ARRET
A NOVA MORADA
De Volta
Ao Começo
A nave, sistematicamente, fechou o invólucro superior e pela tela interna víamos a parte externa começando a brilhar e em seguida a Laí falou, em voz metálica:
- Chegamos ao Vale, seu Lê, Portal das Pitangueiras!
- Chegamos Rô!
- Nossa Lê, foi num pestanejar de olhos!
- Vamos direto lá para o Nhô, Rô!
Descemos e eu falei à Laí:
- Laí: - sistema de camuflagem!
Foi terminar a ordem e a nave sumiu aos nossos olhos.
- Vamos atravessar o Portal agora Rô!
Falei a senha e o Portal se abriu. Após passarmos eu repeti a senha e a abertura sumiu.
- Ôi Misifiu! Ôceis tão bão?
- Nhô, que prazer em vê-lo – disse a Rô enquanto eu e meu amigo trocávamos abraços.
- U prazê é dêssi negu véi aqui! Ieu vim buscá umas pitanga módi fazê um sucu pra Ritinha. Tá fazenu muntchu calor puressis dia. U Sór tá inté parecenu qui vai ixplodí, seu Lê!
- Nós sabemos disso, “Véi” e é esta uma das razões pela qual antecipamos a nossa volta. Estão acontecendo explosões violentas no nosso Sol, mas o calor não deve ser por isso.
- Tá bão, Misifiu, si ôce tá falanu, intão tá intão! Mai ôceis partiru daqui tresantonti; num fais tantu tempu ansim!
- Caramba, Lê, então é por isso que nem parece que saímos daqui do Vale!
- É assim mesmo, Pitéu e tenha sempre em mente: “Nunca saberemos o que vai acontecer quando viajamos por um wormhole.”
Passamos o restante do dia com a família do Nhô e à noitinha, depois de saborearmos uma deliciosa costelinha de java-porco com mandioca, fomos para nosso cafoco; nosso legítimo cafofo.
Ficamos no Vale por várias semanas até que a Rô, numa tardinha no pomar enorme do sítio, me falou:
- Lê, amanhã é véspera do dia de festas de final de ano; já está tudo preparado para as comemorações e te pergunto: - Será que o Comandante e sua família virão?
- É mesmo Pitéu! Parece que o tempo não existe, aliás, acho que o tempo só existe na nossa vida, no sentido biológico. Mas, pode ter certeza que os arretianos estarão aqui no sítio amanhã bem cedinho para tomar café com a gente. O Kobauski e o Etevaldo adoram a broa do Nhô e, além do mais, as caramboleiras estão carregadinhas de frutas maduras. Quer apostar?
- Não! Não quero entrar numa aposta perdida. Vamos lá pra cozinha do sítio, já colhemos frutas suficiente para fazermos salada de frutas para um batalhão de arretianos.
- Está bem Rô, você tem razão; o carrinho de colheita está transbordando. Vamos nessa então!
Ficamos até por volta das dezenove e trinta e um minutos preparando a salada de frutas, enquanto o Nhô e a Xerê preparavam os quitutes para o almoço do dia seguinte.
No dia seguinte às seis horas e trinta e um minutos, nós já estávamos acordados no varandão dos fundos do sítio:
- Olha Lê, vi um clarão lá pelos lados do Portal das Pitangueiras – falou a Rô apontando para aquela direção.
- São os arretianos chegando, Rô – respondi e completei:
- Lá vêm eles, aliás, até a mãe do Kobauski veio! Que bom reunirmos nossa família, a do Zé das Flores e a do Kobauski.
Por volta das doze horas e trinta e um minutos todos já tinham chegado e aquele sábado estava muito animado. A felicidade estava ali presente em cada um de nós e, assim foi até aos trinta e um minutos da madrugada, quando:
- Senhores! Tudo está muito bom, mas temos que voltar para Arret – disse o Kobauski e continuou:
- Não podemos nos ausentar por muito tempo de Arret, pois o sol menor está se apagando e grandes mudanças estão acontecendo por lá. Só vimos porque prometemos para vocês, seu Lê e dona Rô.
- OK, Comandante, o senhor é quem sabe – falei e prossegui:
- Eu e a Rô vamos acompanhá-los até ao Portal, OK?
- OK! Então vamos!
Muito tempo se passou desde que vimos para o Vale Virtualiano do Rio do Peixe. Para dizer a verdade, desde nossa vinda eu, Rô e Laí viajamos todo o Cosmos que um ser humano sequer pensa em conhecer, mas que na realidade, pela imensidão do mesmo, é como se nós não tivéssemos saído do lugar; como se o tempo não existisse, pois tudo continua a mesma coisa. Parece que o tempo parou na visão de um terráqueo. O Portal das Pitangueiras é o mesmo com suas duas imponentes árvores de pitangas frutificando eternamente.
