sábado, 28 de setembro de 2013

ARRET
A NOVA MORADA
Águas
dos
Deuses

Por volta das três horas e trinta e um minutos eu acordei:
- Caramba, eu ainda estou num leito hospitalar? E essa agora, a narina direita está sangrando – falei passando a mão esquerda, que estava livre, no nariz.
- Rô! Rô! Onde você... minha gritaria foi interrompida:
- Estou aqui paixão eu...  - Rô arregalou os olhos e começou a gritar:
- Enfermeira! Enfermeira! Corra, por favor, o meu Lê está mal!
Vieram enfermeira e o médico do plantão e começaram os procedimentos para estancar a hemorragia nasal.
Alguns minutos depois:
- A hemorragia cessou! Vamos fazer outra bateria de exames e tirar radiografias em 3D de toda a cabeça, assim que o Dr. José Walter chegar. Já mandamos chamá-lo.
Sete horas e trinta e um minutos:
- Dona Rô, talvez tenhamos que operar o teu marido novamente. Há outro coágulo no lado oposto onde ele bateu a cabeça no acidente do avião – expôs o doutor José Walter e continuou a falar:
- Vamos mantê-lo sedado por mais setenta e duas horas enquanto aplicamos medicamentos para tentar dissolver o coágulo; caso não o consigamos, teremos que operá-lo novamente!
- Ah! Meu Lê, você vai ficar bom eu...
- Calma Rô, tudo vai dar certo e... espere doutor! Deixa-me conversar um pouco mais com a minha... – o sedativo de dose cavalar fez efeito...

Na estrada para o sítio do Nhô:
- Caramba, parece que faz um tempão que não dirijo por esta estrada. Talvez seja este caminhão, Saurer-diesel, do tempo da segunda guerra, no qual adaptei um baú térmico-frigorífico, me faça ver diferente, ah! Ah! Ah! Quem vai gostar dele será o Nhô, pois este caminhãozinho, para três mil quilos de carga, é a cara dele, ou seja, antigo e forte para qualquer tipo de serviço. Porém a alma, digo, o motor e a caixa de marcha são de veículo do mesmo porte e do ano retrasado.
- Como é bonito esta hora do dia o Vale Virtualiano do Rio do Peixe. Vou encostar lá na curva do mirante. De lá vejo todo o vale e o sítio.

