terça-feira, 17 de novembro de 2020

DIVINO

Divino, caboclo que nasceu com a “barriga virada prá Lua”, desde garoto todos notaram que ele tinha algum tipo de distúrbio mas, a mãe – que o teve solteira -, não tinha condições intelectual e financeira  de aprofundar no assunto. Porém, até que com sorte, ele chegou aos quarenta e oitos anos.

Segunda feira na Associação dos Cegos:

- Seu Divino, esta é a segunda vez que lhe marco a consulta e o senhor chega  quarenta e oito minutos  atrasado; o oculista já foi embora. São mais de meio dia – disse a senhora na recepção.

- Eu sei ...  mas, é que eu moro longe e tenho que vir à pé e quando me lembro da consulta eu , até corro, mas não tem como chegar em tempo.

- Vou marcar para a próxima sexta feira e, se o senhor chegar atrasado, cancelarei  a tua ficha definitivamente! Sabia que quando o senhor não vem são duas as pessoas que não são atendidas? O senhor e alguém que poderia vir em seu lugar se você cancelasse a consulta com antecedência?

- Tá bom... tá bom, vou chegar uma hora adiantado na próxima consulta - despediu-se e foi embora.

Sexta feira! Divino acorda e olha no relógio:

- Pelamordedeuso! Falta uma hora e meia prá minha consulta! Tenho que correr e muito – vestiu –se e saiu correndo. Divino esquecera a carteira com os seus documentos encima  do criado mudo.

- Pô, faltam quinze minutos para o horário da consulta e ainda tem duas quadras; acho que vou chegar até adiantado – Diminuiu a corrida e foi troteando até que dobrou uma esquina:

- PUTZGRILLA!! Tem um trem parado na linha que eu tenho que atravessar para chegar à Associação dos Cegos. Será que esse trem é muito longo?  Será que vai demorar  para desobstruir a passagem?

Passam-se os minutos e ele ali perto do trem sem poder atravessar:

- Faltam 5 minutos para a consulta e o trem não se movimenta – agoniado falava esfregando as mãos. Estava muito suado, cansado e arfava muito. Decidiu:

- Vou passar pela junção entre dois vagões; vou passar por cima – e começou a subir com muita dificuldade, pois era bastante obeso.

- Não faça isso,   gordinho! Você está maluco! O trem está começando a se movimentar - gritou um rapazote que também esperava para atravessar a linha férrea.

O trem logo ganha velocidade e o Divino agarra - se nas mangueiras de ar comprimido do entre vagões e o medo de pular,  e se quebrar todo,  o fez  não  pular fora. E, lá foi ele com rumo ignorado; sem saber para onde...

Quarenta e oito minutos depois a composição começa a diminuir a velocidade  até que para por total. Divino, que urinou nas roupas de tanto medo, desceu  e caminhou  até à  porta de um barzinho e pergunta:

- Boa tarde  moço, que bairro é esse?

Um dos que estava no balcão responde:

- Aqui  não é bairro não moço; aqui é Matias Barbosa!

- Meu Deus,  vim parar há vários quilômetros de Juiz de Fora sem um tostão no bolso e nem meus documentos eu trouxe - pensou.

O tempo foi passando e lá pelas três horas e quarenta e oito minutos da tarde e ele continua  na rodovia fazendo sinal de carona até que um caminhão de pequeno porte, frigorífico com carga de sorvetes e picolés,  pára e o motorista perguntou:

- O senhor está querendo carona para ir  para onde? Juiz de Fora?

- Sim...sim...moço, isso...isso Juiz de Fora! O senhor me dá carona?

-Sobe aí, vamos lá!

- Vou ter que fazer umas  entregas num Atacadão na entrada de Juiz de Fora e vou precisar de um ajudante: - Você me ajuda – perguntou o motorista.

- Sim claro que eu ajudo, com todo o prazer!

- Beleza! Mas, fica tranqüilo que eu te pago! Costumo pagar sessenta   reais para ajudante, OK?

- Nossa,  está bom demais, obrigado -  sorriu o Divino com os olhos até fundos de fome.

As dezenove e quarenta e oito minutos , Divino chega em casa exausto!

- Onde você estava homem?  Eu fui em todos os lugares atrás de ti; até no IML fui te procurar?

- É que apareceu um serviço de entrega de mercadoria e não deu tempo de te avisar; nem deu tempo de pegar meus documentos. Toma esses cinqüenta reais prá você fazer a feira amanhã!

