sábado, 20 de abril de 2013

COISAS DA VIDA


ÓCULOS DE  SOLDA

         No ano de 1993 - não me lembro do  dia e nem do mês -,    eu e o motorista Enoque fomos  para Apiacás no norte do Mato Grosso. Saímos de Cuiabá em uma caminhonete C-10 - ano 1974 - novinha -, da empresa construtora de estradas na qual   trabalhávamos. O intuito era verificar o estado de um trator de esteira D8H que nosso superintendente havia emprestado para um político e este o tinha cedido para uma cooperativa de garimpeiros fazer desmatamento sobre uma possível jazida aurífera, a céu aberto, em terras daquele município. Foram 1.011 km percorridos, marcados no hodometro da possante.
         Margeando a rodovia, até Alta Floresta, tinham plantações de soja para exportação além  de capim brachiaria brizantha  para alimentar os imensos rebanhos de gado Nelore. Na medida em que o serrado vai se transformando em floresta, na parte sul da Amazônia, nota-se a transição (pelo menos eu notei). De Alta Floresta até Apiacás é, praticamente, só floresta. A estrada, melhor dizendo, o caminho, era só terra batida. E, como sou um sujeito de sorte e observador aconteceu a coisa certa no tempo e local certo, ou seja, por volta das catorze horas iniciou-se um eclipse total do sol. Ele já era esperado há décadas e eu sabia. Porém o Enoque, caboclo da região centro-oeste e muito simples, não. Ele começou a ficar inquieto e preocupado:
         - Seu Lê, que diabo tá acontecendo? Tá ficando cada vez mais escuro. Vamos voltar para Alta Floresta, sô!
         - Calma, meu amigo, isto é apenas um eclipse total do Sol. Já vai passar.
Pedi para que parasse a caminhonete, desci e transformei aquele momento em uma eternidade para nunca mais esquecer. Peguei da minha mochila um par de óculos de soldador e observei por alguns segundo o fenômeno e o Enoque me disse:
         - Ô seu Lê, já tá ficando escuro e ôce ainda vai por esses óculos de solda?
        - Enoque, não olhe para o eclipse que pode fazer mal para seus olhos. Depois te dou esse par de óculos para você observar a Lua entre a Terra e o Sol, ok?
         - Então foi para isso que o senhor requisitou esses óculos no almoxarifado?
         - Foi sim! Tome, pode usar para ver o eclipse!
         O calor e o mormaço deu lugar a  uma breve trégua; vi pássaros procurando as copas das árvores como fazem ao entardecer e ouvi milhares de barulhos naquele silêncio divino. Até urros de onça escutei. Meu amigo ficou dentro da C-10 com os óculos de solda no rosto,  com meu Rossi 32 - de cinco balas, - no colo e tremia de dar dó e nem se atreveu a olhar para o céu. À medida em que a Lua ia “saindo” da frente do Sol era como se o dia estivesse amanhecendo para a fauna e os 100 % do bioma natural. Expliquei ao Enoque sobre o eclipse enquanto retomávamos nosso itinerário e tudo voltou à rotina, na fauna local, como se nada tivesse acontecido.

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