Em alguns minutos no mirante: 
- Olha só como corre aquele potrinho puro-sangue! Ele está indo em direção daquela égua..., mas... mas, é a Cachoeira! E o Bittencourt está perto dela. Caramba, o potrinho é cria dos dois! Ah! Ah! Ah! O pangaré não é tão velho assim – falei direcionando meu olhar para sede do sítio:
- Aquela fumaça entre as árvores do sítio, mas espera aí! Não, não é fumaça... é vapor de uma caldeira. Vou acelerar este possante e ver de perto. Parece que a indústria vai de vento em popa.
Trinta e um minutos depois buzinei no portão do sítio:
- Vovô, tem gente buzinando no portão disse uma moreninha de mais ou menos seis anos de idade e tão linda que dava gosto ficar olhando para ela. Os olhos cor de mel, cabelos negros anelados e a pele morena e reluzente.
- Ritinha – perguntei.
- O senhor me conhece, moço ? respondeu-me.
- Olha só quem chegou Antônio, o seu Lê gritou a Xerê da janela da sala.
- Ôce num morri tão cedu, Misifiu! A Xerê falô im ocê indagorinha inquantu disenfromava umas broas prô café da tardi du pessoa du friguríficu olhei para o relógio antigo do caminhão e vi que eram quinze horas e trinta e um minutos.
- Misifiu, ieu nunca vi um caminhão du tempu da guerra tão bunitin – observou o Nhô.
- É mesmo daquele tempo com mecânica atual, “Véi”! Você gostou? É para o frigorífico, isto é, ele é teu!
Os olhos do meu velho amigo marejou e ele disse:
- Ansim ocê mata essi negu véi, Misifiu! Ieu andei muntchu nessi tipu di viatura.
- É para substituir a Vermelhona que deixei contigo até agora, com a minha volta ao Vale.
- A Vremeiona tem nus ajudadu muntchu, seu Lê! Ieia i a carroça. I ocê num sabe da maió: - u Bitenciurt pidiu prá fazê uma viagi di carroça prá matá a sodadi.
- Ah! Ah! Ah! Essa não, “Véi”, como ele te pediu?
- Ostro dia ieu coloquei uns sacu di café prá levá lá prá coperativa i inhantis di arriá u Salzanu, u Bitencurt entrô nu meiu dus varão da carroça, bateu c'ás pata diantêra nu chão i relinchô umas quatru veis. I ieu qui num sô burru entendi u qui ieli quiria.
- Ah... Tá! Entendi Nhô, ele mesmo achou que estava muito gordo e precisava de exercícios, não é?
- Eh! Eh! Eh! Vai vê qui é, né memu? Ocê viu o potrin, fiu deie nu pastu, seu Lê?
- Sim, vi! É uma maravilha!
- Já ofereceru centu i cinquenta mil dinheiru pur ieli i ieu tava ti esperanu prá dá a resposta prô chujeitchu qui feis a oferta. O potrin já tá prontu, vacinadu i dismamadu.
- Quem é o cara que quer comprar?
- U Liberatu! Alembra deie? Ieie as veis vem aqui nu sítiu dá umas vorta na Cachuêra prá matá a sodadi. Ieli dissi qui nunca mais achô uma égua iguá essa cumpanhêra du Bitencurt. Quandu viu u potrim ficô alegri iguá uma criança feliz.
- Pode vender se quiser Nhô! Ele lhe pertence.
- Vô vendê i guardá u dinheru na porpança da Ritinha, Misifiu!
- Sábia decisão “Véi”! E o frigorífico? O Massa e a Regina, como estão?
- Tão muntchu bão! Eies i tamém u Celinu.
- Celinu? Quem é? Não conheço!
- É u fioti deies qui nasceu anu passadu. Eies ia colocá u seu nomi, mai u Cilão acho qui u sinhô podia num gostchá i colocô as mema letra du seu nomi, só qui invertida, eh! Eh! Eh!
- Caramba! Já se passaram mais de dez meses que eu me ausentei daqui?
- Num fais deis méis não, seu Lê, fais é treis anu, um méis i um dia, eh! Eh! Eh! Ocê si isqueceu qui u tempu é mêi doidu entri u seu mundu irreá i u mundu di Virtuáia? I óia qui num tô nem falanu nus buracu di minhoca!
- Tem razão “Véi”, às vezes eu “viajo” e esqueço-me desse detalhe, ah! Ah! Ah!
- Como a bisnetinha de vocês está bonita, heim? Estão de parabéns. Ela tem tudo para ser uma ótima pessoa além, é claro, de toda essa beleza que cresce com ela.
- Si ocê tá falanu, intão tá faladu!
De repente senti uma dor aguda na cabeça que tive que me apoiar no ombro do Nhô.
- Qui é qui ocê tem Misifiu?
- É a dor de cabeça, Nhô! Ela tem piorado muito. Agora deu uma dor tão aguda que escureceu até a visão.
- Vamu inté u varandão da cunzinha qui vô perpará um chá forti qui iela vai sará rapidim, é dois palitu!
Feito isso e dez minutos depois:
- Que remédio milagroso foi esse Nhô? A dor foi embora como que cortada pela raiz?
- Eh! Eh! Eh! São raiz qui ieu misturei i fiz u chá! A dor pareci qui é tirada c’ as mão, ah! Eh! Eh!
      - Antônio, o lanche do pessoal tá pronto – falou a Xerê!
- Ótimo Xerê – intrometi-me. - Vamos juntos Nhô e, no Saurer. O caminhão já está a serviço dos Produtos Nhô!
- Intão tá intão, Misifiu!
Carregamos o lanche para dentro do bauzinho e entreguei-lhe as chaves do possante e falei:
- Toma Nhô, agora só você e o Massa o dirigirão – Nhô pegou as chaves, subiu na cabine, ligou o motor, deu uma acelerada e gritou:
- Vamu qui vamu, pessoá! “Senta a pua” qui hoji a cobra vai fumá!”
Se eu não conhecesse o meu amigo diria que ele estaria tendo um delírio de guerra.