 

 

 

quarta-feira, 19 de setembro de 2018


TRIBUTO À CHIBINHA
          - É,  senhora, o caso da...
- Chibinha! – lembrou-lhe a senhora.
- Isso... O caso desta gatinha é terminal; ela está em adiantado estado de metástase e,...
- E? E o quê doutor?
- Só sacrificando. Ela está sofrendo muito, mas muito mesmo!
...
         Duas horas depois, já em casa:
         - E aí, Rô, a Chibinha ficou internada no hospital para animais – perguntei-lhe.
         - Levei-a em três clínicas veterinárias diferentes  e o diagnóstico sempre foi o mesmo.
         - Ela ficou em qual? Na veterinária dela, a doutora Wanda?
         - Não, levei-a naquela clínica saindo da cidade e, - interrompi o diálogo:
         - Por que tão longe?
         - Ela, nesta hora,  já foi sacrificada Lê... estava sofrendo muito.
         - Ahhh... tadinha! Mas, se não tinha cura, era o que tinha que ser feito, não é?
         - É... Fazer o quê além do que foi feito?
...
         Duas semanas depois:
         - Ahhh... Nada como abrir a janela, numa manhã de domingo, e ver esse Sol tão... tão...Rôôôôô, venha ver quem está no jardim – gritei em tom apavorado,  como apavorado fiquei. 
Rô vem em um sobressalto à janela e grita:
         - CHIBINHAAAAAA!!! Cruz-em-credo!
         - Será um fantasma de gato, Rô ou um zumbi?
         Rô não respondeu e saímos correndo para o jardim.
         - Chibinha, você esta viva – só um miado fraco respondeu.
         O domingo foi só da gatinha; toda a atenção foi só dela.
         Na segunda-feira às 08h07min:
         - Alô, eu queria falar com o Dr. Márcio, é da residência dele? Ahhh... sim? Eu aguardo.
         - Bom dia doutor, aqui é a dona daquela gatinha que estava em fase termina e eu... – Rô ficou só ouvindo e depois de cinco minutos:
         - Entendi doutor. Bom dia – e desligou o telefone.
         - O que ele disse pitéu?
         - A Chibinha, ao ver a seringa da execução fugiu pela janela da sala do hospital veterinário como uma onça ferida, Lê!
         - Caramba e, como será que ela chegou até aqui, de volta para casa? Aquele hospital é longe e muito “fora de mão”!
         - Só ela poderia nos contar o que ela passou até chegar aqui, de volta!
         - E por falar nela, vamos lá ver como ela está – sugeri à Rô.
         - Vamos – respondeu-me:
         - Chibinha... acorda dorminhoca, gatinha esperta...acoooorda – insistia a patroinha.
         - Lê, ela não acorda!!!
         Coloquei a mão na bichana e ela estava com a rigidez cadavérica:
         - Ela morreu Rô! Ela voltou só para morrer perto da gente!



domingo, 15 de dezembro de 2013

VIDA EM VIRTUÁLIA

      ARRET
A NOVA MORADA

De Volta
Ao Começo


       
A nave, sistematicamente, fechou o invólucro superior e pela tela interna víamos a parte externa começando a brilhar e em seguida a Laí falou, em voz metálica:
- Chegamos ao Vale, seu Lê, Portal das Pitangueiras!
- Chegamos Rô!
- Nossa Lê, foi num pestanejar de olhos!
- Vamos direto lá para o Nhô, Rô!
Descemos e eu falei à Laí:
- Laí: - sistema de camuflagem!
Foi terminar a ordem e a nave sumiu aos nossos olhos.
- Vamos atravessar o Portal agora Rô!
Falei a senha e o Portal se abriu. Após passarmos eu repeti a senha e a abertura sumiu.

