sábado, 27 de abril de 2013

VIDA EM VITUÁLIA


ARRET

A NOVA MORADA
31 anos em 31 dias
Um zumbido se fez ouvir, como uma turbina desacelerando, e o brilho da esfera foi diminuindo e esta ficou pairando – flutuando mesmo -, a trinta e  um centímetros do chão.
- Já podemos descer pessoal – ordenou o Kobauski.
A curiosidade me fez apressar e desci antes do Nhô. Eu ainda estava boquiaberto com o tamanho da espaçonave e tentei tocar na sua fuselagem:
- Não chegue muito perto da esfera, seu Lê! Ela está terminando o processo de resfriamento – alertou-me a doutora Kolina.
- Eh! Eh! Eh! Foi muntchu rápidu né seu Lê – falou-me o Nhô. Olhei para meu relógio e ele marcava nove horas e um minuto.
O pessoal de Arret, que trabalhava nesta expedição, começou a movimentar-se em veículos que flutuavam no ar. Eram do tamanho de automóveis médios da Terra e outros que variavam de tamanho, entre a minha GMC e os absurdos bi-trens terráqueos.
- Caramba, Nhô, como é grande essa nave-mãe! Como cabem “as coisas” dentro dela!
- É memu, misifiu, mais vamu ficá dibaixu daquéia carambolera i isperá qui u Kobausqui acabi di dá as ordi prô pessoá dêie. Despois ieli ô u  Etevardu vem percurá a genti – disse-me o Nhô.
- Tá certo “Véi”!
Debaixo da caramboleira:
- Óia só, seu Lê, as carambolas daqui são mais menor qui as lá du meu sítiu i são, quandu madura, vremeia – linhais-, são cor di sangui!
- É mesmo, meu velho, deve ser de outra espécie. Vou dar uma mordida em uma para sentir o gosto - disse-lhe isso e estiquei o braço para pegar uma madura, da cor da GMC e:
- Nossa Nhô! Hummm.. é muito saborosa, uma delícia – exclamei após a mordida. Nhô também colheu uma e:
- É memu, seu Lê, qui maravia! Nóis vamu si dá bem por aqui!
Nisto uma aéro-viatura para perto da gente e abre-se uma porta e:
- Bem vindos ao planeta Terra-II, meus amigos – era o Etevaldo e com ele o Juju e o Hibisco, que é apelidado de Beijo.
- Etevardu, Beju qui prazerão – gritou o Nhô e continuou:
- São ôceis memu, tão diferenti?
- Somos nós mesmos Nhô Antônio Benzedô: Juliano e Beijo – respondeu o Ju.
- Como vocês estão ótimos! Bem que o Kobauski  falou que iríamos ter uma surpresa – exclamei e prossegui:
- Juliano, como  é difícil acreditar que você esteja tão esbelto. Você, da última vez que o vi, pesava quase cem quilos. O que houve?
- Nada, seu Lê, apenas tenho vivido normalmente em Arret e agora, nos últimos tempos, aqui em Terra II. Já viu o Beijo? Sumiram todas as espinhas, manchas, o desvio da coluna – que o deixava corcunda e rengo -, e até dentes verdadeiros a tecnologia de Arret fez nascer nele!
- É mesmo, cara! Quase não dá para falar que é o Hibisco! Você está bem, Beijo!
- Eu estou ótimo, seu Lê! Aqui é igualzinho à nossa Terra quando ela era livre da poluição, das águas contaminadas e o ar tem a combinação divina, certinha para os nossos organismos!
- Há quanto tempo vocês estão aqui – perguntei ao Ju.
- Quase um ano terrestre, ou seja, um ano neste espaço-tempo, dura um dia terrestre. Então trezentos e vinte e um anos aqui equivale a trezentos e vinte e um dias da Terra! Podemos falar que, nesta dimensão, o tempo é idêntico ao da Terra se nela permanecêssemos, porém, visto de fora daquela dimensão não podemos ter certeza de nada.
- Ieu num tô intendenu nadica di nada, misifiu, mai tô mi sentinu uns cinquenta anu mai jóvi, eh! Eh! Eh!- disse o Nhô.
- Eu também vou demorar a entender tudo, “Véi”, mas estou me sentindo muito bem – respondi-lhe.
- É a atmosfera perfeita, seu Lê. Eu e o Beijo, também, sentimos isso e ficaremos por aqui indefinitivamente – disse Ju.
- Indefinitivamente? Você tem certeza Juliano – perguntei.
- Sim,  porque não vamos morrer jamais – disse o Ju.
