ARRET
A NOVA MORADA
Produtos
NHÔ
- Paréci qui tá tudu normá, Misifiu!
- É mesmo, Nhô! Ainda bem que não afetou em nada e...
- Bom dia seu Lê – cumprimentou-me a Xerê.
- Bom dia – respondi à bisavó mais amável do universo, que trazia a risonha Ritinha no colo.
- Antônio, nós temos que arrumar alguém para cuidar da criação de java-porco. Depois de amanhã temos que entregar uma carcaça para o açougue, umas partes nobres para o Boteco de Caldos, para o Restô e para Maria Prato Feito. Não vamos conseguir. Nós não temos mais idade para tanto esforço, meu Nêgo!
- É diveras, minha preta, ieu...- resolvi interromper o diálogo dos dois:
- Tive uma ideia, “Véi”! Vamos para Virtuália resolver este assunto e ao mesmo tempo trazer a carroça, OK?
- Vocês vão agora? Já tá quase na hora do almoço. Em meia hora o assado estará pronto. Só falta picar os legumes e lavar a chicória e a radite.
- OK! Convenceu-nos, Xerê, vamos depois do almoço! Não é Nhô?
- Cum certeza, Misifiu! Inquantu nóis fais a salada, nóis toma uma Flor da Bosda, eh!Eh!Eh!
- Santas palavras, Nhô!
Depois do almoço , logo após lavarmos a louça para a patroa do Nhô, a caminho de Virtuália:
- O lombo assado de java-porco estava divino, não é Nhô?
- Ôôôô...si tava! A Xerê aprendeu a cunzinhá venu ieu cunzinhanu. Iela é uma cabocra isperta pur dimais, eh!Eh!Eh! Mai seu Lê, qui indeia qui é a sua sobri a criação di java-porcu?
- Vamos conversar com o Cilon Massa Bruta. Ele tá morando na casa que herdou da mãe dele. Dizem que ele está até casado, Nhô!
- Eh! Eh! Eh! Vai vê qui foi a muié qui colocô ieli nu prumu – disse sabiamente o Nhô!
Chegando ao bairro Cardilândia, periferia de Virtuália:
- É aqui nesta rua! Rua Nelson Ferreira número quatrocentos e oitenta e quatro. Lá está ele!
- Ieli tá parrudão du memu jeitchu. Ieli é capais di mata um java-porcu criadu cum um biliscão, eh! Eh! Eh!
- É bem capaz, Nhô, ah! Ah! Ah!
Paramos e descemos da GMC e, que a meu pedido, o Nhô veio dirigindo e muito bem, por sinal:
- Ô Cilão, ôce tá bão, Misifiu?
- Grande Nhô Antônio, o senhor parece mais jovem a cada vez que te encontro!
- Massa, essi aqui é u seu Lê. Ieli é u mió amigu, linhais, ieli é um pai prá todu mundu di Virtuáia.
- Prazer senhor Lê, já ouvi falar muito da vossa pessoa – falou o Cilon espichando a enorme mão direita em cumprimento.
- Em que posso servi-los. Só não reparem, pois estou arrumando minha mudança. Vou tentar a sorte lá no Mato Grosso – disse-me o Massa.
- Mato Grosso? Em que cidade Cilon – perguntei-lhe.
- Em Várzea Grande, senhor Lê, num frigorífico. Eu e minha esposa estamos só esperando a resposta de emprego de um amigo meu, de quando estava no presídio, e que está morando lá. Minha mulher, com certeza vai conseguir, pois sabe fazer todos os tipos de embutidos e derivados de carnes. Vamos juntar a fome com a vontade de comer, ou seja, o útil ao agradável.
- Misifiu, ôceis num vai percisá í tão longi prá trabaiá. Ieu i u seu Lê temu uma porposta prôceis!
- Nhô, prá falar a verdade, até minha propriedade já aluguei. Meus móveis já estão quase todos embalados. Se a resposta do meu amigo for negativa, nós vamos assim mesmo, ou seja, na cara e na coragem.
- Posso falar da proposta, Cilon? – insisti.
- Por favor, senhor Lê, sou todo ouvidos. Mas, espere um pouco que vou chamar a minha outra metade – disse-me isso e gritou:
- Regina, por favor, meu doce, venha até aqui na varanda!