- Ôi Misifiu! Ôceis tão bão?
- Nhô, que prazer em vê-lo – disse a Rô enquanto eu e meu amigo trocávamos abraços.
- U prazê é dêssi negu véi aqui! Ieu vim buscá umas pitanga módi fazê um sucu pra Ritinha. Tá fazenu muntchu calor puressis dia. U Sór tá inté parecenu qui vai ixplodí, seu Lê!
- Nós sabemos disso, “Véi” e é esta uma das razões pela qual antecipamos a nossa volta. Estão acontecendo explosões violentas no nosso Sol, mas o calor não deve ser por isso.
- Tá bão, Misifiu, si ôce tá falanu, intão tá intão! Mai ôceis partiru daqui  tresantonti; num fais tantu tempu ansim!
- Caramba, Lê, então é por isso que nem parece que saímos daqui do Vale!
- É assim mesmo, Pitéu e tenha sempre em mente: “Nunca saberemos o que vai acontecer quando viajamos por um wormhole.”
Passamos o restante do dia com a família do Nhô e à noitinha, depois de saborearmos uma deliciosa costelinha de java-porco com mandioca, fomos para nosso cafoco; nosso legítimo cafofo.
Ficamos no Vale por várias semanas até que a Rô, numa tardinha no pomar enorme do sítio, me falou:
- Lê, amanhã é véspera do dia de festas de final de ano; já está tudo preparado para as comemorações e te pergunto: - Será que o Comandante e sua família virão?
- É mesmo Pitéu! Parece que o tempo não existe, aliás, acho que o tempo só existe na nossa vida, no sentido biológico. Mas, pode ter certeza que os arretianos estarão aqui no sítio amanhã bem cedinho para tomar café com a gente. O Kobauski e o Etevaldo adoram a broa do Nhô e, além do mais, as caramboleiras estão carregadinhas de frutas maduras. Quer apostar?
- Não! Não quero entrar numa aposta perdida. Vamos lá pra cozinha do sítio, já colhemos frutas suficiente para fazermos salada de frutas para um batalhão de arretianos.
- Está bem Rô, você tem razão; o carrinho de colheita está transbordando. Vamos nessa então!
Ficamos até por volta das dezenove e trinta e um minutos preparando a salada de frutas, enquanto o Nhô e a Xerê preparavam os quitutes para o almoço do dia seguinte.
No dia seguinte às seis horas e trinta e um minutos, nós já estávamos acordados no varandão dos fundos do sítio:
- Olha Lê, vi um clarão lá pelos lados do Portal das Pitangueiras – falou a Rô apontando para aquela direção.
- São os arretianos chegando, Rô – respondi e completei:
- Lá vêm eles, aliás, até a mãe do Kobauski veio! Que bom reunirmos nossa família, a do Zé das Flores e a do Kobauski.
Por volta das doze horas e trinta e um minutos todos já tinham chegado e aquele sábado estava muito animado. A felicidade estava ali presente em cada um de nós e, assim foi até aos trinta e um minutos da madrugada, quando:
- Senhores! Tudo está muito bom, mas temos que voltar para Arret – disse o Kobauski e continuou:
- Não podemos nos ausentar por muito tempo de Arret, pois o sol menor está se apagando e grandes mudanças estão acontecendo por lá. Só vimos porque prometemos para vocês, seu Lê e dona Rô.
- OK, Comandante, o senhor é quem sabe – falei e prossegui:
- Eu e a Rô vamos acompanhá-los até ao Portal, OK?
- OK! Então vamos!

Muito tempo se passou desde que vimos para o Vale Virtualiano do Rio do Peixe. Para dizer a verdade, desde nossa vinda eu, Rô e Laí viajamos todo o Cosmos que um ser humano sequer pensa em conhecer, mas que na realidade, pela imensidão do mesmo, é como se nós não tivéssemos saído do lugar; como se o tempo não existisse, pois tudo continua a mesma coisa. Parece que o tempo parou na visão de um terráqueo. O Portal das Pitangueiras é o mesmo com suas duas imponentes árvores de pitangas frutificando eternamente.
Naquele dia a tarde morna se retirava e dava lugar ao anoitecer que chegava, como que, trazido pela brisa que encrespava as águas do Rio do Peixe:
- Lê, você não acha esta calmaria monótona? Tudo que queremos, nós temos; tudo que sempre quisermos fazer,  com certeza, faremos e...
- Aonde você quer chegar com essa conversa, Pitéu?
- Até o paraíso torna-se enfadonho perante a inquietude do espírito humano, Lê – respondeu-me a Rô, filosofando.
- Tens razão! Você tem sempre razão. Vamos embarcar na Laí e ir para Arret!
- Arret? Qual é a sua ideia, Lê?
- Vamos conversar com o Kobauski. Vamos falar da monotonia que está sendo nossa vida. O que você acha?
- Só se for agora – respondeu-me a Rô.
- Antes vamos nos despedir do Nhô e família. Amanhã vamos dar adeus para todos os nossos amigos na festa do jubileu do padroeiro de Virtuália, ou seja, no dia de São Nunca do Vale Virtualiano do Rio do Peixe, OK?
- OK Lê, e se você não se importar vou cair na cama agora, pois não sei por que estou me sentindo muito cansada. Mas antes me diga uma coisa, Lê.
- O que, Pitéu?
- Por que chamam este rio de Rio do Peixe e não Rio dos Peixes se este rio tem peixes “a dar com pau”?
- Ah! Ah! Ah! O nome é em homenagem a um antigo vereador de Virtuália, o Danio Dourado Sardinha. Ele era morador da barranca deste rio que, naquela época, era conhecido como Rio Maior, pois era e é maior do que o Ribeirão Limpo. Esse morador vivia da pesca. Ele pescava só os peixes graúdos e vendia na feira da Praça Bispo-cardeal em Virtuália e os peixes que sobravam, na feira livre – os que ele não vendia -, doava  para as creches e asilos. Dizem que ele sempre levava o triplo do que sempre costumava vender só para sobrar e, então, doar.
- Que “gente boa” era esse sujeito não é Lê?
- Dizem que fazia, também, plantações de batatas, milho e mandioca só para doar aos que necessitavam. Com sua popularidade, o Coronel Bispo-Cardeal carinhosamente o obrigou a se candidatar a vereador e assim foi feito.
- E ele ganhou, Lê?
- Sim Rô! Ele foi vereador por mais de trinta e um anos e apesar de se tornar político, continuou a vender e doar peixes, plantar batatas, milho e mandioca para os necessitados. A feira-livre central de Virtuália tem o seu nome e o rio também.
- O rio?
- Sim! O Danio Dourado Sardinha tinha apelido de Peixe, pois quando não conhecia uma pessoa, ele a chamava de “meu Peixe”!
- E o que aconteceu com o Peixe, Lê?
- Há uns cinco ou seis anos, já com mais de oitenta anos e afastado da política, ele pescava na barranca do rio e fisgou um enorme peixe – dizem que, de tão grande, não cabia nem na carroceria de um caminhão. Como ele não conseguiu puxá-lo do rio o peixe o levou para o fundo do rio. Falam que brigaram por horas a fio e o peixe venceu o Peixe.
- Credo Lê, que tragédia! E ele morreu?
- Acho que morreu, pois nunca mais foi visto. O interessante era que ele não sabia nadar.
- Parece conversa de pescador, Lê! Como ficaram sabendo desse fato?
- Naquela época o Paulinho Goró vivia perambulando pelas redondezas e viu a ”briga” dos peixes e... 
- Peraí, peraí...peraê! O Paulo di Paulli há cinco ou seis anos ainda não tinha abandonado o hábito de viver sobre o efeito etílico, não é mesmo?
- Ah! Ah! Ah! Justamente, Pitéu. É mesmo, ah! Ah! Ah!
- Mas voltando ao que falávamos Rô, eu também me sinto cansado e não vejo explicação para isso. Talvez o Kobauski nos diga quando chegarmos lá amanhã.