- “Ih! O Juliano pirou de vez!” – pensei comigo.
- Não pense que fiquei louco, seu Lê! Eu vou explicar o porquê de eu falar assim.
- Por favor, Juliano, eu fiquei confuso – supliquei-lhe.
- Pois bem, vamos lá para minha casa que contarei tudo enquanto comemos alguma coisa, ok?
- Ok!- Respondi-lhe.
- Seu Lê, a Terra II é exatamente igual à nossa saudosa Terra. Vou subir com nosso veículo até cinco mil pés e verás que tudo é igual, suponhamos,  quando nosso planeta-mãe tinha cinquenta mil anos, ou seja, inteiramente selvagem. A raça do Kobauski está aqui a, somente, noventa anos terrestre. A nova raça, criada por eles, já está na terceira geração. Eles aproveitaram os seres bípedes que aqui, ainda,  existiam e os manipularam geneticamente utilizando dados genéticos dos terráqueos. Modificaram cientificamente o genoma deles, que por sinal era noventa e cinco por cento iguais ao nosso, e a partir daí eles irão evoluir e povoar este paraíso. Todas as macelas e defeitos que tínhamos quando fomos criados, esta raça, não terá, desde a sua criação.
- Caramba, Juliano, o que estão querendo criar? Uma raça humana perfeita?
- Talvez! Quem sabe?
- I a qui crença ieles reza Julianu – perguntou o Nhô.
- Nenhuma Nhô! As únicas religiões aqui são: A razão e a lógica!
- Mas, Juliano um povo tem que ter religião – insisti.
- Por que? Se existe a compreensão da razão e usa-se a lógica? – respondeu-me o antigo carnavalesco de Virtuália.
- Mai, misifiu, e adondi entra u nossu Deus nessa históra?
- O que todos sabemos é que existe uma Energia Vibrante que rege todo esse caos  organizado  que existe. Deuses criados pelos humanos terráqueos ou qualquer ser vivo, não existem e nem cabem na razão e lógica dessa raça e nem na do Kobauski – explicou Juliano.
- Juliano, você falou que querem ficar definitivamente por aqui, certo? Vocês não pretendem nem ir visitar nossos amigos em Virtuália? Eles perguntam por vocês!
- Não seu Lê, lá éramos alvos de deboche e preferimos ficar por aqui mesmo.
Houve uns minutos de silêncio e depois Juliano retornou ao diálogo:
- Depois iremos à nossa casa aqui na grande cidade e também em nossa fazenda; ambas ficam na ilha onde pousamos há pouco. Agora olhem para baixo e vejam como tudo é exatamente como na nossa Terra original. Vou sobrevoar o continente onde se situa nossa ilha. É nesta ilha que ficamos confinados para as nossas pesquisas.
- Juliano, essa parte de Terra II é idêntica ao oeste da  Europa, olhando daqui de cima! – disse-lhe.
- Justamente seu Lê, é como se fosse aquela região há cinquenta mil anos – respondeu-me.
Ficamos alguns segundos em silêncio e o Etevaldo falou:
-Temos descer para nossa ilha! Papai deve estar preocupado conosco. Teremos muitíssimo tempo para mostrar todo o planeta a vocês – falou isso e começou a descer suavemente a pequena nave  e o Nhô apontou, pela ampla visão das janelas da aeronave de serviço:
- Óia, seu Lê, a ilha parece Hy – Brasil, num pareci? Ieu já vi num mapa da delegacia de Virtuáia!
- Caracóis! É mesmo Nhô! Tua memória é fantástica!
- É tudo igual como na terra, meus amigos! Já lhes falei isto! Foram anos de pesquisa, dos cientistas da antiga morada, para chegarmos até aqui. A grande cidade dos arretianos, fora de Arret, fica aqui nesta ilha que chamamos de Big-Brasil – disse-nos o Juliano.
- Olhem! Lá está Virtópolis, nossa cidade em Terra II! Ao norte dela, fica nossa base. É ali que montamos nosso QG administrativo e de pesquisas – disse Etevaldo.
Tudo era novidade fantástica para mim e o Nhô. Por mais que me esforçasse não conseguia acreditar no rejuvenescimento do Ju e do Beijo e pensei:
“- Quando estiver com Kobauski vou saber o porquê de isso acontecer e outra dúvida que há muito me intriga!”