No galpão onde está instalada a indústria dos Produtos Nhô. Lá estava o Cilon todo de branco dos pés até aos cabelos. Até com a máscara no rosto dava para reconhecê-lo devido o seu porte avantajado:
- Seu Lê, a quanto tempo, aliás, a quantos anos não nos vemos, heim?
- Como vai meu amigo? E a Regina? O Celino?
- Estamos ótimos! Então já sabe que temos um pimpolho?
- Eh! Eh! Eh! Intonsi ocê num sabi qui u seu Lê sabi das coisa, Massa - brincou o Nhô.
- Sei sim, Nhô e sei, também, que o seu Lê é nosso anjo da guarda!
- Pessoal, chega de rasgação de seda! Pelo que vejo tudo funciona perfeitamente, não é Massa?
-Sim seu Lê! Não aumentamos a fábrica e nem a produção. Temos os mesmos dez funcionários sem contar comigo, Nhô e a Regina. Optamos por aprimorarmos sempre a qualidade e manter o padrão dos Produtos Nhô. Temos tudo que precisamos para vivermos bem e tranquilos. Ajudamos todos os nossos funcionários a ter suas casas próprias, fornecemos bolsas de estudos para os filhos deles e esperamos mantê-los até quando se formarem numa faculdade.
- Vamos até a cozinha de testes para o senhor provar nossos produtos, seu Lê – convidou o Massa.
Na cozinha equipada e muito limpa do frigorífico, enquanto uma funcionária prepara uns petiscos para degustarmos, eu perguntei ao Nhô:
- Nhô, essa água toda que desce por essa enorme valeta e vai desaguar no Ribeirão Limpo vem daquele local da Serra Madre?
- É sim, Misifiu! Um mêis despois du ocorridu na serra, danô a descê água pela aquela bica lá da minha cunzinha qui tivi, cum a ajuda dus nossus amigu, a fazê um disviu para u Riberão Limpu. A quantidadi qui vai lá prá casa é a mema.
- Caramba Nhô, essa água é puríssima. Vamos colher amostras e levá-las à USV e pedir ao Oscarzinho para mandar analisar. Talvez pudéssemos aproveitá-la em lugar de jogá-la em no ribeirão!
- Si alembra, seu Lê, qui us Flô usava deia prá fazê a cerveja perguntou-me o Nhô.
- Lembro, é claro! Mas, peraí... o senhor falou usava?
- É falei sim! Eies parau di fabricá a cerveja  i issu já tem um tempão. Acabaru as árvis di bosda. Eies substituiru a bosda por lubul...lubulu...ieu num sei fala a palavra, seu Lê!
- Lúpulo, Nhô!
- Issu! É essi u nomi, mai num ficô bão i aí fecharu a fabriquinha.
- Tive uma ideia Nhô! Mas, vamos conversar sobre ela depois de termos a análise desta água, OK?
- OK, Misifiu!
- Senhores, a mesa com os produtos para degustação está posta – disse-nos Prieta, a funcionária e técnica em alimentos e, que por coincidência, é sobrinha da Maria Prato Feito.
- Brigadu, Prêta! Esti é u seu Lê! Ieli é lá di Minas tamém – apresentou-me a ela o “Véi”.
- Prazer Prieta! Você veio de onde?
- De Ponte Nova, seu Lê. Minha tia havia me falado deste frigorífico e vim trabalhar aqui.
- E está gostando – perguntei-lhe.
- Aqui é o paraíso, seu Lê! É tudo que uma técnica em derivados de carnes sonha em trabalhar.
- Prove esta fatia de presunto defumado, meu amigo – falou o Massa.
Provei:
- Divino, Cilon! Não conhecia presunto defumado! Está ótimo!
- Não esqueça que tudo o que produzimos é de carne de java-porco, OK? – disse o Cilon.
- E por falar nesses animais, como vai a criação deles, meus amigos?
- Proporcional ao que produzimos, seu Lê. Os “cachaços” que “vieram do céu” como diz dona Xerê, são muitos eficientes e o tempo de engorda dos descendentes deles é menos da metade de um porco comum e a carcaça é duas vezes maior.
- Misifiu, porvi essa linguiça pura di pernil qui é temperada cus meus temperu – falou Nhô me estendendo um pratinho com linguiça frita e espetadas no palito.
Provei:
- Eitaaaaah! Conseguiram juntar o que era ótimo com o melhor ainda! Sensacional!
Ficamos ali até por volta das dezessete e trinta e um minutos saboreando aqueles petiscos feitos para os deuses da culinária quando o Nhô me perguntou:
- Misifiu, u qui ocê achô das imbalagi?
- Muito, mas muito criativas mesmo, Nhô! Elas foram feitas onde?
- Vem di fora du Vali mai foi u Julianu qui desenhô prá nóis, eh! Eh! Eh! Ieli feis u desenho só da minha barba, zóio i chapéu i fico iguazin ieu.
- Muito criativa! Só podia ser ideia de um ótimo carnavalesco. E, por falar nele, no Juliano, vamos coletar amostra da água para levar à USV. Vamos lá agora, Nhô.
- Eu vou trazer recipientes apropriados para isso, seu Lê. E, se quiser, eu coleto para os senhores – ofereceu-se a técnica Prieta.
- Ótima ideia, garota! Vamos lá então!
Feito a coleta, montamos na Vermelhona e falei ao Nhô:
- Eu vou dirigir Nhô! Tô morrendo de saudade desta GMC!
- Eh! Eh! Eh! Teji a vontadi, Misifiu.
Liguei o motor, acelerei só para ouvir o ronco do motor e falei da janela:
- Cilon e Prieta, os Produtos Nhô será consumido até em outros mundos! Até logo e parabéns!
- Tá bom seu Lê, sempre brincalhão, heim? Até logo! – respondeu pelos dois o Massa Bruta.

No caminho do frigorífico para Virtuália:
- U qui ocê pertendi com essa amostra da água minerá qui sai da Serra Madri, seu Lê?
- Vamos ver se a qualidade compensará Nhô, por isso é bom a análise. Se compensar... - fui interrompido:
- U qui é qui tem Misifiu?
- Antes me responda Nhô: - o que o Juliano e a família Flores estão fazendo, depois que pararam com a produção da Flor da Bosda, além é claro, do serviço público?
- Só cuidam da horta i du pomar qui ielis fizeru nu lugá das árvi di bosda i, memu ansim, duas veis pur semana.
- Se a água compensar vamos ajudar esses nossos amigos a engarrafá-las, Nhô!
- Ingarrafá a água? Modiquê, seu Lê?
- Para exportar para fora de Hy –Brasil. O senhor sabe o que fizeram com o maquinário da cervejaria?
- Sei! Ieis limparu i vedaru tudu cum lona preta.
- Ótimo!

Chegando à USV por volta das dezoito horas e trinta e um minutos:
- Em três horas a resposta da análise estará pronta, senhores.  – falou o Oscarzinho enquanto entregava as amostras ao professor e engenheiro químico da USV.
- Agradeço Oscarzinho, mais esta ajuda!
- Nós é que agradecemos o teu apoio financeiro para nossos projetos de pesquisas, seu Lê – respondeu-nos o reitor e amigo Oscarzinho.
Despedimo-nos e fomos para a casa dos Flores.
- Já são quaji seti hora da noiti, seu Lê. U pessoá dus Flô já dedi tá todu im casa – disse-me o “Véi”.
- Então vamos conversar com todos ao mesmo tempo. Depois vamos passar no Boteco, cumprimentar nossos amigos e aí retornaremos na USV para pegarmos o resultado da amostra da água com o Oscarzinho. Tenho certeza que ele vai estar nos esperando para entregá-la pessoalmente, OK?
- Tá certu, Misifiu!