No dia seguinte, na festa do padroeiro, na Praça Bispo-Cardeal defronte a igreja matriz, o padre Orestes chamou eu e a Rô no palco, onde o Zoca Poeta e duplas sertanejas faziam apresentações e pediu a palavra:
- Senhores e senhoras, um minuto de vossas atenções – houve um repentino silencio e o DJ abaixou o som da festa.
- Eu, o pároco da matriz, informo-lhes que o senhor Lê e a esposa Rô vão para Arret e de lá irão para outro mundo e talvez só nos encontraremos daqui a um bom tempo muito além deste nosso tempo. Aproveitamos esta noite festiva para desejar-lhes boa sorte e que vivam o que tem que ser vivido. Peço aplausos para nossos amigos!
Todos aplaudiram, gritavam e assoviavam. Cumprimentamos todos os nossos amigos um por um e a Rô me falou meio chorosa:
- Lê, não estou entendo o porquê de tanta pompa. Até parece que vamos para não voltar!
- Rô, são zero hora e trinta e um minutos, vamos sair à francesa e ir pra o portal e zarpar para Arret, OK?
- OK Lê, vamos nessa!
No Portal das Pitangueiras falei a senha, este se abriu, e entramos. Laí estava camuflada e falei:   
  -  Laí: sair da camuflagem - e a nave surgiu;
-  Laí: abrir a porta– a nave obedeceu e adentramos;
- Laí: sala de comando – e o ambiente se transformou à minha ordem;
- Laí: wormhole que nos leva a Arret no QG de Arret – e a nave se iluminou e trinta e um segundos depois:
- QG de Arret, seu Lê, são doze horas e trinta e um segundos – disse em voz metálica da nave e esta  pairou a trinta e um centímetros  do solo no grande estacionamento do centro administrativo de Arret. Ao descermos:
- Sejam bem vindos seu Lê e dona Rô – disse o sorridente Etevaldo de mãos dadas com uma arretiana com uniforme de oficial.
- Boa tarde Etevaldo, o prazer é todo nosso – disse a Rô.
- Esta é a capitã Helgasmitys, minha noiva – apresentou-nos todo sorridente o Etevaldo.
- Muito prazer capitã – falamos em um sonoro duo.
- Papai já os esperam, seu Lê!
- Como assim? Nem avisamos que viríamos – disse a Rô.
- O chip, dona Rô! Esquecestes?
- Ah! É mesmo, o chip e o anel...

