauguração do nosso Boteco!
- É só que ele vai ter uma surpresa: não teremos a inauguração – completou Paulinho Goró.
- E aí, rapaziada, como estão, e a inauguração? – perguntei a eles e foi Paulinho Goró quem se apressou a falar:
- É sobre isso que estamos discutindo, seu Lê; não vai ter inauguração enquanto não for resolvida uma “pendenga” nossa. O prefeito e o Delegado falaram que só teremos a inauguração quando, nós três, resolvê-la.
- Calma, meus amigos, vamos resolver isso agora mesmo! Fale você, Biliato, que é o mais vivido. O que houve?
- Nosso boteco fica de frente ao negócio de espetinho do Goró e ele acha que vamos lhe tirar a freguesia e, como ele é mais antigo, convenceu o Jairo Edson a não liberar, para a gente, o alvará de funcionamento. Pô, seu Lê, já está tudo pronto!
- Vamos todos lá no prédio do Boteco de Caldos e lá conversaremos – falei preocupado.
No boteco:
- Está muito boa a organização, meus parabéns! Este varandão coberto de fora a fora e contornando as duas partes das esquinas ficou ótimo – falei aos sócios e continuei:
- Bili, este cômodo que se estende, em corredor até a cozinha e, que tem uma entrada direto da rua principal, vocês usam para que?
- É por aí que chegarão as nossas mercadorias, seu Lê, por enquanto está vazio!
- É lamentável, mas concordo com meu amigo Paulinho, vocês vão atrapalhar o negócio dele. A não ser que...- fui interrompido:
- Eh!Eh!Eh! Ieu sabia qui ôce ia tê uma boa ideia prá arresolvê essa pendenga, misifiu! – brincou o Nhô.
- É o seguinte...  – prossegui –... vamos juntar os dois negócios num só local. Vamos aproveitar esse cômodo que não está sendo usado e que faz parede com o salão do boteco e colocar o carrinho do Goró aqui dentro. Tiraremos as paredes deixando o espaço livre para ele.
- Não tínhamos pensado nisso, seu Lê, mas a ideia é boa - disse o Lezivo.
- Mas o problema é a concorrência e ela continuará! – disse o Paulinho.
- Paulinho, qual o preço que você vende os espetinhos de carne bovina e de frango – perguntei-lhe.
- Cada um vendo a dois dinheiros e cinquenta centavos – respondeu-me.
- E vocês dois, quanto será o preço dos caldos – perguntei ao Bili e Lezivo.
- Preço único, ou seja, três dinheiros e cinquenta centavos - respondeu-me o Biliato.
- Vamos fazer o seguinte: O Paulinho vai fazer, só para atender vocês, espetinhos de boi e frango com pedaços menores de carne e lhes cobrará um dinheiro e cinquenta centavos cada um. Vocês venderão as porções de caldo a cinco dinheiros cada, porém darão como entrada, enquanto o freguês espera o caldo pedido, um espetinho fornecido a vocês pelo Paulinho. Entendam que o espetinho que o Paulo venderá continuará no padrão e com o preço de dois dinheiros e cinquenta centavos. O objetivo é que cada caldo que o boteco vender o Paulinho venderá, indiretamente, um espetinho menor.
- Eh!Eh!Eh! Inté ieu intendi sua ideia, misifiu – falou o Nhô.
- Eu concordo – disse o Paulinho
 Biliato olhou para o Lezivo e, num gesto positivo com a cabeça, Bili falou:
- Concordamos, mas quem... – eu o interrompi:
- Dou de presente, em nome de nossas amizades, os materiais e a mão de obra para fazer essa junção. Afinal, somos todos amigos, não é?
Na prefeitura:
- Já que todos concordam, eu liberarei o alvará tão logo o local esteja apto a ser vistoriado, de novo – disse o prefeito e continuou:
- Minha empreiteira pode fazer essa modificação em um dia e o preço é este – falou mostrando-me o valor.
- Então está acertado, sábado será a inauguração, ok rapaziada? – perguntei, concordando com o preço do Jairo Edson.
- Ok, tudo certo – falou Bili por todos.