No CSV, na casa dos Flores, depois de verificar todo o maquinário e matar a saudade que parecia de séculos dos meus amigos:
- Então está combinado, Juju, vamos engarrafar a água mineral que jorra da Serra Madre. Tenho certeza que é muito boa. Já falei com todas as partes que se envolverão para a instalação da engarrafadora e...
- Mas seu Lê, como faremos? A mina fica lá no sítio do Nhô?
- Vamos levar todo o maquinário para lá, Hibisco. Faremos um galpão para isso e usaremos o espaço, para estocagem, do sistema de distribuição do frigorífico. Quase toda a água será exportada de Hy-Brasil já que a água potável, do Vale do Rio do Peixe, que é distribuída pelas cidades é puríssima e não temos mercado aqui para esse produto.
- A engarrafadora de água funcionará na parte da manhã nas segundas, quartas e sextas-feiras  para que todos possam continuar com seus empregos públicos na prefeitura na parte da tarde, certo? Às onze horas vocês param tudo, almoçam no frigorífico e depois seguem de ônibus urbano, que passa por aqui as onze e cinquenta ou vão na Variant do Juju à prefeitura. Terão registro em carteira do trabalho, salário de oitocentos e cinquenta dinheiros cada e participação no lucro de cinco por cento no final do balanço financeiro  de cada ano. Finalizando:
- O que vocês me dizem, membros da família Flores?
- Aceitamos! – foi a resposta em coro.
- Então está acertado, OK?
- OK, seu Lê, estaremos torcendo para que dê tudo certo – falou o Zé das Flores.
- Vai dar sim, seu Zé – respondeu o Juju ao “sogro”.
- Seu Lê e Nhô, jante com a gente. A Begônia fez frango com quiabo, angu e couve cortada bem fininho.
- Ieu aceitchu – antecipou o Nhô.
- Mas antes, seu Lê, vamos saborear umas Flor da Bosda. Ainda temos aquela reserva que guardamos para quando o senhor vier nos visitar – disse o Beijo.
- Caramba, como posso resistir a um convite destes? Nhô, iremos visitar nossos amigos no Boteco outro dia. Depois de sairmos daqui passaremos na USV para pegar o resultado da análise e retornaremos ao sítio, OK?
- Certu Misifiu!

Por volta das vinte horas e trinta e um minutos:
- A prosa tá muntchu boa mai temu qui í, pessoa! U Bittencurt num godtcha di viajar di noiti... – interrompi o Nhô:
- Que Bittencourt, “Véi”? Esqueceste que estamos com a GMC?
- Eh! Eh! Eh! A veíci já tá mi afetanu, misifiu!
Na USV:
- Aqui está o resultado da análise, seu Lê! Pedi que ele os aguardasse até esta hora porque o resultado é sensacional. Vou pedir ao doutor em química, Geraldo Taufik, para te explicar, OK?
- OK, doutor Geraldo! Muito prazer em conhecê-lo!
- Idem, idem, meu caro jovem. Esta água é tão cristalina e composta com todos os elementos químicos que nosso organismo precisa para se manter saudável e rejuvenescido. Eu diria que essa água é uma água dos deuses.

Continua em 05/10/2013 em:
& :
Virtuália
FOREVER 


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

ARRET
A NOVA MORADA
Produtos
NHÔ
     - Paréci qui tá tudu normá, Misifiu!
- É mesmo, Nhô! Ainda bem que não afetou em nada e...
- Bom dia seu Lê – cumprimentou-me a Xerê.
- Bom dia – respondi à bisavó mais amável do universo, que trazia a risonha Ritinha  no colo.
- Antônio, nós temos que arrumar alguém para cuidar da criação de java-porco. Depois de amanhã temos que entregar uma carcaça para o açougue, umas partes nobres para o Boteco de Caldos, para o Restô e para Maria Prato Feito. Não vamos conseguir. Nós não temos mais idade para tanto esforço, meu Nêgo!
- É diveras, minha preta, ieu...- resolvi interromper o diálogo dos dois:
- Tive uma ideia, “Véi”! Vamos para Virtuália resolver este assunto e ao mesmo tempo trazer a carroça, OK?
- Vocês vão agora? Já tá quase na hora do almoço. Em meia hora o assado estará pronto. Só falta picar os legumes e lavar a chicória e a radite.
- OK! Convenceu-nos, Xerê, vamos depois do almoço! Não é Nhô?
- Cum certeza, Misifiu! Inquantu nóis fais a salada, nóis toma uma Flor da Bosda, eh!Eh!Eh!
- Santas palavras, Nhô!

Depois do almoço , logo após lavarmos a louça para a patroa do Nhô, a caminho de Virtuália:
- O lombo assado de java-porco estava divino, não é Nhô?
- Ôôôô...si tava! A Xerê aprendeu a cunzinhá venu ieu cunzinhanu. Iela é uma cabocra isperta pur dimais, eh!Eh!Eh! Mai seu Lê, qui indeia qui é a sua sobri a criação di  java-porcu?
- Vamos conversar com o Cilon Massa Bruta. Ele tá morando na casa que herdou da mãe dele. Dizem que ele está até casado, Nhô!
- Eh! Eh! Eh! Vai vê qui foi a muié qui colocô ieli nu prumu disse sabiamente o Nhô!