Na sala do Kobauski:
- Então seu Lê e dona Rô, alguma novidade – perguntou o comandante.
- Sim, Kobauski e já sei que você já sabe, não é – respondi-lhe.
- Sim, meus amigos, eu já esperava por isso, ou seja, todas as novidades já os deixaram enfadonhos, não é?
- Sim comandante – interceptou a Rô – parece que rodamos todo o cosmos desta dimensão e gostaríamos de experimentar uma viagem na máquina de viajar nas fendas do tempo.
- Estão certos disto – insistiu o Kobauski e continuou:
- Vocês só podem voltar ao passado visto que o futuro é este presente. Só poderão voltar no que já viveram! Escolheram o período que desejam retornar?
- Sim comandante – disse a Rô e prosseguiu – queremos voltar ao dia em que eu e o Lê nos vimos pela primeira vez.
- Concorda seu Lê – perguntou-me o Comandante.
- Sim! Lógico, Kobauski.
- Não precisarão ir para o local onde vocês se conheceram para retroagirmos. Nosso novo equipamento, todo feito com KBKI, permite que viajem a partir de qualquer lugar onde estiverem. Para isso basta vocês entrarem na máquina e fixar o pensamento no dia em que se conheceram. Querem ir agora?
- Sim – falamos ao mesmo tempo.
- Estão cientes que só nos veremos no futuro daquele tempo. OK?
- OK Comandante, nós estamos cientes – falei por mim e a Rô.
- Mas antes de irmos gostaríamos de saber o que houve com o sol menor. Nesta hora ele estaria no céu da metade da tarde.
- Ele continua lá, seu Lê, porém está sem luz própria, isto é, apagou-se – disse o Kobauski e prosseguiu:
        - Tivemos que nos adaptar nossas vidas , ou seja, o dia, agora, nasce quando o Sol Maior aponta na sua nascente.
- Igual ao Sol da Terra, não é – perguntou a Rô.
- Exatamente, meus amigos – respondeu o Comandante.
- Vamos para o laboratório onde está a máquina fixa e iniciar o processo para viagem – disse o Etevaldo.
No laboratório, entramos no equipamento e eu perguntei à Rô:
- Lembra direitinho o momento, Pitéu?
- Sim Lê, até a camisa azul claro toda estampada com a palavra em inglês “more” em branco. Sua calça era bege , seus cabelos todo encaracolados e...peraí, peraí...peraê...ih! Ih! Ih! E você, se lembra Lê?
- Sim Rô! Você estava sentada defronte ao kardex – aquele sistema, que na época, as empresas usavam para controle físico dos estoques de materiais. Como não tinha nada para lançar no sistema, você estava com os dois cotovelos apoiados na mesinha de trabalho e com as mãos entrelaçadas apoiava o queixo. Seus cabelos amarrados, como a  um rabo de cavalo, foi o que mais me chamou a atenção.
- Como conseguimos relembrar esse momento tão bem lembrado, Lê?
- Não sei Rô! Veio em minha mente como um flash!
- Engraçado, na minha também!
- Entrem amigos e fiquem imóveis. Fechem os olhos e este será o último ato de vocês nesta fresta de espaço-tempo, OK?
- OK, Comandante – respondemos quase ao mesmo tempo.