Continua em :
A Esperteza de
Antônio Jerônimo da Conceição

sábado, 20 de abril de 2013

COISAS DA VIDA


ÓCULOS DE  SOLDA

         No ano de 1993 - não me lembro do  dia e nem do mês -,    eu e o motorista Enoque fomos  para Apiacás no norte do Mato Grosso. Saímos de Cuiabá em uma caminhonete C-10 - ano 1974 - novinha -, da empresa construtora de estradas na qual   trabalhávamos. O intuito era verificar o estado de um trator de esteira D8H que nosso superintendente havia emprestado para um político e este o tinha cedido para uma cooperativa de garimpeiros fazer desmatamento sobre uma possível jazida aurífera, a céu aberto, em terras daquele município. Foram 1.011 km percorridos, marcados no hodometro da possante.
         Margeando a rodovia, até Alta Floresta, tinham plantações de soja para exportação além  de capim brachiaria brizantha  para alimentar os imensos rebanhos de gado Nelore. Na medida em que o serrado vai se transformando em floresta, na parte sul da Amazônia, nota-se a transição (pelo menos eu notei). De Alta Floresta até Apiacás é, praticamente, só floresta. A estrada, melhor dizendo, o caminho, era só terra batida. E, como sou um sujeito de sorte e observador aconteceu a coisa certa no tempo e local certo, ou seja, por volta das catorze horas iniciou-se um eclipse total do sol. Ele já era esperado há décadas e eu sabia. Porém o Enoque, caboclo da região centro-oeste e muito simples, não. Ele começou a ficar inquieto e preocupado:
         - Seu Lê, que diabo tá acontecendo? Tá ficando cada vez mais escuro. Vamos voltar para Alta Floresta, sô!
         - Calma, meu amigo, isto é apenas um eclipse total do Sol. Já vai passar.
Pedi para que parasse a caminhonete, desci e transformei aquele momento em uma eternidade para nunca mais esquecer. Peguei da minha mochila um par de óculos de soldador e observei por alguns segundo o fenômeno e o Enoque me disse:
         - Ô seu Lê, já tá ficando escuro e ôce ainda vai por esses óculos de solda?
        - Enoque, não olhe para o eclipse que pode fazer mal para seus olhos. Depois te dou esse par de óculos para você observar a Lua entre a Terra e o Sol, ok?
         - Então foi para isso que o senhor requisitou esses óculos no almoxarifado?
         - Foi sim! Tome, pode usar para ver o eclipse!
         O calor e o mormaço deu lugar a  uma breve trégua; vi pássaros procurando as copas das árvores como fazem ao entardecer e ouvi milhares de barulhos naquele silêncio divino. Até urros de onça escutei. Meu amigo ficou dentro da C-10 com os óculos de solda no rosto,  com meu Rossi 32 - de cinco balas, - no colo e tremia de dar dó e nem se atreveu a olhar para o céu. À medida em que a Lua ia “saindo” da frente do Sol era como se o dia estivesse amanhecendo para a fauna e os 100 % do bioma natural. Expliquei ao Enoque sobre o eclipse enquanto retomávamos nosso itinerário e tudo voltou à rotina, na fauna local, como se nada tivesse acontecido.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