- Intão podemou í lá prá casa du Julianu, né patrão – perguntou-me o Nhô.
- Vamos sim, ”véi”! Biliato, Lezivo e Paulinho: sábado estaremos aqui, lá pelas dezenove horas, para a inauguração, ok? Até lá!
- Até, seu Lê – falou, por todos, Paulo de Paulli, o Goró.

Chegando à entrada do cemitério – CMV:
- Nóis temu qui dexá a carroça aqui fora, misifiu, u Bitencourt num entra aí nem arrastadu – falou o Nhô.
- Sem problemas, mas não sabia que cavalo velho também tinha suas manias, ah!ah!ah!ah! – incrível, mas o pangaré deu um relincho e o Nhô danou a dar gargalhadas, como que, entendendo o relincho do animal.

Na casa do Juliano:
- Pois é seu Lê o prefeito reeleito, Jorge Edson, nomeou-me Secretário de Cultura Alternativa de Cultos Ocultos e não sei se poderei aceitar, já que temos compromisso com o Etevaldo, na nova morada – disse-me Juliano, após os cordiais cumprimentos a mim e ao Nhô.
- Engraçado, Juliano, eu julgava que o empresário Tilzo D’Lurdes ganharia essa eleição para prefeito tranquilamente – falei e prossegui:
- O que houve, já que as pesquisas  apontavam a vitória dele com sessenta e cinco por cento do eleitorado?
- Três dias antes das eleições ele fez um grande comício na Praça Bispo – Cardeal e quis demonstrar conhecimento político e cultural e se deu muito mal.
- Conta-me o que houve – pedi ao Juju.
- Nesse comício, em que até o Nhô Antônio compareceu, o Tilzo quis aparecer em cima da personagem mais conhecida e importante de todo o Vale Virtualiano do Rio do Peixe e, no auge do discurso, perguntou:
- Vocês sabem o que é comunismo? Não? Está bem, eu explico com um exemplo:
- Nhô Antônio, por favor, queira subir no palanque!?
Nhô subiu e foi aplaudido aos gritos e este disse:
- Pois sim, seu Tirzu, aqui tô ieu, u qui é colunismu?
- Comunismo, meu caro, é CO – MU – NIS – MO que se pronuncia – disse Tilzo soletrando com um leve e debochado sorriso nos lábios e prosseguiu:
- Vou dar um exemplo prático e fácil de entenderem: 
- Eu estou com muita vontade de fumar um palheiro e não tenho a palha para fazer tal cigarro e, o Sr. Nhô, tem a palha, certo? Aí o Nhô me dá uma palha! – o Nhô tira uma palha da guaiaca e entrega para o candidato. E ele continua no exemplo:
- Eu não tenho o fumo de rolo e, o Nhô tem e me arruma um naco; eu não tenho canivete para picar o fumo e, o Nhô me empresta o seu certo? Estão vendo, o senhor Nhô está repartindo o que tem com um que não tem! – o candidato a prefeito montou o cigarro, enquanto falava e, o Nhô, na sua simplicidade chegou perto do microfone e pediu:
- Dexa u nêgu véi vê si ôce feiz u paiêru diretchu, misifiu? – Tilzo entregou o cigarro para o Nhô e todos quietos, prestando atenção no exemplo do candidato e, principalmente no Nhô, aguardavam o desfecho da prosa. Nhô olhou, olhou, apalpou o cigarro de palha e perguntou ao Tilzo em voz alta e no microfone:
- Ôce tem , pelu menu, um fórfi preu acendê u paiêru, seu Tirzu?
- Claro que sim, meu senhor, tome! – falou e entregando uma caixa de fósforos com um só palito. Nhô colocou o cigarro na boca acendeu e deu três baforadas e falou no microfone:
- Ieu intendi u qui é colunismu, misifiu, brigadu pelu fogu i pur tê mi fazidu u paieru, eh!Eh!Eh!Eh!
Houve risos, gargalhadas, gritos e apitos e o comício se esvaziou com a retirada do Nhô.