...
EPÍLOGO

À cerca de trinta e um mil pés de altura, sobre a floresta Amazônica, falei ao Saint Clair:
- Cara, estou com vinte e seis anos e esta é a primeira vez que viajo de avião.
- É mesmo Lê? Essas viagens de Belo Horizonte até Manaus são tranquilas, mas cansativas. Porém de Manaus até Porto Trombetas, às margens do Rio Trombetas, no projeto de bauxita que a construtora em que trabalhamos está terminando de construir, o aeroporto só comporta avião menores; o avião que nos levará até nosso destino é um DC-3 do tempo da segunda guerra. Os DC-3 são adaptações dos aviões militares C-47, para passageiros.
- Caramba! Avião do tempo da guerra? Pô tem mais de trinta e um anos, cara – falei ao colega de empresa.
- Calma sô, eu já viajei naquele avião várias vezes e é muito seguro. Por ser tua primeira vez é normal essa surpresa.
O voo até Manaus foi uma tranquilidade. Dormimos no alojamento da empresa e na manhã seguinte, às seis horas e trinta e um minutos embarcamos no “sobra de guerra” da construtora e o piloto falou-nos – éramos doze pessoas a bordo e o resto era carga:
- Vou ter que descer em Santarém para embarcar três pessoas e deixar umas encomendas, mas as onze e trinta e um minutos, no máximo, estaremos em Porto Trombetas, OK?
Dito e feito! No horário certo o DC-3 pousou no pequeno aeroporto no meio da floresta. Lá nos esperavam  uma caminhonete e o motorista, da mesma, nos disse:
- O Dr. Paulo pediu para levar vocês direto para o alojamento dos visitantes, alojá-los e depois conduzi-los ao almoxarifado central do canteiro de obras. Terão uma reunião com ele antes de tudo, OK? Meu nome é Cícero, mas pode me chamar, como todos me chamam, de Jaraquí.
- OK, Cícero eu sou o Saint Clair e este outro auditor é o Lê! Vamos lá?
Era imenso o canteiro de obras. O porto, para exportação da bauxita da mina – confirmada como jazida secular -, já estava pronto. A construtora estava entregando tal projeto executado e nossa missão era encerrar o sistema de materiais daquele canteiro e, nosso ponto de partida para a ação, começaria pelo almoxarifado e lá seria a reunião.
Entramos no almoxarifado. O Saint Clair foi à frente, como bajulador nato, queria ser o primeiro a cumprimentar o engenheiro chefe da obra. Fiquei para trás e disse-lhe:
- Pode ir à frente que eu vou tomar água gelada naquele bebedouro perto das mesas do Kardex, OK?
- OK, Lê, mas não demore que o Dr. Paulo já deve de estar chegando – disse meu colega.
Ao passar pelo kardex vi uma menina sentada defronte ao fichário com os cotovelos na mesinha de trabalho e com o queixo apoiado nas mãos entrelaçadas e pensei:
- Caramba, mas que piteuzinho. E que cabelos lindos amarrados, do jeito que eu gosto, como rabo de cavalo! Demorei tanto meus olhos para ela que, ela percebendo, me olhou e disse:
- Oi! Você quer um copo para beber água?
- Oi, quero sim se não for incomodá-larespondi e ela abriu a gaveta de sua mesinha de trabalho e me deu um copo descartável.
- Obrigado! Esse calor daqui é terrível! É bem mais quente do que em Minas Gerais no forte do verão.
- Eu sei, pois sou de lá também! A gente acaba por acostumar.
- Eu e meu colega vimos fazer o encerramento da área de materiais controlados no estoque. A propósito, eu sou o Lê – falei e estendi a mão e ela ajeitou os óculos no rostinho de menininha, levantou-se e vi nela tudo o que eu procurava em toda a minha jovem vida:
- Pode me chamar de Rô! É um prazer conhecê-lo falou-me ela sorrindo e com um lindo brilho nos olhos.
- Engraçado, mas parece que já te conheço de algum lugar falei sinceramente e ela me respondeu:
- Eu também tive essa impressão! Talvez seja de outras vidas, de outros mundos, ih! Ih! Ih!


FIM?