Naquele dia a tarde morna se retirava e dava lugar ao anoitecer que chegava, como que, trazido pela brisa que encrespava as águas do Rio do Peixe:
- Lê, você não acha esta calmaria monótona? Tudo que queremos, nós temos; tudo que sempre quisermos fazer, com certeza, faremos e...
- Aonde você quer chegar com essa conversa, Pitéu?
- Até o paraíso torna-se enfadonho perante a inquietude do espírito humano, Lê – respondeu-me a Rô, filosofando.
- Tens razão! Você tem sempre razão. Vamos embarcar na Laí e ir para Arret!
- Arret? Qual é a sua ideia, Lê?
- Vamos conversar com o Kobauski. Vamos falar da monotonia que está sendo nossa vida. O que você acha?
- Só se for agora – respondeu-me a Rô.
- Antes vamos nos despedir do Nhô e família. Amanhã vamos dar adeus para todos os nossos amigos na festa do jubileu do padroeiro de Virtuália, ou seja, no dia de São Nunca do Vale Virtualiano do Rio do Peixe, OK?
- OK Lê, e se você não se importar vou cair na cama agora, pois não sei por que estou me sentindo muito cansada. Mas antes me diga uma coisa, Lê.
- O que, Pitéu?
- Por que chamam este rio de Rio do Peixe e não Rio dos Peixes se este rio tem peixes “a dar com pau”?
- Ah! Ah! Ah! O nome é em homenagem a um antigo vereador de Virtuália, o Danio Dourado Sardinha. Ele era morador da barranca deste rio que, naquela época, era conhecido como Rio Maior, pois era e é maior do que o Ribeirão Limpo. Esse morador vivia da pesca. Ele pescava só os peixes graúdos e vendia na feira da Praça Bispo-cardeal em Virtuália e os peixes que sobravam, na feira livre – os que ele não vendia -, doava para as creches e asilos. Dizem que ele sempre levava o triplo do que sempre costumava vender só para sobrar e, então, doar.
- Que “gente boa” era esse sujeito não é Lê?
- Dizem que fazia, também, plantações de batatas, milho e mandioca só para doar aos que necessitavam. Com sua popularidade, o Coronel Bispo-Cardeal carinhosamente o obrigou a se candidatar a vereador e assim foi feito.
- E ele ganhou, Lê?
- Sim Rô! Ele foi vereador por mais de trinta e um anos e apesar de se tornar político, continuou a vender e doar peixes, plantar batatas, milho e mandioca para os necessitados. A feira-livre central de Virtuália tem o seu nome e o rio também.
- O rio?
- Sim! O Danio Dourado Sardinha tinha apelido de Peixe, pois quando não conhecia uma pessoa, ele a chamava de “meu Peixe”!
- E o que aconteceu com o Peixe, Lê?
- Há uns cinco ou seis anos, já com mais de oitenta anos e afastado da política, ele pescava na barranca do rio e fisgou um enorme peixe – dizem que, de tão grande, não cabia nem na carroceria de um caminhão. Como ele não conseguiu puxá-lo do rio o peixe o levou para o fundo do rio. Falam que brigaram por horas a fio e o peixe venceu o Peixe.
- Credo Lê, que tragédia! E ele morreu?
- Acho que morreu, pois nunca mais foi visto. O interessante era que ele não sabia nadar.
- Parece conversa de pescador, Lê! Como ficaram sabendo desse fato?
- Naquela época o Paulinho Goró vivia perambulando pelas redondezas e viu a ”briga” dos peixes e...
- Peraí, peraí...peraê! O Paulo di Paulli há cinco ou seis anos ainda não tinha abandonado o hábito de viver sobre o efeito etílico, não é mesmo?
- Ah! Ah! Ah! Justamente, Pitéu. É mesmo, ah! Ah! Ah!
- Mas voltando ao que falávamos Rô, eu também me sinto cansado e não vejo explicação para isso. Talvez o Kobauski nos diga quando chegarmos lá amanhã.
No dia seguinte, na festa do padroeiro, na Praça Bispo-Cardeal defronte a igreja matriz, o padre Orestes chamou eu e a Rô no palco, onde o Zoca Poeta e duplas sertanejas faziam apresentações e pediu a palavra:
- Senhores e senhoras, um minuto de vossas atenções – houve um repentino silencio e o DJ abaixou o som da festa.