- Acho que ele perdeu a eleição foi pro Nhô e não para o Jairo Edson – completou o Juliano.
- Ah!Ah!Ah! Ele mexeu com a pessoa errada – falei ao Nhô.
- Hoji u povu tá mais instruídu, meus amigu, mais' inda num sabi votá diretchu; u propiu governu paga pelus seus votu pra si reelegê!
- Como assim, Nhô - perguntou o professor de ciências ocultas de Virtuália, o Juliano.
- Ieli paga todu meis us votu das próxima eleição c’as borsa issu, borsa aquilu, eh!Eh!Eh! – falou sabiamente o Nhô.
- Juliano, como vai a confecção das suas fantasias e os preparos para a ida à nova morada? – perguntei ao Delegado de Oriximbanda.
- Seu Lê, prá falar a verdade, já estão prontas todas as fantasias daquela minha ideia. Tomara que as irmãs do Beijo não engordem mais ainda, pois as fiz nas medidas certinhas – respondeu-me.
- E as sementes que eles pediram para levar, conseguiram alguma?
- Quase todas, seu Lê, falta de Atêmia, eu não estou conseguindo encontra. – disse o Juliano.
- Mas é muita coincidência, meus amigos, eu trouxe três mudas de Atêmia para o Nhô plantar na beira do ribeirão; está na caminhonete lá no seu sítio do Nhô! – respondi.
- Eh! Eh! Eh! Taí uma pranta qui ieu num cunheçu!
- Tudo bem, vocês levam essas mudas que depois eu arrumo outras para o Nhô, certo?
- Certo, seu Lê; então agora, com as sementes que vocês trouxeram do sítio do Nhô, não está faltando mais nada – disse Juliano.
- Ainda tem as ramas di mandioca qui ficô lá na carroça na intrada du CMV – completou o Nhô.
- Já sei: o Bitencourt não quis vir até aqui em casa, não é Nhô? – perguntou o Juliano.
- Eh! Eh! Eh! Mania di véi i, cum cavalu, dédi sê pió, Julianu!
Toda a prosa foi interrompida ante os gritos do Beijo que chegava esbaforido:
- Juju, Juju... tá um bafafá danado lá na delegacia. A Xerequéia está dizendo que ouviu ontem às vinte e duas horas uns estrondos lá na beira do Rio do Peixe e, da janela do barraco dela, viu um clarão e foi até perto para verificar e, sabe o que ela viu?
- O que “amoré”, fale que eu já estou sentindo cólicas! – com histerismo perguntava o Juliano.
- Ela viu o rei das trevas, o filho da maldade, ou seja, o gramulhão, saindo do nada!
Olhei para o Juliano e para o Nhô que coçava a cabeça branca e, este, me perguntou:
- Será qui ieli vêi pelu portá, seu Lê?
- Só indo falar com a Xerê – respondi e acrescentei:
- Vamos até lá Nhô, Juliano e Beijo, mas antes vamos tirar as ramas de mandioca da carroça – falei para todos.

Na delegacia:
- Sim, seu Lê, a Xerê está detida por desacato à minha autoridade. Ela chegou aqui com uma história esquisita e gritava de que o inferno mandou o capeta para ver o porquê do mundo não ter acabado. Junto com ela tinha uma multidão apoiando-a nas sandices que falava!
- Qual o valor da fiança para soltá-la, Carabina – perguntei.
- São quatrocentos e oitenta e quatro dinheiros ou quatro dias, oito horas e quatro minutos “de molho”! – respondeu-me o delegado.

Na praça, após pagar a fiança:
- Eu juro seu Lê... ele saiu do nada me olhou e veio na minha direção; era muito feio, tinha os olhos avermelhados, barba e cabelos vermelhos. Usava uma túnica branca toda suja com uma corda amarrada na cintura. Ele parecia que chorava e me estendeu a mão direita toda ensanguentada dizendo palavras que eu não entendia daí, eu saí correndo prá delegacia.
- Tá OK, Xerê, vamos até o local para verificar – disse-lhe.
- Eu não, seu Lê! Vou é na igreja falar com o padre e depois o pastor – disse Xerequéia.
- Vamos nós, então Nhô, talvez a gente... – fui interrompido.
- Eu e o Beijo também vamos afinal eu serei o Secretário da Cultura Alternativa de Cultos e Ocultos de Virtuália e, sou Delegado de Oriximbanda, portanto, se for o gramulhão eu o encararei. Vamos na Variant que está sendo lavada lá no posto de gasolina, lá perto do cemitério. Deixaremos lá a carroça com o Bitencourt e providenciarei água e aveia para ele, OK, Nhô?
- Brigadu seu Julianu, o Bitencourt vai adorá!