Chegando ao bairro Cardilândia, periferia de Virtuália:
- É aqui nesta rua! Rua Nelson Ferreira número quatrocentos e oitenta e quatro. Lá está ele!
- Ieli tá parrudão du memu jeitchu. Ieli é capais di  mata um java-porcu criadu cum um biliscão, eh! Eh! Eh!
- É bem capaz, Nhô, ah! Ah! Ah!
Paramos e descemos da GMC e, que a meu pedido, o Nhô veio dirigindo e muito bem, por sinal:
- Ô Cilão, ôce tá bão, Misifiu?
- Grande Nhô Antônio, o senhor parece mais jovem a cada vez que te encontro!
- Massa, essi aqui é u seu Lê. Ieli é u mió amigu, linhais, ieli é um pai prá todu mundu di Virtuáia.
- Prazer senhor Lê, já ouvi falar muito da vossa pessoa – falou o Cilon espichando a enorme mão direita em cumprimento.
- Em que posso servi-los. Só não reparem, pois estou arrumando minha mudança. Vou tentar a sorte lá no Mato Grosso – disse-me o Massa.
- Mato Grosso? Em que cidade Cilon – perguntei-lhe.
- Em Várzea Grande, senhor Lê, num frigorífico. Eu e minha esposa estamos só esperando a resposta de emprego de um amigo meu, de quando estava no presídio, e que está morando lá. Minha mulher, com certeza vai conseguir, pois sabe fazer todos os tipos de embutidos e derivados de carnes. Vamos juntar a fome com a vontade de comer, ou seja, o útil ao agradável.
- Misifiu, ôceis num vai percisá í tão longi prá trabaiá. Ieu i u seu Lê temu uma porposta prôceis!
- Nhô, prá falar a verdade, até minha propriedade já aluguei. Meus móveis já estão quase todos embalados. Se a resposta do meu amigo for negativa, nós vamos assim mesmo, ou seja, na cara e na coragem.
- Posso falar da proposta, Cilon? – insisti.
- Por favor, senhor Lê, sou todo ouvidos. Mas, espere um pouco que vou chamar a minha outra metade disse-me isso e gritou:
- Regina, por favor, meu doce, venha até aqui na varanda!
- Já vou Ci, estou terminando de passar café!  Quantos amigos teus tem aí?
- Dois, minha paixão!
Regina surge na porta da sala com uma bandeja, uma garrafa térmica vermelha, quatro xícaras e um recipiente com diversos biscoitos caseiros. Ela é uma jovem mulher, talvez com seus vinte e oito anos. Forte, sorriso perfeito e enfeitado por um par de olhos azuis indescritíveis.
- Boa tarde senhores – disse a mulata exuberante.
- Rê, estes são Nhô e o senhor Lê! Eles têm uma proposta para nos fazer. Podem falar, seu Lê!
- Prazê dona Regina - disse educadamente o Nhô; fiz o mesmo e comecei a falar:
- O Nhô está precisando de um casal para ajudar ele e a Xerê a continuar com o negócio de java-porco. A criação está muito grande e a procura por este tipo de carne aumentou assustadoramente. E os dois não estão dando conta dos serviços. Para resumir: nós contratamos vocês dois como funcionários do frigorífico que abriremos no sítio do Nhô. Terão todos os direitos trabalhistas, uma casa de alvenaria com todo o conforto da cidade e um salário de um mil dinheiros para cada um e...
- O que você acha Regina perguntou o Massa me interrompendo.
- Negócio fechado! Quando começaremos senhor Lê?
- Hoje mesmo – disse e continuei falando e tomando o delicioso café:
- Vou com o Nhô lá no Descampado dos Moleques buscar um pangaré e colocá-lo na carroça do Nhô que ficou no estacionamento do Boteco dos Caldos. Separem as malas de vocês que o Nhô virá em meia hora, nesta caminhonete, para levá-los ao sítio. Eu seguirei depois de carroça.
- Seu Lê, ôce num qué invertê? Ieu cuidu da carroça i u sinhô leva ieis?
- Nhô, eu quero que o senhor vá se habituando com a  Vermelhona e a dirigi-la com mais frequência. 
- Já qui ôce qué, intão tá quistu, eh! Eh! Eh! Falanu divera, ieu adoru dirigi essa belezura.
- Então vamos lá, Nhô! Cilon, em meia hora, OK?
- OK, seu Lê, em vinte minutos estaremos prontos!

No Descampado dos Moleques:
- Este é o pangaré, senhores! Eu o chamo de Salzano, mas ele nem abana o rabo para esse nome! Podem levá-lo.
O Nhô colocou nele um cabresto, jogou um pelego no lombo do cavalo e montou em cima e falou, acariciando o pescoço do pangaré:
- Num si preocupa não viu, Salzanu; ôce vai ficá mai é discansanu nu pastu. Vai cumê só capim novu, aveia di pimêra i bebê só água minerá.
- Nhô, não sei se o senhor reparou que esse pangaré não vai correr atrás de égua nenhuma? E que nem vai atrapalhar o casal Bittencourt e Cachoeira?
- Eh! Eh! Eh! Foi a premêra cousa qui oiei, Misifiu!
Incrível! Parece que o cavalo entendeu. Deu um relincho e o Nhô seguiu em seu dorso apreciando a marcha troteada do animal. Eu os segui na GMC.