- Eu, o pároco da matriz, informo-lhes que o senhor Lê e a esposa Rô vão para Arret e de lá irão para outro mundo e talvez só nos encontraremos daqui a um bom tempo muito além deste nosso tempo. Aproveitamos esta noite festiva para desejar-lhes boa sorte e que vivam o que tem que ser vivido. Peço aplausos para nossos amigos!
Todos aplaudiram, gritavam e assoviavam. Cumprimentamos todos os nossos amigos um por um e a Rô me falou meio chorosa:
- Lê, não estou entendo o porquê de tanta pompa. Até parece que vamos para não voltar!
- Rô, são zero hora e trinta e um minutos, vamos sair à francesa e ir pra o portal e zarpar para Arret, OK?
- OK Lê, vamos nessa!
No Portal das Pitangueiras falei a senha, este se abriu, e entramos. Laí estava camuflada e falei:
- Laí: sair da camuflagem - e a nave surgiu;
- Laí: abrir a porta– a nave obedeceu e adentramos;
- Laí: sala de comando – e o ambiente se transformou à minha ordem;
- Laí: wormhole que nos leva a Arret no QG de Arret – e a nave se iluminou e trinta e um segundos depois:
- QG de Arret, seu Lê, são doze horas e trinta e um segundos – disse em voz metálica da nave e esta pairou a trinta e um centímetros do solo no grande estacionamento do centro administrativo de Arret. Ao descermos:
- Sejam bem vindos seu Lê e dona Rô – disse o sorridente Etevaldo de mãos dadas com uma arretiana com uniforme de oficial.
- Boa tarde Etevaldo, o prazer é todo nosso – disse a Rô.
- Esta é a capitã Helgasmitys, minha noiva – apresentou-nos todo sorridente o Etevaldo.
- Muito prazer capitã – falamos em um sonoro duo.
- Papai já os esperam, seu Lê!
- Como assim? Nem avisamos que viríamos – disse a Rô.
- O chip, dona Rô! Esquecestes?
- Ah! É mesmo, o chip e o anel...
Na sala do Kobauski:
- Então seu Lê e dona Rô, alguma novidade – perguntou o comandante.
- Sim, Kobauski e já sei que você já sabe, não é – respondi-lhe.
- Sim, meus amigos, eu já esperava por isso, ou seja, todas as novidades já os deixaram enfadonhos, não é?
- Sim comandante – interceptou a Rô – parece que rodamos todo o cosmos desta dimensão e gostaríamos de experimentar uma viagem na máquina de viajar nas fendas do tempo.
- Estão certos disto – insistiu o Kobauski e continuou:
- Vocês só podem voltar ao passado visto que o futuro é este presente. Só poderão voltar no que já viveram! Escolheram o período que desejam retornar?
- Sim comandante – disse a Rô e prosseguiu – queremos voltar ao dia em que eu e o Lê nos vimos pela primeira vez.
- Concorda seu Lê – perguntou-me o Comandante.
- Sim! Lógico, Kobauski.
- Não precisarão ir para o local onde vocês se conheceram para retroagirmos. Nosso novo equipamento, todo feito com KBKI, permite que viajem a partir de qualquer lugar onde estiverem. Para isso basta vocês entrarem na máquina e fixar o pensamento no dia em que se conheceram. Querem ir agora?
- Sim – falamos ao mesmo tempo.
- Estão cientes que só nos veremos no futuro daquele tempo. OK?
- OK Comandante, nós estamos cientes – falei por mim e a Rô.
- Mas antes de irmos gostaríamos de saber o que houve com o sol menor. Nesta hora ele estaria no céu da metade da tarde.
- Ele continua lá, seu Lê, porém está sem luz própria, isto é, apagou-se – disse o Kobauski e prosseguiu:
- Tivemos que nos adaptar nossas vidas , ou seja, o dia, agora, nasce quando o Sol Maior aponta na sua nascente.
- Igual ao Sol da Terra, não é – perguntou a Rô.
- Exatamente, meus amigos – respondeu o Comandante.
- Vamos para o laboratório onde está a máquina fixa e iniciar o processo para viagem – disse o Etevaldo.
No laboratório, entramos no equipamento e eu perguntei à Rô:
- Lembra direitinho o momento, Pitéu?
- Sim Lê, até a camisa azul claro toda estampada com a palavra em inglês “more” em branco. Sua calça era bege , seus cabelos todo encaracolados e...peraí, peraí...peraê...ih! Ih! Ih! E você, se lembra Lê?
- Sim Rô! Você estava sentada defronte ao kardex – aquele sistema, que na época, as empresas usavam para controle físico dos estoques de materiais. Como não tinha nada para lançar no sistema, você estava com os dois cotovelos apoiados na mesinha de trabalho e com as mãos entrelaçadas apoiava o queixo. Seus cabelos amarrados, como a um rabo de cavalo, foi o que mais me chamou a atenção.