Vinte minutos depois:
- É entre estas duas pitangueiras que sempre surgia o portal para nos levar à nova morada do Etevaldo. Parece tudo normal, não é pessoal?
- Tá memu, seu Lê, linhais u dia tá inu imbora e hoji é noiti di lua cheia i si fô u tinhosu, ieli num aparece nessis dia. É mió dexá pra genti percura sexta-fera antis das seis da tardi, di preferença as treis horas da tardi – falou Nhô com conhecimento de causa.
Todos concordaram com o Nhô e combinamos que no outro dia retornaremos.
Sexta-feira, dez horas. Manhã clara e a temperatura agradável. Voltamos ao local indicado pela Xerequéia eu, Juliano, Beijo e o Nhô:
- Ei, seu Lê, venha ver – gritou Beijo -, se essas manchas, no chão, são sangue!
- São sim, meu amigo, alguém se machucou – respondi.
As marcas estavam embaixo de um enorme pé de jacarandá e o Nhô nos alertou:
- Olha pessoa, lá incima dessa árvi tem uma cabaninha!
- Vou subi lá prá ver o que é Juju; não é tão alto – disse Beijo subindo rapidamente. E, lá encima:
- Seu, Lê, tinha alguém dormindo aqui encima e de repente parece que caiu – relatou o Hibisco, que tem apelido de Beijo e, continuou:
- Tem umas roupas esquisitas e sujas aqui; vou descer que o cheiro é horrível!
- Misifiu, ôce num acha bão intra im contatu cum o Etevardu? – sugeriu o Nhô.
- Não, meu amigo, acho que já sei do que se trata. Vamos lá para a delegacia falar com o Carabina Doze – respondi ao Nhô.

Na delegacia:
- Não seu Lê, não houve nenhuma alteração nesses últimos dias, além do surto da Xerê – disse-me o delegado.
- Intão vamu lá pru sítiu, seu Lê, qui ieu isquici de vê si tem romã madura pru modi di tirá sementi pru Etevardu – falou o Nhô, baixinho, mas já impaciente no lado de fora da delegacia.
- É mesmo Nhô, eu não consegui, ainda, nem semente e nem muda de romã – falou Juliano -, foi muito bem lembrado “véi”!
- Podem deixar comigo que, antes da partida para a nova morada, eu trarei mudas da romãzeira do sítio do meu filho; lá tem as romãs mais deliciosas do mundo. Os três pés de romãs que ele tem são oriundos de mudas que eu consegui com a diretora do grupo escolar onde estudei há cinquenta anos. E a romãzeira dela já tinha mais de cem anos que acompanhava a família dela; sempre replantando mudas.
- Caramba, seu Lê, então essa planta é digna da nova morada! Eu adoro romã! – concluiu Juliano.
- Intão vamu nóis quatru lá prá meu recantu; vô assá na brasa uma banda de leitoa de java porcu  qui a Xerê mim deu prô natá, mas ieu num fiz pru que tava sozinho. U qui ôces acha, já são quaji mei dia?
- Eu e o Beijo topamos, não é amoré?
- Claro, Juju! Eu farei a salada e os sucos de frutas – completou o Beijo.
- Então está feito! Só que eu vou demorar mais uma hora, pois tenho que me certificar de uma coisa. Vocês vão à frente na Variant e eu vou depois com o Bitencourt; você concorda Nhô?
- Craro, seu Lê, u sinhô é qui manda, eh!Eh!Eh!