sábado, 7 de dezembro de 2013

VIDA EM VIRTUÁLIA: DE ARRET À VIRTUÁLIA

        ARRET
A NOVA MORADA
De ARRET
Para Virtuália

      Na manhã seguinte despedimos de Richard e, do agora presidente de Lander – o Stephan, e rumamos para Arret. Eu e a Rô fomos na Laí seguindo a nave-mãe-mestre. Kobauski apareceu em nossa cabine, na forma holográfica e nos disse:
- Preparem-se para sairmos do wormhole e, assim que entrarmos na órbita do nosso planeta sua nave estará sob teu comando, OK, seu Lê?
- OK, Kobauski – respondi e a Rô admirada me disse:
- Caramba, Lê, passaram apenas trinta e um segundos terrestre! Foi pouco mais de um “piscar de olhos”?
- Parece que o tempo não existe, não é Pitéu?
- Já havia pensado nisto, Lê e... – de repente a Laí abriu toda a blindagem externa e toda a parte de cima dela parecia que não existia, pois víamos todo o exterior e a Rô, surpresa, gritou:
- Lê, olhe! Aqui tem dois sóis! O grandão e mais brilhante e está a pino, como o de Virtuália ao meio dia, e o outro menor, e menos brilhante, está localizado como o Sol às quinze horas. Que espetáculo, meu amor!
- São duas estrelas que estão distantes uma da outra muitas UA, Rô! – expliquei-lhe e ela completou:
- Já sei! Esta mais brilhante é a que está mais perto de Arret, aliás, é nela que este planeta orbita, não é?
- Que raciocínio ótimo, meu Pitéu, aliás, parece que outros ares nos estão fazendo bem, não é? Como estamos raciocinando rápido!
- Não seriam essas entradas e saídas dos wormhole, Lê?
- Não estou te dizendo? Acho que estamos evoluindo científica, intelectual e, principalmente, espiritualmente ah! Ah! Ah!
- Laí: - vamos dar uma volta em torno do planeta a quatro mil metros de altura e a uma velocidade de quinhentos quilômetros por hora – ordenei à nave e ela, pela primeira vez, me contestou:
- Não posso viajar a esta altura e nessa velocidade, seu Lê! Para viajar a essa velocidade, só a dois mil, quatrocentos e oitenta e quatro metros de altura.
- Chiiiii... Lê!  E agoraperguntou a Rô.
- Vou mudar o comando: 
   - Laí: viajar a quatrocentos e oitenta e quatro quilômetros por hora a uma altura de dois mil, quatrocentos e oitenta e quatro metros!
- Certo, seu Lê – respondeu a nave.
Navegamos num céu extremamente azul, mas carregado de nuvens de diversos tipos e formatos:
- Olhe, Lê como chove sobre aquela imensa floresta perto daquela cidade! E que cidade enorme! Tem a cidade, a floresta, um rio imenso e mais adiante o mar... parece que eu já vi uma cidade parecida, olhando aqui de cima!
- Está tendo flash de memórias de outras vidas, Pitéu? Parece que também me recordo de alguma coisa similar, mas... deixa pra lá. É perto daquela cidade e numa fazenda é que mora a família do Kobauski. Vamos para lá que o pessoal dele deve estar com o almoço pronto. Vamos deixar para fazermos nosso turismo aéreo outra hora.
- Que visão linda! Você já veio muitas vezes aqui, Lê – perguntou a curiosa patroinha.
- Duas ou três vezes, Pitéu! Ah! Numa dessas vezes o Nhô esteve comigo.
- Laí: - moradia do Kobauski – ordenei e em poucos segundos estávamos pairando, a trinta e um centímetros do chão, no estacionamento gramado da residência.
- É a primeira vez que vejo gramado prateado! Que maravilha!
- É grama natural de Arret. Só tem aqui. Existe a dourada também, Rô!
- Acredito. Lê, o Kobauski é noivo da Tenente Slayan, não é?
- Eu acho que vão ficar noivos, Rô! Desde que a Kolina, a primeira noiva dele morreu, a Tenente se aproximou dele.
- Ah! Tá – respondeu a Rô e seguimos andando rumo à casa de Kobauski e Etevaldo. Caminhávamos de mãos dadas e, quando nos aproximamos da casa, com aquela enorme varanda que a contornava, a mãe do Kobauski nos viu e gritou:
- Seu Lê, que prazer em vê-lo! A senhora é a...
- Esta é minha patroinha, dona Kosefine – apresentei-lhe a Rô à enorme criatura que ficou ajoelhada e disse:
- Como você é bonita, menina! Diferente das outras mulheres terráqueas que estiveram aqui falou isso e passou a mão na cabeça da Rô que só sorria lindamente e me perguntou:
- De que mulheres ela está falando, Lê?
- É das filhas do seu Zé das Flores, Pitéu! Você vai conhecê-las, pode ficar tranquila.
- Todos estão lá na parte detrás do casarão, seu Lê. Vamos oficializar o noivado de nosso filho!
 Kobauski, Etevaldo e família, como sempre, foram ótimos anfitriões e deixou- nos à vontade diante da multidão de seus parentes e amigos. Para a Rô tudo era novidade, menos uma coisa que chamou-lhe a atenção e ela perguntou ao Etevaldo:
- Etevaldo esta caipirinha que estou tomando é uma das melhores que já provei! Vocês trouxeram a purinha lá do sítio do Nhô? Parece feita com aquela cachaça dos deuses que o nosso amigo produz!
- Mas não é dona Rô! É tudo daqui de Arret mesmo. Só Know How que é do nosso grande e querido Nhô.
- Ah! Então tá, então!
A festança foi até tarde da noite arretiana. Num dado momento a Rô me perguntou:
    - Lê aonde nós vamos pernoitar? Tudo aqui é feito para esses gigantes, menos os talheres, pratos e copos que usamos e que parecem de Virtuália.
- Mas não são de lá, Rô; são cópias feitas por aqui mesmo. Nós vamos pernoitar em nosso cafofo.
- O quê! Já vamos voltar para o sítio do Nhô – falou a patroinha.
- Não! Esqueceu-se do nosso cafofo dentro da Laí?
- É mesmo Lê! Então é por isso que temos na nossa nave a réplica do cafofo! Os arretianos são mesmo arretados de inteligentes, não é mesmo?
- São sim Pitéu! Vamos nos despedir deles e ir dormir. Amanhã vamos levantar cedo para você ver o duplo amanhecer.
- Duplo? Como assim?
- Só vendo, Rô! Não tem como explicar!
Despedimos de todos e fomos andando até a Laí:
- Lê como é lindo o céu de Arret! As estrelas são bem maiores que na Terra e até dá para ver, a olho nu, galáxias distantes.
       - Tem razão, Rô, existem infinitos paraísos. Vamos conhecer muito deles.
- Essa mistura de perfumes que a brisa trás é indescritível, não é – perguntou a Rô e eu respondi segurando-lhe o rostinho e nos beijamos, eternamente, apaixonados.
- Ah! Lê, tomara que eu nunca acorde deste sonho!
- Não vamos não, Rô, este sonho é eterno!
Entramos na Laí e eu ordenei:
- Laí, cafofo – ela respondeu:
- Céu de Arret ou Virtuália?
- De Virtuália, Lê! Apesar do céu de Arret ser muito bonito e diferente, nosso cafofo tem que ser todo como ele é – disse a Rô e eu refiz a ordem:
- Laí: Cafofo com céu de Virtuália as zero hora e trinta e um minutos!
Ficamos olhando para o céu e entre chamegos e conversas sobre tudo... adormecemos.
As cinco e trinta e um minutos da manhã, de Arret, já estávamos em pé e, a Rô, tinha preparado o desjejum:
- Suco de laranja com acerola, torradas, café, broa, manteiga, queijo frescal e fatias de presunto dos produtos Nhô. É o que temos, Lê!
- Ótimo Pitéu! Vamos comer que o primeiro amanhecer já vem surgindo!
Às seis horas em ponto o primeiro sol surgiu a dez graus ao Norte e uma claridade opaca cobriu todo o vale da fazenda. Dava para ver tudo, e ao longe, apesar da fraca luminosidade, falei à Rô:
- Daqui a três horas e trinta e um minutos o grande sol surgirá a Noroeste e o dia se firmará na claridade plena de Arret.
- Então, Lê, vamos andando até a praia, se o sol maior vai nascer a Noroeste, ele vai surgir além-mar – falou, com razão, a Rô.
- Sim, Pitéu, vamos esperar este astro rei nascer lá na praia e depois iremos até ao casarão da família do Kobauski. Vamos conversar com ele e o Etevaldo antes de eles irem para o QG. O Kobauski falou que queria conversar conosco, lembra-se?
- Sim, Lê, eu me lembro!
As nove horas e trinta e um minutos o astro rei de Arret emerge do grande oceano azul. É enorme, talvez, cinco vezes maior que o nosso Sol, visto da Terra. Em poucos segundos ele se torna uma esfera dourada e seu brilho vai se intensificando à medida em que vai subindo no céu arretiano.
        - Lê, como é lindo! Como eu agradeço ao Criador por me permitir presenciar tudo isto – falou, poeticamente a patroinha.
- Presenciar? Será que estamos presenciando realmente, Rô? Não estaríamos inseridos em nossos próprios sonhos?
- Pode até ser, Lê, mas que é lindo...ah! isto é! 
A luminosidade era plena com os dois sóis no céu. O menor já está  no seu “meio-dia” e o maior, reinando soberano, na sua magnitude e falei à Rô:
- Vamos à casa do Kobauski, Rô, creio que ele nos espera.
Na varanda da casa do Comandante, todos os familiares nos esperava e o Kobauski nos deu a notícia:
- Seu Lê e dona Rô, acabamos os testes com a máquina de viajar nas frestas do tempo. Não há necessidade de a pessoa estar no lugar determinado para retornar ao passado ou futuro de um determinado  espaço-tempo. Portanto, para retornar ao passado ou avançar no futuro bastará entrar no equipamento e memorizar fixamente o lugar do passado e futuro que ele estará lá. O resto é como lhes expliquei anteriormente.
- Que ótimo, Comandante, quando quisermos reviver o que vivemos nos viremos aqui em Arret e usaremos essa máquina para irmos ao nosso passado, OK? – falou a Rô.
- Serão sempre bem-vindos, meus amigos – respondeu o Comandante.
- Kobauski, vamos aproveitar o momento para  despedirmos de vocês; iremos para Virtuália daqui à pouco. Já ficamos muito tempo fazendo turismo pelo  Cosmos.
- Tudo bem, amigos. Vocês fiquem à vontade – respondeu Kobauski.