No estacionamento do Boteco dos Caldos:
- Nhô, pode ir levar a Regina e o Massa. Vou mais tarde! Tenho que conversar com o prefeito Jairo Edson sobre uns projetos que tenho em mente. Depois coloco você e a Xerê por dentro dos assuntos, OK?
- Tá bão, Misifiu! Ansim qui acomodá u Cilão i a dona Regina nu quartu di óspidi, ondi ieis vão ficá inquantu a mudança deies num chegá na casa di arvenaria, ieu vô mostrá prô Cilão u jeitchu di sangrá i distrinchá um java-porcu lá nu nossu matadô. Nóis vamu dá conta das intrega urgenti, eh! Eh! Eh! 

Pouco depois, no sítio:
- Bão, já qui ieu apresentei a dona Regina prá Xerê, nóis vai lá pru matadô, Massa. A Xerê i ôce já si conhecia há muntchu tempu, num é memu?
- É sim Nhô, desde os tempos em que eu vivia nas ruas. A Xerê muito me ajudou!
Regina, que estava com a risonha Ritinha no colo, se prontificou:
- Se precisarem de mim para separar os miúdos dos “porcões” é só chamar, tá bom?
- OK, Rê – respondeu Massa.

No Matadouro, o Massa sugeriu:
- Nhô, vamos sangrar aquele de tamanho médio e que está muito agitado. Devido ao adiantado do horário, só vai dar tempo, ainda hoje,   de limpar, destrinchar, separar o sangue e os miúdos para fazer chouriço. Aquele grandão eu preparo amanhã cedo. Por volta das cinco horas eu já estarei aqui e, até às seis e meia já estará pronto para levar para os clientes. O senhor levava como as carnes para a cidade, Nhô?
- Di carroça, Misifiu. Ieu i u Bittencourt.
- E amanhã, como vamos levar?
- Na Vremeiona du seu Lê. Ieli já otorizô. Vô colocá uma lona preta na caçamba déia i levá. Vai sê dois palitu, eh! Eh! Eh!
- Essi qui ôce abatê hoji, i perpará as parti, ficará naquéia geladerona qui tá pertu da pia, tá bão, Massa?
- Ótimo Nhô! O seu matadouro é muito limpo, azulejado, arejado e tem água mineral em abundância. As pocilgas de confinamento são perfeitas, Nhô! Quem deu a ideia de fazê-las assim?
- U seu Lê! Ieli trôxi a indeia lá di Minas Gerais. Diz ieli qui im Ponti Nova é ansim qui si trata di porcu para abati.
Por volta das dezenove horas, tudo já estava limpo, a carne na geladeira e a Rê cozinhava os quase três quilos de chouriço, quando cheguei:
- Caramba, é a primeira vez que sinto um cheiro de “morcilla” tão bom – falei aos meus amigos que estavam na cozinha do mini-frigorífico do sítio.
- O chouriço já está quase no ponto seu Lê! É uma receita especial criada pela minha Rê. É Uma iguaria dos deuses!
- Eh! Eh! Eh! U Kobausqui é qui vai gostcha, seu Lê!
- Talvez nós o convidemos num futuro próximo; ele e o Etevaldo para vir aqui saborear os quitutes da dona Regina, OK?
- Quem são essas pessoas, seu Lê – perguntou o Massa.
- É difícil de te explicar, Cilon! Só apresentando-lhes. E farei isto logo, logo!
- Pessoal, vou dar a janta da Ritinha e fazê-la dormir. Daqui a pouco eu volto!
- Tá bom minha amiga. Em trinta e um minutos o chouriço estará pronto – disse a Regina.
- Estou louca para provar. Vou trazer uns pães, que assei hoje, para acompanhar – disse a Xerê.
- Num percisa trazê Xerê! Nóis vamu levá u churiçu lá prô varandão da cunzinha di casa, tá bão? Daqui mai um pôcu nóis vamu tá lá. Vamu tomá umas branquinha i bebê umas Frô da Bosda juntu.
- Esse é o meu amigo Nhô – falei salivando.
- Eu e a Rê não ingerimos nada que contenha álcool, meus amigos. Foi nosso pacto de casamento – disse o Massa.
- Parabéns, Cilon e Regina, há muito também sou adepta ao não-álcool – disse Xerê e prosseguiu:
- Vou fazer um suco de laranja com cenoura para a Ritinha e para vocês, OK?
- Nossa, Xerê, como adivinhou que gostamos desse tipo de suco perguntou surpresa a Rê.
- Pela pele de vocês e a disposição para a vida!