Dez Minutos depois eu encostei a carroça no pátio dos fundos da Bendita Casa Sem Misericórdia Nenhuma de Virtuália e fui até ao médico de plantão:
- Bom dia doutor Fabrício, tudo bem? Como vai seu pai o Canarinho?
- Bom dia, seu Lê, o que o trás aqui, alguma indisposição? O meu pai está bem, mas se ouvir você o chamando de Canarinho vai acabar com o bom humor dele, ah!Ah!Ah!
- Obrigado pela preocupação com minha saúde, mas eu gostaria de saber se deu entrada, aqui na Bendita Casa, alguém com ferimentos graves? A recepcionista diz que não é norma do hospital dar este tipo de informação se não for para parente de uma suposta vítima!
- São normas da Casa, mas deu sim! Foi um andarilho que passava pela nossa região. A história dele é intrigante. Ele é um sul-africano e disse que foi abduzido em uma mina de ouro em Angola, na África. Ele trabalhava com engenheiro de minas e, também, como geólogo. Falou-me que foi levado por uns seres esverdeados e com face semelhante à de um réptil. Foi levado para um lugar que não era na Terra. Chegando lá, foi examinado com uma aparelhagem na cabeça e depois disso não se lembrava de mais nada. Na virada do ano, por volta das três horas, ele passava pelo local dos rituais, na margem do Rio do Peixe e achou uma oferenda contendo um enorme fogo de artifício em formato de bomba caseira, fósforos, frango assado, um garrafão de aguardente e uma túnica branca com um cinto prateado. Pegou tudo e levou lá para a árvore onde ele passou as duas últimas noites. Foi lá que ele encheu a “cara” e resolveu acender o pavio do artefato explosivo; como estava embriagado e foi lento em soltar a bomba, ela explodiu perto de sua mão esquerda. Com o susto ele caiu de cima da árvore – de uns vinte metros.. Deu sorte porque caiu encima de uma amoreira – concluiu o doutor Fabrício.
- Posso falar com ele, Fabrício?
- Pode claro! Ah! Seu Lê, quando ele caiu da árvore e com o susto, recuperou a memória; ele fala inglês, francês e muito bem o português, só que o de Angola!
- Ah!Ah!Ah! Matei a charada doutor!- falei gargalhando.
- Se ajudei a resolver o seu problema eu fico contente, meu amigo! Vamos lá à portaria que ele já está de alta e deve sair do hospital a qualquer momento. Ele só machucou a mão esquerda um pouco; não deixará sequela. O nome dele é Richard David Hedison Basehart Smith!
- Caramba, que nome enorme para um gringo! Acho que aí tem conjunção de dois nomes que eu acho que conheço – falei pensativo.
Encontramos o engenheiro todo limpo, barbeado e com a roupa que o Fabrício deu para ele, pois tinham, por coincidência, o mesmo manequim.
- Sr. Richard, o Fabrício falou-me sua história e muito me interessa. Posso ajudá-lo em alguma coisa? Pode me chamar de Lê!
- Yes, my sir! Eu gostaria de ir ao lugar onde deixei minhas coisas, lá perto do rio! – respondeu-me o gringo.
- Ok, acompanhe-me – fomos de carroça até onde ele havia se estatelado em cima da amoreira. Ele, como um guariba, subiu no jacarandá e, em seguida, desceu com um saco de lona e me disse:
- Aqui estão meus documentos, agora vou voltar para Angola. Pelos meus cálculos fui levado de lá há três meses!
- Vamos até ao sítio do Nhô, um amigo meu; é aqui perto. Você poderá ficar hospedado lá. Assim podemos conversar sobre algo em comum, algo muito sério – praticamente intimei o sul-africano.
- Ok! Ok! – concordou o Richard.

No sítio:
- Seu Lê, o assado na brasa tá nu pontu; só tava fartanu ôce e...
- Este aqui é o Richard, um novo amigo e que tem algo em comum conosco! Vamos conversar enquanto almoçamos – falei ao Nhô.
- Prazê, moçu!
- Prazer, senhor – respondeu o gringo.
- Prazer seu Richard – disse o Beijo.
- Seja bem vindo ao grupo Rick – falou Juliano já com certa intimidade e sob o olhar de reprovação do Beijo.
O laudo almoço teve início com uma rodada da pinga com ervas amargas do anfitrião do sítio e, seguiu animado e o visitante falou:
- Thank , seu Nhô, por permitir que eu fique aqui até segunda-feira. Vou manter contato com minha família, aliás, só tenho a minha mãe e, também, com a empresa em que trabalho como geólogo e engenheiro de minas. Muito me interessou a história da nova morada e gostaria muito de ir lá com vocês!
- Calma, meu amigo, temos antes de conseguir permissão com o Kobauski. Você só irá se tiver o aval dele. Se ele consentir, partirão somente após o carnaval – falei-lhe.