COISAS DA VIDA


CHERRY
            Tínhamos três gatos em minha residência: um persa mestiço; uma persa mestiça e uma persa legítima. Todos tratados com zelo e carinho. Todos têm suas identificações com nomes próprios e apelidos. Todos com carteirinha de vacinação  e ficha no hospital veterinário do bairro. Há alguns dias a persa pura, por apelido Cherry, cujo nome verdadeiro Cherry Al Rinhas Prima, começou a ficar amuada, não queria comer e nem bebia água:
            - O que você tem Cherry – perguntei na esperança de que ela, com um olhar ou miado, me transmitisse alguma coisa. Ela sequer me olhou. Saiu de perto de mim e foi para o fundo do sítio. Disse “sítio”, porque o natal e a virada do ano fomos para o sítio de meu filho que, a pedido dele e dos netinhos, levamos os três bichanos.
            - Deve ser saudades lá de casa, Lê – disse-me a minha patroazinha.
Não dei atenção à Cherry, aliás, ninguém deu. No dia dois de Janeiro eu estava digitando um texto para o meu blog e a tal gatinha legítima, estava debaixo da escrivaninha e sem querer pisei em sua cauda e ela sequer miou. E, eu, com o susto pedi que ela saísse e ela não obedeceu. Então, estupidamente, empurrei-a com o pé direito e disse:
            - Vai brincar lá no terreiro, gata teimosa!
A Cherry deu um miado tão triste e agudo, foi para o terreiro e ficou embaixo de uma chuva torrencial, toda encolhidinha:
            - Meu São Nunca do Vale Virtualiano do Rio do Peixe; o que você tem Cherrizinha – peguei a gatinha, coloquei-a em sua gaiola de transporte, entramos na GMC ’55 e fui, junto com a Rô, rumo ao hospital veterinário em Juiz de Fora.
Resumindo:
            A Cherry ficou internada e, no oitavo dia, a veterinária falou-me, pelo telefone:
            - Seu Lê, vou simplificar a explicação do diagnóstico final da sua gatinha: se a Cherry fosse um ser humano só o que o salvaria seria um transplante de rins! Não existe nenhuma possibilidade de salvá-la. Peço-lhe autorização para sacrificá-la!
            - Está dada a autorização, doutora Cíntia – foram minhas últimas palavras.
Quando passei no hospital para acertar as despesas com o internamento e sepultamento da Cherry a doutora me disse:
            - Os gatinhos persas, legítimos, tem essa anomalia: certa quantidade morre com insuficiência renal!

Eu pergunto: Houve maus tratos com a Cherry? Uma coisa é certa: Eu nunca mais vou esquecer o miado que Cherry deu ao arredá-la com o pé debaixo de minha escrivaninha.

Em tempo:
Para os que só pensam em dinheiro, digo-lhes: - A despesa hospitalar com a Cherry ficou em torno de R$2.484,84!

sábado, 6 de abril de 2013

VIDA EM VIRTUÁLIA


ARRET
A NOVA MORADA

TERRA  - II

           
O churrasco de páscoa estava de receber elogios dos anjos. Churrasco de picanha, asinhas de frango, linguiça toscana, arroz branco, feijão tropeiro e, de sobremesa: fatias de melancia.
            Após ajudarmos a Kellyn e Reinaldo a ajeitar as louças do almoço, a Rô me disse:
            - Vamos dar umas voltas a pé pelos campos da pousada? São quinze horas e estamos ficando muitos sedentários nestes últimos dias!
            - ‘Tá bom, mas se eu cansar, vamos nos sentar embaixo de um flamboyant e vou tirar um cochilo no teu colo, ok?
            - ‘Tá bom, vamos então – respondeu-me a patroinha.
            - Como são lindas as paisagens do interior fluminense, não é Lê?
            - Nosso país é a primeira maravilha do universo Rô, só que a maioria dos brasileiros tem preconceito em assumir isto!
Ficamos na pousada até na terça-feira seguinte. As quatorze horas e cinco minutos estávamos nos despedindo da Kellyn, Reinaldo e do Vitório:
            - Esperamos vocês lá em casa, em Juiz de Fora, a qualquer hora que quiseram tá bom – falou a Rô.
            - Pode contar com isso Tia. Avisaremos com antecedência. Vai que, lá chegando, a senhora e o tio Lê estejam viajando – respondeu nossa sobrinha.

            Na BR, no retorno para casa:
            - Rô, ainda sinto aquela dorzinha enjoada no lado esquerdo do abdomem!
            - Vamos, amanhã, consultar o Dr. Fabrício. Ele vai saber te diagnosticar – respondeu-me.

            Chegando a Juiz de Fora fomos direto para casa de nosso filho mais velho; a saudade dos nossos netinhos estava de “matar”. Ficamos lá o resto do dia em companhia de nosso filho, nora e netos, pois estávamos, ainda, em feriado prolongado. Por volta das vinte e uma horas e dez minutos:
            - Durmam aqui sogro e sogra! Amanhã cedo vocês vão para sua casa.
            - Não, minha nora querida, vamos passar no supermercado vinte e quatro horas e depois temos muito que arrumar lá em casa!

            Em casa:
            - E a dorzinha Lê, melhorou?
            - Sim, depois de a dose cavalar de analgésico, não estou sentindo mais nada. Vou rever um clássico do Johnny Weismuller no blue-ray, você me acompanha?
            - Hoje não! Vou ajeitar nossas compras no lugar, tomar um banho morno e cama! Só por curiosidade responda-me: Qual é o Cult que vais rever?
            - Será o Tarzan e a Mulher Leopardo!
            - Bom filme então!