Meia hora depois no varandão:
- Regina, o Cilon tem razão, isto é uma iguaria divina. Nunca tinha comido chouriço tão saboroso e, além disso, é de java-porco!
- É porque o senhor não provou o presunto, linguiça e os defumados que a Rê sabe fazer, seu Lê!
- Não vai faltar oportunidade já que permanecerão com a gente, não é Nhô?
- É deveras, seu Lê! Mali pregunti Misifiu, u qui ôce conversô cum u prefeitu?
- Fui dar-lhe a ideia de fazer um ponto turístico onde caiu o meteorito. A cratera vitrificada que ficou no chão é exuberante. O parque de exposição poderá ser reconstruído no Descampado dos Moleques já que o terreno é da prefeitura e há muito tempo os meninos preferem as quadras de esportes das escolas e as municipais. Outra coisa  que conversei, também, foi sobre a venda de derivados de java-porco para as merendas da rede pública da educação, asilos e creches de Virtuália e vou conversar com os prefeitos das outras cidades do Vale Virtualiano do Rio do Peixe.
- Mas que boa ideia, seu Lê, além de atender toda a rede de comércio no varejo dos nossos produtos vamos fornecer às prefeituras falou o Cilon.
- Nhô, para as entregas o senhor vai usar a GMC. Vou deixá-la contigo até trazer uma preciosidade que vi em Belém do Pará para o senhor. Vai ser uma surpresa e tanto. A carroça ficará para outros tipos de serviços. Talvez eu retorne para Minas amanhã à noite e na minha próxima visita, trarei a surpresa, ok?
- Nossa, seu Lê, qui maravia!
- Mais um detalhe que ficou faltando acertar com o Massa e a esposa dele... é o seguinte: - assim que estabilizarmos no mercado de todo o Vale, o Cilon e a Regina terão participação nos lucros, OK?
- Ieu i a Xerê já ia propô cousa paricida, seu Lê. Foi bão u sinhô toca nu assuntu. Ieu i minha véia num percisamu di mai nada, pois temu tudu aqui. Tarveis pru futuru da Ritinha ieu tinha pensadu... interrompi o Nhô:
- Já falei com o prefeito e iniciei a abertura do frigorífico como uma empresa de fato. A Ritinha será a sócia com cinquenta por cento da empresa, trinta por cento ficarão com o Cilon e a Regina e os outros vinte por cento diluídos entre os funcionários.
- Pelo amor de deus, senhor Lê! Por que o senhor está fazendo isso por mim, quer dizer, pela gente – perguntou o Massa admirado.
- Não tem explicação, meu amigo! Para ajudar os amigos não é preciso de muitas explicações – disse-lhe e continuei:
- Fazendo assim estaremos todos nos ajudando, ou seja, eu ajudo vocês e vocês ajudam a família do Nhô, OK?
- Perfeitamente – disse o Cilon e a Regina ao mesmo tempo.
- Nhô, eu não vou poder ficar para o rodeio, pois sinto que terei que voltar para Minas. Tudo, no tocante ao frigorífico, já está acertado com o prefeito, secretário de obras, meio ambiente e com a secretaria de higiene, saúde e sanitária. Quando eu retornar por aqui, tenho certeza, vou encontrar tudo funcionando. Já encomendei todo o maquinário para a empresa. O fornecedor entregará tudo instalado e funcionando.
- Eu tenho a minha sugestão para o nome do frigorífico... e vocês, o que sugerem?
- Ieu num tenhu nem indeia – disse o Nhô.
- Eu sugiro: Frigorífico do Nhô – disse a Regina .
- Ótimo nome – disse a Xerê e prosseguiu:
- Os produtos poderão simplesmente chamar: Produtos Nhô, ou seja: Presuntos Nhô; Linguiças Nhô, Apresuntados Nhô; Bacon Nhô e... interrompi a Xerê:
- Impressionante como o universo está conspirando a favor! Foi exatamente a ideia que me surgiu!
- Eh! Eh! Eh! Virei nomi de cumida feita cum carni di java-porcu! Eita porquêra de indeia porreta, sô!
- Ah! Ah! Ah! gargalhamos geral.
A prosa e trocas de ideias foram até altas horas até que a Xerê falou:
- Vou me recolher que estou pregadona!
- Ieu vô cocê, minha preta! Oji ieu tô mortim, eh! Eh! Eh!
- Vamos Cilon, amanhã cedo temos muito que fazer disse Regina ao marido.
- Eu também vou me recolher. Vou lá para o meu cantinho descansar um pouco e lá pelas três e trinta e um minutos da manhã eu “me pirulito”, OK, pessoal? Boa noite para todos!
- Boa noite - responderam.
Continua em 28/09/2013 em:
Água
dos
Deuses