- Olha só quem tá cheganu, pessoá – gritou o Nhô.
- Olá Xerequéia - falei sorrindo -, aqui está o que viste naquela noite, o seu “coisa ruim”!
- Nossa! Não parece a mesma criatura! Eu já to sabendo; o delegado me contou e tirou a maior gozação com minha cara!
- Vem cá , misifia, inda tem carni, arrois, salada di legumi – cum rabanete i pipinu -, du jeitu qui ôce gostcha. Mai inhantis, tomi uma talagada da amergosa!
- Comer até que eu quero, mas pinga... eu não quero não, obrigada! A partir deste ano novo parei de beber; não quero mais ficar vendo coisas por aí!
Enquanto Nhô servia e acompanhava a Xerê, que depois de encher um prato, foram para debaixo de um pé de manga, eu perguntei ao gringo;
- Richard, você imagina o porquê de ter sido abduzido por aqueles aliens?
- Pensando bem, acho que eles queriam copiar a minha memória; pelo menos a memória de cinco anos de aprendizado acadêmico e dez de prática como engenheiro de minas e geologia!
- Como assim, Richard – perguntei-lhe.
- Depois da minha queda do alto do jacarandá, recuperei a memória e o que está mais nítido nela é, justamente, esta parte. Eu me lembro desde o primeiro dia de aula na Universty of Bristol no Reino Unido. Agora, sou capaz de fazer cálculos de cabeça o que, no computador, demoraria minutos. E tem outra coisa, seu Lê... – interrompi.
- Fale, my friend, sou todo ouvidos!
- Lembrei-me agora de que quando estava em poder dos seres esverdeados, senti que estava em uma espécie de sala de UTI numa maca que flutuava; colocaram-me um capacete que estava ligado com o capacete de um dos seres.
- Então é isso, teu raciocínio está correto! Só pode ser isso – falei.
- Me pareceu que foi rápido, porém passaram-se quase três meses. Eles me levaram num domingo quando eu estava pescando sozinho às margens do Rio Cunene no distrito de Huila, perto do município de Jamba e, depois, me deixaram às margens do Rio do Peixe, perto da Mina Morro Velho na Serra Madre.
- Eles, com certeza, se enganaram de local. O importante é que, agora, você está bem – confortei-o.
- Seu Lê, - nos interrompeu o Juliano -, o senhor e o Rick vão ficar aqui no sítio?
- Sim Juliano, vamos dormir aqui e amanhã, às onze horas, iremos com o Nhô na inauguração do Boteco dos Caldos; encontraremos-nos lá. Leve toda a família do Zé das Flores. Eu vou patrocinar esta inauguração.
- Estaremos lá, pode estar certo! Então, até amanhã para todos! Vamos Beijo?
- Vamos sim! Ate amanhã pessoal - gritou Beijo entrando na Variant azul cobalto.
- Até amanhã - respondemos todos, menos o Nhô que disse:
- Intão, inté, intão, Misifiu!


Por volta das dezessete horas:
- Nhô, o senhor viu para onde foi o gringo? – perguntei
- Ieu estava mi dispidindo da Xerê e vi ieli inu lá pros ladu da Serra Madre, seu Lê. Ieli mi pidiu um martelu i uma taiadêra. Dissi qui quiria vê si incontrava umas pedra deferenti – falou-me o Nhô e complementou:
- I lá evêm ieli, Misifiu!
- Achou alguma coisa interessante, Richard? – perguntei-lhe.
- O senhor nem imagina, seu Lê, achei um mineral na subida da Serra Madre, do lado oposto da Mina Morro Velho, que pelos meus conhecimentos é Painita. O grama desse mineral vale quinze mil dinheiros. E, ainda, achei vestígios de Alexandrita, Tânzanita, Esmeralda Vermelha, Turmalina Paraíba e de alguns metais, cujo mais importante é a platina. Porém só vou ter certeza quando analisá-las.
- O senhor sabe quem é o dono dessas terras – perguntou-me eufórico o gringo.
- Estas terras, incluindo a Serra Madre e, prá mais de dez léguas depois, pertence ao Nhô Antônio Benzedô!
- Nhô, o senhor me permite de eu levar umas amostras para análise?
- Craro, seu Rico, podi ficá a vontadi. Despois ôce mi informa u resultadu prô modi ieu tirá umas cisma?
- Yes, my friend, off course!
- Richard, eu vou contigo amanhã cedo, apesar de ser sábado, na USV; conheço o novo reitor, o professor Oscarzinho, ele abrirá o laboratório de geologia para nós. Pode ter certeza!