            Sábado seguinte, por volta das dezessete horas e quinze minutos, todos os três filhos, noras e netos estávamos no sítio do Thiago comemorando a entrada da nossa nora caçula na faculdade de odontologia quando comecei a sentir uma dor horrível do lado esquerdo do abdomem. Aquela dorzinha transformou-se em cólicas seguidas e extremamente doloridas. Comecei a gritar de dor.
            - Vamos colocar o pai na minha caminhonete e “voar” para o hospital – disse o Felipe e assim foi feito.
            Em uma hora e quarenta e oito minutos eu estava na maca indo para a cirurgia e a Rô me falou calmamente:
            - Fica tranquilo que são cálculos na vesícula. Depois da simples operação você não vai sentir mais dores, ok Lê?
            - Espero que não, pois essas dores são horríveis!
            No infindável corredor, para a sala de cirurgia, pensei no Nhô e em nossa viagem para a Terra II e imaginei:
- Que ótima oportunidade para fazer a viagem à Terra II!
No centro cirúrgico, na mesa operatória, o anestesista começou a puxar conversa comigo e eu sabia, é lógico, que era para ele ver o momento certo em que eu “apagaria”:
            - Então senhor Lê agora o senhor vai fazer uma viagem e, quando acordar, vai...

- Nhô, ei Nhô, por favor, me acuda – gritei da boleia da GMC, em frente ao portão do sítio, sem mesmo descer da Vermelhona.
Ele veio, inacreditavelmente, correndo  –  nunca o vi tão ágil -, e me falou:
- Ôce tá passanu tão má ansim, meu amigu – perguntou o Nhô e, praticamente, me arrastou até ao sofá da sala e disse:
- Fica quétu aí qui vô perpará um chá di raiz forti com ôtras prá dô; num “palito” ôce miora!
Vinte e três minutos depois de tomar o chá extremamente amargo, Nhô me perguntou;
- Comu ôce tá si sentinu, misifiu?
- Melhorei Nhô, não sinto mais nada. Parece milagre!
- Mai num é milagri, misifiu. Ôce tem qui operá que issu dédi sê pedra na visícula! Já são quaji dizenovi hora i vinti minutu; u qui ôce vêi fazê aqui num sábadu há essas hora?
- Senti que o Kobauski iria mandar um mensageiro para avisar o dia e a hora da viagem, Nhô, e vim para cá!
- Vamu lá prá varanda da cunzinha. Tô perparanu um cardu de legume com carni de galinha. Vai sê bão prôce i inquantu issu a genti proseia!
Na varanda:
- Que noite escura! Não tem lua e parece que vai chover – foi eu falar isso e um clarão se fez ver lá pelos lados do Ribeirão Limpo e o Nhô falou:
- Issu num foi curiscu, dédi sê lá nas pitangueira, seu Lê!
- Será, Nhô – indaguei enquanto colocava a última colherada do delicioso caldo na boca.
- Será não, era memu! Óia quem qui vem lá – falou Nhô apontando em direção do ribeirão.
- É o Kobauski! Aproxima-se o dia e a hora da viagem, Nhô! Parece que tem outra criatura  com ele – falei alegremente.
- Boa noite seu Lê, boa noite Nhô. Cheguei em boa hora, hein! Ainda tem dessa refeição cheirosa?
- Boa noite para vocês também, Kobauski – desejei-lhes.
- Banoite prôceis, tamem, Kobausqui! Tem ainda bastanti cardu. Tá nu cardeirão incima du fugão à lenha. Vô buscá naqueis pratu di argila grandão qui ieu fiz prôce i pru Etevardu, lembra? Ôceis qué, tamém, pão feitchu im casa?
- Claro Nhô, não dispensaria essas iguarias por nada em qualquer que seja o mundo – respondeu-lhe o alien.
- Nhô, esta que me acompanha é a doutora Kolina. Ela é expert em medicina humana.
- Prazerão, misifia. É a prenmêra veis qui u Kobausqui trais uma muié cum ieli, eh! Eh! Eh!
- Eu já a conheço! Fomos apresentados lá em Arret! Ela é a noiva do Kobauski – falei ao Nhô.
- Seu Lê, quando você me chamou, em mensagem mentalizada, notei que tinha algo errado com tua saúde e resolvi antecipar a minha vinda para dizer-lhes que partiremos em cinco dias. Trouxe junto a Kolina, chefe médica da expedição à Terra II. Ela vai examiná-lo para ver o que causa essas dores – disse o meu amigo interplanetário.
