ÓCULOS DE SOLDA
No ano
de 1993 - não me lembro do dia e nem do mês -, eu e o motorista Enoque fomos para Apiacás no norte do Mato Grosso.
Saímos de Cuiabá em uma caminhonete C-10 - ano 1974 - novinha -, da empresa construtora de estradas na qual trabalhávamos. O intuito era verificar o estado de um trator de esteira D8H
que nosso superintendente havia emprestado para um político e este o tinha
cedido para uma cooperativa de garimpeiros fazer desmatamento sobre uma
possível jazida aurífera, a céu aberto, em terras daquele município. Foram 1.011
km percorridos, marcados no hodometro da possante.
Margeando
a rodovia, até Alta Floresta, tinham plantações de soja para exportação além de capim brachiaria brizantha para
alimentar os imensos rebanhos de gado Nelore. Na medida em que o serrado vai se
transformando em floresta, na parte sul da Amazônia, nota-se a transição (pelo
menos eu notei). De Alta Floresta até Apiacás é, praticamente, só floresta. A estrada,
melhor dizendo, o caminho, era só terra batida. E, como sou um sujeito de
sorte e observador aconteceu a coisa certa no tempo e
local certo, ou seja, por volta das catorze horas iniciou-se um eclipse total
do sol. Ele já era esperado há décadas e eu sabia. Porém o Enoque, caboclo da região centro-oeste e muito simples, não. Ele começou a ficar inquieto e preocupado:
- Seu Lê, que diabo tá acontecendo? Tá
ficando cada vez mais escuro. Vamos voltar para Alta Floresta, sô!
- Calma, meu amigo, isto é apenas um
eclipse total do Sol. Já vai passar.
Pedi para que parasse a caminhonete, desci e
transformei aquele momento em uma eternidade para nunca mais esquecer. Peguei
da minha mochila um par de óculos de soldador e observei por alguns segundo o fenômeno
e o Enoque me disse:
- Ô seu Lê, já tá ficando escuro e ôce ainda
vai por esses óculos de solda?
- Enoque, não olhe para o eclipse que pode
fazer mal para seus olhos. Depois te dou esse par de óculos para você observar
a Lua entre a Terra e o Sol, ok?
- Então foi para isso que o senhor
requisitou esses óculos no almoxarifado?
- Foi sim! Tome, pode usar para ver o
eclipse!
O calor
e o mormaço deu lugar a uma breve trégua; vi pássaros procurando as copas das
árvores como fazem ao entardecer e ouvi milhares de barulhos naquele silêncio
divino. Até urros de onça escutei. Meu amigo ficou dentro da C-10 com os óculos
de solda no rosto, com meu Rossi 32 - de cinco balas, - no colo e tremia de
dar dó e nem se atreveu a olhar para o céu. À medida em que a Lua ia “saindo”
da frente do Sol era como se o dia estivesse amanhecendo para a fauna e os 100
% do bioma natural. Expliquei ao Enoque sobre o eclipse enquanto retomávamos
nosso itinerário e tudo voltou à rotina, na fauna local, como se nada tivesse
acontecido.
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