Sábado, onze horas da manhã, no laboratório de geologia da Universidade Sideral de Virtuália, aberto com entusiasmo pelo solteirão convicto, o professor Oscarzinho.
- Como pode verificar , professor Oscar e seu Lê, valeu a pena ficarmos essas duas horas analisando esses minerais. Estão comprovadas as minhas suspeitas!
- Mas isto é ótimo para todo o Vale Virtualiano do Rio do Peixe – disse o professor.
- Engenheiro Richard, se você quiser a USV financiará uma pesquisa mais profunda sob seu comando. O que achas? – ofereceu-se Oscarzinho.
- Para alguém que adora o que faz e, no meu caso geologia, seria um sonho! – respondeu o gringo.
- O que achas seu Lê? Perguntou o reitor.
- Vamos conversar com o Nhô, o dono das terras antes de qualquer coisa. Quanto à sua pesquisa financiada pela USV, isto é contigo e eu, o apoiarei qualquer que seja a decisão.
- Já que você terminou as análises, vamos lá para a inauguração do Boteco dos Caldos. Eu o convido professor; venha nos acompanhar – falei taxativo.
- Eu aceito, pois adoro ensopados, espetinhos e caldos! É só o tempo de eu trancar as portas do laboratório! – respondeu o velho mestre.
No boteco abarrotado dos amigos do “free”, ou melhor, dizendo do “di grátis”:
- Misifiu, ieu já tava aguniadu! Ieu dexei ôces na porta da USV as sete hora i já é oni i meia! Ôceis demoraru, hein! – disse o Nhô e prosseguiu:
- Foi bão ieu vim cedu prô butecu, ieu... - Nhô foi interrompido pelo Biliato:
- O nosso “nêgo veio” deu os ajustes finais nos primeiros caldeirões dos ensopados, seu Lê! Agora sim encontramos a formulação correta!
- Eh! Eh! Eh! Ficô ingual us qui fiz prum generá nus campus di bataia lá na Itáia, na sigunda guerra mundiá, adondi eu fui infermeru i, quandu dava, ieu fazia uns agradu pros zómi! Nóis guardamu proceis um poçu desse premeru carderão. Mais inhantis tomem uma talagada da purinha qui ieu vô fornecê pru Butecu dus Cardu; essa é da mesma cana caiana que vamos levá as muda para ... – interrompi a conversa em alto tom de voz:
- Vamos provar agora Nhô, por favor! – Nhô percebeu a mancada que já ia dando na presença do professor Oscarzinho e antecipou:
- Premero pru perfessor – falou e deu meio copo americano do cheiroso aguardente e o, acostumado, Oscarzinho que depois de engolir num gole só e estalando os beiços, disse:
- Eita pinga boa, sô! Vocês vão levar as mudas de cana para onde? Para o céu? Esta bebida é digna dos anjos, arcanjos e deuses!
 Nhô, Richard e eu caímos na gargalhada!

Lá pelas quatro horas da tarde o boteco fechou e só iria abrir no dia seguinte às dezesseis horas. Este é o horário em que o espetinho do Goró começa a vender, apesar de ele estar produzindo mini-espetinho desde as oito horas para o Boteco dos Caldos.
Houve as tradicionais despedidas, entre os amigos, e Lezivo perguntou-me:
- O senhor vai passar o domingo aqui em Virtuália, seu Lê?
- Não tenho certeza, amigo; tenho alguns assuntos para resolver com o Nhô e Richard. Se resolvermos tudo hoje à noite, hoje mesmo eu viajo!
- Intonce vamu simbora pru sítiu inquantu tá craru. Ieu num gostchu de andá di noiti cum Bitencourt. Afiná nóis semu dois véi, eh!Eh!Eh!
- Então pessoal amigo, até mais ver! – gritei.