sábado, 14 de setembro de 2013

VIDA EM VIRTUÁLIA: O Segredo de Serra Madre

ARRET
A NOVA MORADA

O Segredo
de
Serra Madre

- É mesmo, Nhô, todo o teu sítio parece o paraíso!
- Tamu cheganu, Misifiu! Óia só u tamanhu du rombu du ladu daquêie arbustu – falava o velho amigo, e apontava. 
- Dá para uma pessoa passar, “Véi”! Mas, pelo tamanho do buraco, tudo aqui em volta deveria ter sido destruído. A não ser que...
- U quê, seu Lê?
Chegando perto constatei:
- É como eu pensei!  O paredão, deste lado, é oco, Nhô! O meteorito que entrou por aqui era muito pequeno e só abriu esse buracão porque aqui é uma caverna.
- Diveras é memu, seu Lê! Inda bem qui u sinhô troxe a sua muchila di exploradô! Tem lanterna aí ou umas velas, Misifiu? Nóis vamu percisá pruque tá muntchu iscuru!
- Claro que tem lanterna e até velas, Nhô! Eu vou à frente com a lanterna! Siga-me!
Entramos na caverna que a pedra, que caiu do céu, pôs à mostra:
- Não é muito grande, talvez tenha uns oitenta e quatro metros quadrados esta caverna, “Véi”!
- Óia, seu Lê, tem um ôio dágua logu ali na frenti. Veja a muntuêra di água qui sai dêie i entra prá dibaxu das pedra!
Abaixei perto da fonte cunhei as duas mãos unidas, enchi de água e levei aos lábios:
- É muito boa, Nhô! Prove!
- É iguá a da mina qui ieu canalizei até a porta da cunzinha du sítiu, seu Lê!
- É a mesma água, Nhô! É daqui que ela sai para ir até lá!
- U qui é aquilu, Misifiu? Pareci qui tem arguem sentadu i druminu nu fundu desta gruta!
Direcionei a lanterna e algo brilhou no vulto sentado:
- Vamos chegar mais perto, Nhô!
Nhô tirou o terçado da cintura e disse:
- Vamu um du ladu du otru, seu Lê!
- Falou soldado! Fique alerta e esperto!
- Num brinca não, meu amigu! U bichu pódi pegá!
Chegando perto:
- Caramba, Nhô, isto parece uma múmia com uniforme de astronauta! Olhe, tem uma inscrição na frente do capacete que é a mesma do peitoral – disse em voz alta e empolgada.
- Se não me engano estes sinais são em mandarim; pelo menos lembra a escrita dos chineses. Este sujeito foi abandonado aqui e lacraram a caverna. Veja os braços estão presos um no outro por um mecanismo de algemas que é igual aos usados nas pernas. Vou tirar uma foto com a câmera que trago na mochila!
Tirei fotos de vários ângulos e disse ao Nhô:
- Agora vamos tirar o capacete dele soltando esta espécie de presilhas que une o capacete ao resto do uniforme e fotografar o que tem dentro!
Quando simplesmente toquei nas presilhas todo o ser, juntamente com o uniforme, virou pó, isto é, esfarelou-se.
- Seu Lê, esti chujeitchu devi ti tá aqui a muntchu zanu. Ôce notô qui a cabeça dêie era cumprida prá cima? U cocurutu da cabeça era bem malhor qui us nossus. Pareci um poco cum u pessoá du Kobausqui!
- Eu já vi figura igual a esta, mas não estou me lembrando de onde – de repente veio-me à mente de onde tinha visto:
- Ilha Pascoalim! É isso, ele parece com as estátuas da Ilha de Pascoalim. Está ilha está situada ao sul de Hy-Brasil. Este sujeito tinha a cara daquelas estátuas, Nhô! Sorte que tirei a foto antes de ele se esfarelar. Talvez o Kobauski diga alguma coisa a respeito, não é "Véi”?
- Cum certeza, Misifiu! Essi chujeitchu foi presu em frenti ao ôio dágua di propositu, seu Lê! Foi preli morrê sofrenu di sedi!
- Creio que não, Nhô, essa nascente não é tão antiga assim ela... – Nhô me interrompe:
- É divera, meu amigu, ieu mi alembru qui a bica dágua lá du sítiu apareceu um méis despois qui ieu i minha premêra muié, a Rita, casemu i formamu esti cantinhu desti ladu da Serra Madri. Si  fô a mema água, tem pôcu tempu!
- E a mesma sim, Nhô! Deve ter surgido após algum abalo sísmico muito profundo e leve, pois caso contrário este sujeito teria se desmanchado bem antes. Por falar nele, vou recolher amostra do que lhe restou para os arretianos analisá-la, se for o caso.
- Óia, seu Lê, tem um buracu na paredi di granitu da caverna i ainda sai fumaça!
Direcionei o foco da lanterna e vi que a pedra que caíra do céu não tinha se aprofundado na rocha super dura:
- Nhô, pegue um pouco de água com seu chapéu, no olho d’água, e jogue nesse buraco, mas não fique na reta, ok? Deve sair um vapor quente dalí.
Dito e feito. Quando a rocha esfriou puxei com a enxadinha um meteorito muito pesado pelo tamanho.
- Eh!Eh!Eh! Pareci uma laranja, né Misifiu?
- É mesmo, Nhô, mas é muito pesado pelo tamanho. Deve pesar uns dois quilos, no mínimo.
- Mais uma coisa para mostrarmos ao Kobauski – disse ao meu velho amigo.
- Nhô, vamos sair daqui que eu ouvi um barulho estranho e...
- Ieu senti uma trimura nu chão, seu Lê! Vamu si pirulitá daqui, Misifiu!
O negro velho virou um guri de doze anos tamanho a agilidade em vazar pela entrada da gruta. Segui logo atrás e ao passarmos pela entrada, longe uns vinte metros, ouvimos um estrondo e aquela entrada foi fechada por toneladas de granito.
- Deusulivri! Iscapamu pur poco, Misifiu!
-E mesmo! Só espero que o olho d’água não tenha sido afetado!
- Vamu simbora lá prô sítiu i a genti fica sabenu, seu Lê!
- Tens razão, vamos lá – falei isso e pensei:
“- Qual será o segredo desta caverna da Serra Madre? Por que esse ser ficou confinado à esta caverna?”

Continua em 21/09/2013:
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