- Ótimo Kobauski! O remédio do Nhô me tirou a dor, mas ele mesmo me disse que se trata de cálculos na vesícula e que só operando e que ficarei bom.
- Após terminarmos este ensopado divino nos vamos até a bola dourada do outro lado do portal e o senhor fará uns exames, ok?
- Ok, amigo, estou pronto!
Trinta e um minuto depois, do outro lado do portal, dentro da nave redonda, no laboratório médico:
- Olhe, senhor Lê a imagem projetada na parede, são dois cálculos enormes que tens na vesícula. Temos que extraí-los imediatamente – disse a doutora Kolina.
- Mas doutora eu acabei de jantar e se eu... – fui interrompido pela noiva do Kobauski:
 - Abra bem os olhos e olhe para esse aparelho – falou isso e me mostrou um aparelho vermelho que, ao acioná-lo, deu um zumbido e emitiu um flash fortíssimo.
Uma hora e um minuto eu abri os olhos e estava no sofá da casa do Nhô e ele me olhava, sentado numa poltrona, em minha frente e perguntei-lhe:
- O que houve Nhô, parece que dormi cento e três anos?
- Eh! Eh! Eh! Ôce só dormiu uma hora i arguns minutu. U Kobausqui i aquéia senhora grandona troxi ôce num carrinhu sem roda – iele frutuava nu ar -, i dexô ôce aí i mi dissi: “Quandu ieli acordá, dê prêli essi vidrim i diga qui ieli tá saradu i qui despois di aminhã nóis vem buscá ieli i u  sinhô, Nhô!” Eh! Eh! Eh! Ieis mi ixaminô i dissi qui ieu sô um cabocru forti i tô prontu prá viaji!
Ao abrir o recipiente que parecia de vidro, exclamei:
- Caramba, Nhô, são essas duas pedras enorme que estavam na minha vesícula? Eles me operaram! – abri a camisa procurando a cicatriz e não a achei e disse:
- Veja Nhô, não deixaram nenhuma marca!
- Eh! Eh! Eh! É coisa du otru mundu, misifiu – brincou o Nhô.
- Agora vamu drumi e aminhã cedu nóis vamu si perpará pra longa viaji. Lá pela deis hora nóis vai pescá um surubim nu Riu du Pêxi. Vô fazê um armoçu caprichadu prôce, misifiu!
Treze horas e seis minutos e o almoço estava pronto, ou seja, caldeirada de surubim, pirão, arroz branco, salada de tomate, pepino e rabanetes,  suco de laranja com acerola e o Nhô me disse:
- Vamu tomá caipirinha de laranja lima, seu Lê?
- Pode tomar o senhor. Esqueceu que eu tirei a vesícula?
- Quem ti falô issu, misifiu? A dotora Kolina tiro duas pedrona i não a visícula. Iela mando ti dizê, inhantis di si pirulitá cum u Kobausqui, qui ôce podia cume di tudu. I ieu preguntei si pudia cume torresmu di java-porcu i bebê das minhas purinha i iela mi falô bem ansim: “U sinhô Lê pódi cume i bebê di tudu! Num teim nada proibidu!”
- Então se é assim, eu te acompanho na caipirinha, “véi”!
- Nhô, amanhã nós vamos para uma viagem que, acho eu, vai demorar muito tempo. Não sei o que pode acontecer com a gente. Fico preocupado com o senhor e...
- Ôce tá procupadu cumigu, misifiu! Pruque?
- Nhô, o senhor já não é nenhum garotinho e...
- Pópará, seu Lê! Ieu já vivi di tudu nessa vida i ieu num vô perdê essa viaji di jeitu manêra. Pódi ficá tranquilo íngua ieu qui tô tranquilão?
- Tá bom seu aventureiro!
- Eh! Eh! Eh! É issu memu! Ieu sô um negu véi qui gostcha du pirigu!
- Seu Lê, mudanu di assuntu, vô dêxá o Bitencourt e a carroça lá na Xerequéia préla tomá conta du meu pangaré. Ficanu cum us dois iela pódi vim na hora qui iela quisé aqui nu sítio. Iela óia a horta, u pomar, as criação i podi levá verdura, fruta i legumi, daqui, prela, intendeu?
- Claro, Nhô, claro que entendi! Então vamos para Virtuália. Eu vou na GMC e o senhor na carroça com o Bittencourt. Deixamos a carroça com a Xerê e voltamos na caminhonete, depois para o sítio, certo?
- Certu, misifiu! Vô aproveitá e levá us trêis sacu di café im grão. Um dêies vô dá pra Xerê, um prô Paulin Goró i u outro, pru Carabina. Ieis vão fazê bão proveitu.
- Então vamos lá: rumo a Virtuália!