- Já vou Ci, estou terminando de passar café! Quantos amigos teus tem aí?
- Dois, minha paixão!
Regina surge na porta da sala com uma bandeja, uma garrafa térmica vermelha, quatro xícaras e um recipiente com diversos biscoitos caseiros. Ela é uma jovem mulher, talvez com seus vinte e oito anos. Forte, sorriso perfeito e enfeitado por um par de olhos azuis indescritíveis.
- Boa tarde senhores – disse a mulata exuberante.
- Rê, estes são Nhô e o senhor Lê! Eles têm uma proposta para nos fazer. Podem falar, seu Lê!
- Prazê dona Regina - disse educadamente o Nhô; fiz o mesmo e comecei a falar:
- O Nhô está precisando de um casal para ajudar ele e a Xerê a continuar com o negócio de java-porco. A criação está muito grande e a procura por este tipo de carne aumentou assustadoramente. E os dois não estão dando conta dos serviços. Para resumir: nós contratamos vocês dois como funcionários do frigorífico que abriremos no sítio do Nhô. Terão todos os direitos trabalhistas, uma casa de alvenaria com todo o conforto da cidade e um salário de um mil dinheiros para cada um e...
- O que você acha Regina – perguntou o Massa me interrompendo.
- Negócio fechado! Quando começaremos senhor Lê?
- Hoje mesmo – disse e continuei falando e tomando o delicioso café:
- Vou com o Nhô lá no Descampado dos Moleques buscar um pangaré e colocá-lo na carroça do Nhô que ficou no estacionamento do Boteco dos Caldos. Separem as malas de vocês que o Nhô virá em meia hora, nesta caminhonete, para levá-los ao sítio. Eu seguirei depois de carroça.
- Seu Lê, ôce num qué invertê? Ieu cuidu da carroça i u sinhô leva ieis?
- Nhô, eu quero que o senhor vá se habituando com a Vermelhona e a dirigi-la com mais frequência.
- Já qui ôce qué, intão tá quistu, eh! Eh! Eh! Falanu divera, ieu adoru dirigi essa belezura.
- Então vamos lá, Nhô! Cilon, em meia hora, OK?
- OK, seu Lê, em vinte minutos estaremos prontos!
No Descampado dos Moleques:
- Este é o pangaré, senhores! Eu o chamo de Salzano, mas ele nem abana o rabo para esse nome! Podem levá-lo.
O Nhô colocou nele um cabresto, jogou um pelego no lombo do cavalo e montou em cima e falou, acariciando o pescoço do pangaré:
- Num si preocupa não viu, Salzanu; ôce vai ficá mai é discansanu nu pastu. Vai cumê só capim novu, aveia di pimêra i bebê só água minerá.
- Nhô, não sei se o senhor reparou que esse pangaré não vai correr atrás de égua nenhuma? E que nem vai atrapalhar o casal Bittencourt e Cachoeira?
- Eh! Eh! Eh! Foi a premêra cousa qui oiei, Misifiu!
Incrível! Parece que o cavalo entendeu. Deu um relincho e o Nhô seguiu em seu dorso apreciando a marcha troteada do animal. Eu os segui na GMC.
No estacionamento do Boteco dos Caldos:
- Nhô, pode ir levar a Regina e o Massa. Vou mais tarde! Tenho que conversar com o prefeito Jairo Edson sobre uns projetos que tenho em mente. Depois coloco você e a Xerê por dentro dos assuntos, OK?
- Tá bão, Misifiu! Ansim qui acomodá u Cilão i a dona Regina nu quartu di óspidi, ondi ieis vão ficá inquantu a mudança deies num chegá na casa di arvenaria, ieu vô mostrá prô Cilão u jeitchu di sangrá i distrinchá um java-porcu lá nu nossu matadô. Nóis vamu dá conta das intrega urgenti, eh! Eh! Eh!
Pouco depois, no sítio:
- Bão, já qui ieu apresentei a dona Regina prá Xerê, nóis vai lá pru matadô, Massa. A Xerê i ôce já si conhecia há muntchu tempu, num é memu?
- É sim Nhô, desde os tempos em que eu vivia nas ruas. A Xerê muito me ajudou!