- Como conseguimos relembrar esse momento tão bem lembrado, Lê?
- Não sei Rô! Veio em minha mente como um flash!
- Engraçado, na minha também!
- Entrem amigos e fiquem imóveis. Fechem os olhos e este será o último ato de vocês nesta fresta de espaço-tempo, OK?
- OK, Comandante – respondemos quase ao mesmo tempo.
...
EPÍLOGO
À cerca de trinta e um mil pés de altura, sobre a floresta Amazônica, falei ao Saint Clair:
- Cara, estou com vinte e seis anos e esta é a primeira vez que viajo de avião.
- É mesmo Lê? Essas viagens de Belo Horizonte até Manaus são tranquilas, mas cansativas. Porém de Manaus até Porto Trombetas, às margens do Rio Trombetas, no projeto de bauxita que a construtora em que trabalhamos está terminando de construir, o aeroporto só comporta avião menores; o avião que nos levará até nosso destino é um DC-3 do tempo da segunda guerra. Os DC-3 são adaptações dos aviões militares C-47, para passageiros.
- Caramba! Avião do tempo da guerra? Pô tem mais de trinta e um anos, cara – falei ao colega de empresa.
- Calma sô, eu já viajei naquele avião várias vezes e é muito seguro. Por ser tua primeira vez é normal essa surpresa.
O voo até Manaus foi uma tranquilidade. Dormimos no alojamento da empresa e na manhã seguinte, às seis horas e trinta e um minutos embarcamos no “sobra de guerra” da construtora e o piloto falou-nos – éramos doze pessoas a bordo e o resto era carga:
- Vou ter que descer em Santarém para embarcar três pessoas e deixar umas encomendas, mas as onze e trinta e um minutos, no máximo, estaremos em Porto Trombetas, OK?
Dito e feito! No horário certo o DC-3 pousou no pequeno aeroporto no meio da floresta. Lá nos esperavam uma caminhonete e o motorista, da mesma, nos disse:
- O Dr. Paulo pediu para levar vocês direto para o alojamento dos visitantes, alojá-los e depois conduzi-los ao almoxarifado central do canteiro de obras. Terão uma reunião com ele antes de tudo, OK? Meu nome é Cícero, mas pode me chamar, como todos me chamam, de Jaraquí.
- OK, Cícero eu sou o Saint Clair e este outro auditor é o Lê! Vamos lá?
Era imenso o canteiro de obras. O porto, para exportação da bauxita da mina – confirmada como jazida secular -, já estava pronto. A construtora estava entregando tal projeto executado e nossa missão era encerrar o sistema de materiais daquele canteiro e, nosso ponto de partida para a ação, começaria pelo almoxarifado e lá seria a reunião.
Entramos no almoxarifado. O Saint Clair foi à frente, como bajulador nato, queria ser o primeiro a cumprimentar o engenheiro chefe da obra. Fiquei para trás e disse-lhe:
- Pode ir à frente que eu vou tomar água gelada naquele bebedouro perto das mesas do Kardex, OK?
- OK, Lê, mas não demore que o Dr. Paulo já deve de estar chegando – disse meu colega.
Ao passar pelo kardex vi uma menina sentada defronte ao fichário com os cotovelos na mesinha de trabalho e com o queixo apoiado nas mãos entrelaçadas e pensei:
- Caramba, mas que piteuzinho. E que cabelos lindos amarrados, do jeito que eu gosto, como rabo de cavalo! Demorei tanto meus olhos para ela que, ela percebendo, me olhou e disse:
- Oi! Você quer um copo para beber água?
- Oi, quero sim se não for incomodá-la – respondi e ela abriu a gaveta de sua mesinha de trabalho e me deu um copo descartável.
- Obrigado! Esse calor daqui é terrível! É bem mais quente do que em Minas Gerais no forte do verão.
- Eu sei, pois sou de lá também! A gente acaba por acostumar.
- Eu e meu colega vimos fazer o encerramento da área de materiais controlados no estoque. A propósito, eu sou o Lê – falei e estendi a mão e ela ajeitou os óculos no rostinho de menininha, levantou-se e vi nela tudo o que eu procurava em toda a minha jovem vida:
- Pode me chamar de Rô! É um prazer conhecê-lo – falou-me ela sorrindo e com um lindo brilho nos olhos.
- Engraçado, mas parece que já te conheço de algum lugar – falei sinceramente e ela me respondeu:
- Eu também tive essa impressão! Talvez seja de outras vidas, de outros mundos, ih! Ih! Ih!