Em Virtuália, dezoito horas e três minutos, no Boteco dos Caldos, depois de passarmos na delegacia, deixado o saco de café e despedido do Carabina:
- Quer dizer que o Nhô vai viajar com o senhor, seu Lê – perguntou-me o Lezivo.
- Sim, nós vamos viajar e demorar um pouco. O Nhô tá precisando de umas férias – respondi-lhe.
- Eh! Eh! Eh! Ieu vô saí dessi nossu mundim i cunhecê otrus mundu – disse o velho debochando.
- E quando irão, seu Lê – perguntou Biliato.
- Amanhã cedo!
- Então vamos comemorar disse o Paulinho enquanto descarregava, na cabeça, para guardar no depósito, o saco de café e prosseguiu:
- Os espetos, os molhos especiais, as caipirinhas e os cafezinhos finais são por minha conta, ok seu Lê?
- Obrigado amigos! Não existe coisa melhor que a amizade sincera  em nenhum lugar e em mundo nenhum – disse-lhes.
Ficamos com nossos amigos até por volta das vinte horas quando o Nhô me alertou:
- Seu Lê, vô levá a carroça lá na Xerê. U Bittencourt já tá batenu as pata cum força nu paralepipis qui tá sainu inté faísca . I ieli tem razão di tá brabu, já tá dinoiti i ieli ainda tá atreladu na carroça!
- Chiiii... é mesmo Nhô – falei, levantei-me da cadeira e despedi do nosso pessoal.
O Nhô pegou o cabresto do pangaré e disse-lhe:
- Ôce discurpa essi negu véi num é manu Bittencourt – o velho animal deu uns três relinchos seguidos, um diferente do outro e o Nhô disse:
- Eh! Eh! Eh! Ieli descurpô nóis, seu Lê, mai dissi um palavrão, eh! Eh! Eh!
Não subimos na carroça; fomos puxando o pangaré pelo cabresto e caminhando lado a lado com ele.
Na casa da Xerê:
- Pois é, misifia, ieu vô tirá essis dia di féria i ôce podi, comu combinamu, tomá conta das minha coisa comu si fossi tua, tá bão?
- Vou cuidar como se fosse minhas coisas seu “véi” assanhado. Vai ser até divertido ficar vivendo antre minha casa e o teu sítio – respondeu-nos a Xerê.
- Óia Xerê, tem mantimentu lá nu sítiu pruns dois méis i vô dêxa meu cartão di aposentadu i a senha concê. Si percisá podi usá a vontadi, tá bão? Ôtra coisa: tem mai di trezentu litru de purinha pronta nus barri di carváio, ôce podi vendê a treis dinheru u litru. Podi bebe, tamém, eh! Eh! Eh!
-Tá me estranhando, Antônio Jerônimo  da Conceição - exaltada disse a velha senhora que quando se zanga de verdade chama as pessoas pelo nome próprio – o do registro de nascimento e, prosseguiu:
- Sabes muito bem que não bebo álcool desde que nasci, esquecestes?

Depois de, junto com a Xerequéia, desatrelar o pangaré da carroça o Nhô lhe disse:
- Viu comu é fáci, véia?
- Vi, ‘véi”! É só inverter o que você fez ao desatrelar o Bittencourt da carroça. Aprendi a atrelar vendo você desatrelando, ih! Ih! Ih!
- Nhô, enquanto você se despede da Xerê eu vou até a praça buscar a Vermelhona, ok?
- Tá bão, misifiu!