Regina, que estava com a risonha Ritinha no colo, se prontificou:
- Se precisarem de mim para separar os miúdos dos “porcões” é só chamar, tá bom?
- OK, Rê – respondeu Massa.
No Matadouro, o Massa sugeriu:
- Nhô, vamos sangrar aquele de tamanho médio e que está muito agitado. Devido ao adiantado do horário, só vai dar tempo, ainda hoje, de limpar, destrinchar, separar o sangue e os miúdos para fazer chouriço. Aquele grandão eu preparo amanhã cedo. Por volta das cinco horas eu já estarei aqui e, até às seis e meia já estará pronto para levar para os clientes. O senhor levava como as carnes para a cidade, Nhô?
- Di carroça, Misifiu. Ieu i u Bittencourt.
- E amanhã, como vamos levar?
- Na Vremeiona du seu Lê. Ieli já otorizô. Vô colocá uma lona preta na caçamba déia i levá. Vai sê dois palitu, eh! Eh! Eh!
- Essi qui ôce abatê hoji, i perpará as parti, ficará naquéia geladerona qui tá pertu da pia, tá bão, Massa?
- Ótimo Nhô! O seu matadouro é muito limpo, azulejado, arejado e tem água mineral em abundância. As pocilgas de confinamento são perfeitas, Nhô! Quem deu a ideia de fazê-las assim?
- U seu Lê! Ieli trôxi a indeia lá di Minas Gerais. Diz ieli qui im Ponti Nova é ansim qui si trata di porcu para abati.
Por volta das dezenove horas, tudo já estava limpo, a carne na geladeira e a Rê cozinhava os quase três quilos de chouriço, quando cheguei:
- Caramba, é a primeira vez que sinto um cheiro de “morcilla” tão bom – falei aos meus amigos que estavam na cozinha do mini-frigorífico do sítio.
- O chouriço já está quase no ponto seu Lê! É uma receita especial criada pela minha Rê. É Uma iguaria dos deuses!
- Eh! Eh! Eh! U Kobausqui é qui vai gostcha, seu Lê!
- Talvez nós o convidemos num futuro próximo; ele e o Etevaldo para vir aqui saborear os quitutes da dona Regina, OK?
- Quem são essas pessoas, seu Lê – perguntou o Massa.
- É difícil de te explicar, Cilon! Só apresentando-lhes. E farei isto logo, logo!
- Pessoal, vou dar a janta da Ritinha e fazê-la dormir. Daqui a pouco eu volto!
- Tá bom minha amiga. Em trinta e um minutos o chouriço estará pronto – disse a Regina.
- Estou louca para provar. Vou trazer uns pães, que assei hoje, para acompanhar – disse a Xerê.
- Num percisa trazê Xerê! Nóis vamu levá u churiçu lá prô varandão da cunzinha di casa, tá bão? Daqui mai um pôcu nóis vamu tá lá. Vamu tomá umas branquinha i bebê umas Frô da Bosda juntu.
- Esse é o meu amigo Nhô – falei salivando.
- Eu e a Rê não ingerimos nada que contenha álcool, meus amigos. Foi nosso pacto de casamento – disse o Massa.
- Parabéns, Cilon e Regina, há muito também sou adepta ao não-álcool – disse Xerê e prosseguiu:
- Vou fazer um suco de laranja com cenoura para a Ritinha e para vocês, OK?
- Nossa, Xerê, como adivinhou que gostamos desse tipo de suco – perguntou surpresa a Rê.
- Pela pele de vocês e a disposição para a vida!
Meia hora depois no varandão:
- Regina, o Cilon tem razão, isto é uma iguaria divina. Nunca tinha comido chouriço tão saboroso e, além disso, é de java-porco!
- É porque o senhor não provou o presunto, linguiça e os defumados que a Rê sabe fazer, seu Lê!
- Não vai faltar oportunidade já que permanecerão com a gente, não é Nhô?
- É deveras, seu Lê! Mali pregunti Misifiu, u qui ôce conversô cum u prefeitu?
- Fui dar-lhe a ideia de fazer um ponto turístico onde caiu o meteorito. A cratera vitrificada que ficou no chão é exuberante. O parque de exposição poderá ser reconstruído no Descampado dos Moleques já que o terreno é da prefeitura e há muito tempo os meninos preferem as quadras de esportes das escolas e as municipais. Outra coisa que conversei, também, foi sobre a venda de derivados de java-porco para as merendas da rede pública da educação, asilos e creches de Virtuália e vou conversar com os prefeitos das outras cidades do Vale Virtualiano do Rio do Peixe.