Despedimos da família do Kobauski e do restante do pessoal do QG e o Etevaldo me falou:
- Seu Lê, dona Rô, caso precise de nós é só usar o método de nos conectarmos de praxe. OK? Estejam onde estiverem, nesse universo à fora!
- Ótimo e obrigado meus amigos!
- Posso fazer um convite ao Kobauski, noiva e Etevaldo, Lê – perguntou a minha patroinha e eu respondi:
        - Claro, Rô! Pode sim!
- Kobauski ... eu, o Lê, Nhô, Xerê e a Ritinha gostaríamos que vocês fossem passar as festas de final de ano lá no Vale Virtualiano do Rio do Peixe, ou mais precisamente, no sítio do Nhô! O que vocês acham?
Kobauski olhou para o Etevaldo e Slayan, e pelos olhares e sorrisos deles só tinha que ter uma resposta e disse:
- Aceitamos! No dia da festa principal de vocês, estaremos lá. Podem contar conosco!
- Ótimo! Ótimo mesmo – disse alegre a Rô.
- Então vamos Rô! Até às festas, pessoal – falei e nos dirigimos à Laí e ao adentrarmos ordenei:
- Laí: formato da sala de comando – automaticamente ela obedeceu e em seguida dei outra ordem:
- Laí: wormhole para o Vale do Rio do Peixe; Portal das Pitangueiras!
Continua em:
De Volta
Ao Começo