Vinte minutos depois já estávamos retornando ao sítio e perguntei ao Nhô:
- Nhô, posso te fazer uma pergunta bem particular?
- Craro, seu Lê! Craro qui sim!
- Por que o senhor e a Sara Léia não moram juntos? Vocês se dão tão bem?
- Ieu i mai quem, seu Lê?
- O senhor e a Xerê... ah!ah!ah! Esqueceste o nome dela, não é?
- Ihhhhh... mai num é qui é memu, misifiu. Inté qui o nomi deia é bunitu, eh! Eh! Eh! Ôce num tem jeitu memu né seu Lê? Quandu ôce foi buscá a GMC i ieu dispidia da Xerê, nóis tocamu nessi assuntu. Iela mi pergunto si a genti num podia vivê juntu prá ispantá a solidão.
- E o que você respondeu prá ela Nhô?
- Respondi qui ia pensá durantei a viaji!
- Mas você já sabe a resposta, não é?
- Sei! Sabi, meu amigu, quandu ieu istô sentinu solidão, ieu pensu na Ritinha, conversu cum iela e iela até respondia e...
- Respondia? Então ela não responde mais – perguntei-lhe.
- Já fais um tempão qui iela mi dêxa falanu sozinhu, misifiu. Achu qui issu era coisa da minha cabeça. As veis ieu pensu qui si tivesse ôtra pessoa prá proseá ieu num percisava tá falanu sozinhu.
- Também penso assim, Nhô e já sei a tua resposta!
- É memu, sabichão? E qualé?
- Vocês vão viver em companhia um do outro, não é mesmo? O fato de o senhor confiar à ela  o cartão de aposentadoria  foi, para mim, o elo que faltava para se firmarem, não é?
-Eh! Eh! Eh! Ôce precebi tudo seu Lê! Mai ti preguntu:
- Será qui nóis vorta da viaji para a Terra II?
- Tenho certeza absoluta, Nhô, senão não embarcaríamos nessa empreitada!
- Sei dissu, misifiu, comu sei!

Chegando no sítio:
- Vou colocar a GMC no galpão e desligar o cabo da   bateria dela, ok ‘véi’?
- Tá bão, misifiu! Enquantu issu vô perpará umas torrada prá nóis cume cum u cardu qui vô isquentá nu fogão à lenha, tá bão?
- Ótimo você adivinha os meus pensamentos, ah! Ah! Ah!

A noite correu tranquila. Dormi na rede na varanda e às seis horas da manhã acordei de sobressalto:
- U qui foi, seu Lê, assustô – perguntou o Nhô que estava ladeado por dois expedicionários do Kobauski.
- O que você acha,  “véi”, abrir os olhos e dar de cara com vocês me olhando? E o senhor já está até vestido com o uniforme de viagem?
- Já sim, só farta ôce levantá, tomá banho i ponha u uniformi, tamém! Já perparei u café i tamu ti isperanu prá forrá u estrongu i si pirulitá prá Terra II!

Ao terminar o banho e sair do banheiro, já fardado, vi que o Kobauski, também, chegara para o café com quitutes do Nhô:
- Bom dia seu Lê! Enquanto tomamos café vou dizer-lhes alguns detalhes, ok?
- Bom dia Kobauski, sou todo ouvido!
- Seu Lê e Nhô, como a viagem é para uma grande distância, ou seja, prá mais de 20 anos luz – falando em contagem terráquea -, nós usaremos o caminho que vocês, da Terra, ainda estão na pré-história do conhecimento. Já deram até um nome “wormhole”, que traduzindo literalmente para o português, quer dizer “buraco de verme”. Viajaremos através de um deles. Levaremos menos de trinta e um segundos para chegar à Constelação de Libra. O tempo quase que deixara de existir. Passaremos lá o que equivale a um mês terrestre mais um dia, porém lá, será como se passassem trinta e um anos terrestre, ou seja, ficaremos lá trinta e um anos e aqui em Virtuália parecerão trinta e um dias.
- Entendi, ou seja, acho que estou querendo entender! Vou viver lá trinta e um anos e envelhecerei trinta e um dias! É isso Kobauski?
- É! Você entendeu! Vamos para a esfera de reconhecimento, que está do outro lado do portal. A esfera mãe já está escondida no lado escuro da Lua pronta para entrar na rota pré-determinada.
- Vamos nessa, não é Nhô?
- É prá já, misifiu!

Em poucos minutos estávamos dentro da esfera- mãe sentados comodamente na sala de comando. Nesta sala dava para ver o que acontecia do lado de fora. Pude ver a parte externa de a esfera aumentar o brilho e entrar em uma espécie de túnel no espaço entre cores e clarões e, por uns segundos, tudo ficou escuro lá fora até que:
- Chegamos pessoal – gritou Kobauski – chegamos à Constelação de Libra e entraremos no sistema solar da estrela Gliese. Agora vamos nos preparar para a descida na Terra II. Lá já tem o portal no espaço existente entre duas árvores de carambolas. Vocês terão uma grande surpresa! Verão  quem nos espera!
Continua em:
31 anos  em 31 dias