- Mas que boa ideia, seu Lê, além de atender toda a rede de comércio no varejo dos nossos produtos vamos fornecer às prefeituras – falou o Cilon.
- Nhô, para as entregas o senhor vai usar a GMC. Vou deixá-la contigo até trazer uma preciosidade que vi em Belém do Pará para o senhor. Vai ser uma surpresa e tanto. A carroça ficará para outros tipos de serviços. Talvez eu retorne para Minas amanhã à noite e na minha próxima visita, trarei a surpresa, ok?
- Nossa, seu Lê, qui maravia!
- Mais um detalhe que ficou faltando acertar com o Massa e a esposa dele... é o seguinte: - assim que estabilizarmos no mercado de todo o Vale, o Cilon e a Regina terão participação nos lucros, OK?
- Ieu i a Xerê já ia propô cousa paricida, seu Lê. Foi bão u sinhô toca nu assuntu. Ieu i minha véia num percisamu di mai nada, pois temu tudu aqui. Tarveis pru futuru da Ritinha ieu tinha pensadu... – interrompi o Nhô:
- Já falei com o prefeito e iniciei a abertura do frigorífico como uma empresa de fato. A Ritinha será a sócia com cinquenta por cento da empresa, trinta por cento ficarão com o Cilon e a Regina e os outros vinte por cento diluídos entre os funcionários.
- Pelo amor de deus, senhor Lê! Por que o senhor está fazendo isso por mim, quer dizer, pela gente – perguntou o Massa admirado.
- Não tem explicação, meu amigo! Para ajudar os amigos não é preciso de muitas explicações – disse-lhe e continuei:
- Fazendo assim estaremos todos nos ajudando, ou seja, eu ajudo vocês e vocês ajudam a família do Nhô, OK?
- Perfeitamente – disse o Cilon e a Regina ao mesmo tempo.
- Nhô, eu não vou poder ficar para o rodeio, pois sinto que terei que voltar para Minas. Tudo, no tocante ao frigorífico, já está acertado com o prefeito, secretário de obras, meio ambiente e com a secretaria de higiene, saúde e sanitária. Quando eu retornar por aqui, tenho certeza, vou encontrar tudo funcionando. Já encomendei todo o maquinário para a empresa. O fornecedor entregará tudo instalado e funcionando.
- Eu tenho a minha sugestão para o nome do frigorífico... e vocês, o que sugerem?
- Ieu num tenhu nem indeia – disse o Nhô.
- Eu sugiro: Frigorífico do Nhô – disse a Regina .
- Ótimo nome – disse a Xerê e prosseguiu:
- Os produtos poderão simplesmente chamar: Produtos Nhô, ou seja: Presuntos Nhô; Linguiças Nhô, Apresuntados Nhô; Bacon Nhô e... – interrompi a Xerê:
- Impressionante como o universo está conspirando a favor! Foi exatamente a ideia que me surgiu!
- Eh! Eh! Eh! Virei nomi de cumida feita cum carni di java-porcu! Eita porquêra de indeia porreta, sô!
- Ah! Ah! Ah! – gargalhamos geral.
A prosa e trocas de ideias foram até altas horas até que a Xerê falou:
- Vou me recolher que estou pregadona!
- Ieu vô cocê, minha preta! Oji ieu tô mortim, eh! Eh! Eh!
- Vamos Cilon, amanhã cedo temos muito que fazer – disse Regina ao marido.
- Eu também vou me recolher. Vou lá para o meu cantinho descansar um pouco e lá pelas três e trinta e um minutos da manhã eu “me pirulito”, OK, pessoal? Boa noite para todos!
- Boa noite - responderam.
Continua em 28/09/2013 em:
Água
dos
Deuses
Para entender este texto tu tens que ir lá no início dos textos. Com o passar da leitura dos primeiros textos é que irás entender -
ResponderExcluircronologicamente -,este e os outros, até o final, ok?
Se quiseres contatos eis meu e-mail:
lecinof@gmail.com