Na carroça e indo para o sítio expomos o que achávamos para o Nhô e ele meio triste falou:
- Ieu já sabia di tudu, misifiu. O Kobauski já tinha mi contadu issu qui ôceis discubriru. Ieli falô qui a Serra Madri já foi um vurcão dibaixu du mar quandu aqui era só água. Ieli falô qui aqui tem um minerá mutcho difici di achá nu universu. Ieli falô u nomi di comu ieli é cunhecidu na Terra. Ieu mi alembro qui ieli disse qui o homi ainda num encontrô nem cinquenta grama desse metá. U nome ieu num mi alembro e... – Richard arregalou os olhos e pensou alto:
- Será possível? Será Astato?
- É, achu qui é êssi u nomi! Ieu agora mi alembrei qui era argu parecidou cum sapatu, eh! Eh!Eh!
- Mas seu Lê, ieu autorizu ôceis a pesquisá, mas iei quiria qui a ixploração só fossi feita despois qui ieu parti prá incontrá c’ a minha Ritinha e...
- Calma, “véi”! Ninguém vai perturbar a tua, quer dizer, a nossa paz aqui nas suas terras! Essa pesquisa levará anos e só haverá exploração se o senhor consentir e for viável economicamente – falei para acalmar o meu velho amigo e o Richard o desencorajou:
- Sinto muito em dizer, mas só a Painita que analisei tem quatrocentas e oitenta e quatro gramas e, pela pureza, cada grama deve valer uns quinze mil dinheiros e o valor final dessa pedra será em torno de mais de sete milhões. Só esta pedra manterá a pesquisa por vários anos e sem envolvimento financeiro da USV!
- Nhô, eu acho que não há saída para nós. A única será, talvez, isolarmos a Serra Madre, isto é, separar completamente a serra do resto do sítio e é possível – tentei argumentar.
- Eh! Eh! Eh! Misifiu, ieu sô um pretu qui já nasceu ricu, pois tivi tudu qui quis e du bão e du mio e meu maió tesoro ieu perdi qui foi a Rita. I tem mais: - si ieu mi aborrecê ieu partu para uma nova morada bem distenti daqui i dexo prôce, seu Lê, arresorvê u qui fazê  cum tudu. Linhais, ieu achu qui u sinhô já sabi, num é? Eh! Eh! Eh!
- Ah, seu Lê, esqueci-me de falar que achei traços de plutônio em um punhado de terra onde estava alojada a Painita. Eu não entendo como todos esses materiais estão agrupados num só lugar? – disse o gringo.
- Ih! Agora é que a coisa vai fugir do controle, com certeza! – pensei só comigo.

Dezessete horas, trinta minutos e já no sítio:
- Então está tudo acertado, não é Richard; você, segunda-feira contatará a sua empresa, mas o que vistes é segredo, ok?
- Isto nem precisava falar, meu amigo. Vou para a capital na segunda e de lá para Angola. Antes do carnaval estarei de volta para ficar. Quero estar aqui para quando o Kobauski vier buscar o Juliano e o Beijo!
- Tudo bem então! E se ele autorizar você de ir conhecer a nova morada? – perguntei ao Rick.
- Seu Lê, eu largo tudo aqui na Terra e me mando para lá. Conhecer outro planeta fora de nossa galáxia é o sonho de um geólogo sonhador!
- Seu Lê, ieu vô jogá água nas muda qui vai prá Arret, pois tá numa hora boa prá issu! U sinhô si importa?
- Claro que não Nhô!
- E eu vou tomar um banho e fazer um relatório do que vi e fiz hoje. Isso é muito importante e... – interrompi o gringo.
- Olha Richard, eu tenho um notebook lá na minha caminhonete. Vou salvar os dois únicos arquivos importantes que estão na memória dele em três pen-drive, que sempre trago comigo, e vou te dar de presente esse computador portátil. Ele é de última geração e tem bateria super potente. Trouxe, é lógico, dois carregadores para a bateria e um deles é solar, você aceita?
- Pô, my friend, ainda pergunta? Tank you!
- Vamos pegá-lo, então!

Na caminhonete:
- Aqui está, é todo seu!
- Ih, seu Lê, um dos pneus traseiro está furado; vou trocá-lo para o senhor!
- Negativo! Na minha GMC só eu ponho as mãos e...

- Pai, pai! Acorda que a mãe tá te chamando! Ela quer te mostrar a pedra esquisita e bonita que o Lorenzo achou lá perto do morrinho onde tem a plantação de eucalipto. Ah! Eu troquei o pneu da GMC e já fui e voltei de Lima Duarte e trouxe o pneu consertado. Ele vai ficar no estepe, ok, “véi”?