terça-feira, 17 de novembro de 2020

DIVINO

Divino, caboclo que nasceu com a “barriga virada prá Lua”, desde garoto todos notaram que ele tinha algum tipo de distúrbio mas, a mãe – que o teve solteira -, não tinha condições intelectual e financeira  de aprofundar no assunto. Porém, até que com sorte, ele chegou aos quarenta e oitos anos.

Segunda feira na Associação dos Cegos:

- Seu Divino, esta é a segunda vez que lhe marco a consulta e o senhor chega  quarenta e oito minutos  atrasado; o oculista já foi embora. São mais de meio dia – disse a senhora na recepção.

- Eu sei ...  mas, é que eu moro longe e tenho que vir à pé e quando me lembro da consulta eu , até corro, mas não tem como chegar em tempo.

- Vou marcar para a próxima sexta feira e, se o senhor chegar atrasado, cancelarei  a tua ficha definitivamente! Sabia que quando o senhor não vem são duas as pessoas que não são atendidas? O senhor e alguém que poderia vir em seu lugar se você cancelasse a consulta com antecedência?

- Tá bom... tá bom, vou chegar uma hora adiantado na próxima consulta - despediu-se e foi embora.

Sexta feira! Divino acorda e olha no relógio:

- Pelamordedeuso! Falta uma hora e meia prá minha consulta! Tenho que correr e muito – vestiu –se e saiu correndo. Divino esquecera a carteira com os seus documentos encima  do criado mudo.

- Pô, faltam quinze minutos para o horário da consulta e ainda tem duas quadras; acho que vou chegar até adiantado – Diminuiu a corrida e foi troteando até que dobrou uma esquina:

- PUTZGRILLA!! Tem um trem parado na linha que eu tenho que atravessar para chegar à Associação dos Cegos. Será que esse trem é muito longo?  Será que vai demorar  para desobstruir a passagem?

Passam-se os minutos e ele ali perto do trem sem poder atravessar:

- Faltam 5 minutos para a consulta e o trem não se movimenta – agoniado falava esfregando as mãos. Estava muito suado, cansado e arfava muito. Decidiu:

- Vou passar pela junção entre dois vagões; vou passar por cima – e começou a subir com muita dificuldade, pois era bastante obeso.

- Não faça isso,   gordinho! Você está maluco! O trem está começando a se movimentar - gritou um rapazote que também esperava para atravessar a linha férrea.

O trem logo ganha velocidade e o Divino agarra - se nas mangueiras de ar comprimido do entre vagões e o medo de pular,  e se quebrar todo,  o fez  não  pular fora. E, lá foi ele com rumo ignorado; sem saber para onde...

Quarenta e oito minutos depois a composição começa a diminuir a velocidade  até que para por total. Divino, que urinou nas roupas de tanto medo, desceu  e caminhou  até à  porta de um barzinho e pergunta:

- Boa tarde  moço, que bairro é esse?

Um dos que estava no balcão responde:

- Aqui  não é bairro não moço; aqui é Matias Barbosa!

- Meu Deus,  vim parar há vários quilômetros de Juiz de Fora sem um tostão no bolso e nem meus documentos eu trouxe - pensou.

O tempo foi passando e lá pelas três horas e quarenta e oito minutos da tarde e ele continua  na rodovia fazendo sinal de carona até que um caminhão de pequeno porte, frigorífico com carga de sorvetes e picolés,  pára e o motorista perguntou:

- O senhor está querendo carona para ir  para onde? Juiz de Fora?

- Sim...sim...moço, isso...isso Juiz de Fora! O senhor me dá carona?

-Sobe aí, vamos lá!

- Vou ter que fazer umas  entregas num Atacadão na entrada de Juiz de Fora e vou precisar de um ajudante: - Você me ajuda – perguntou o motorista.

- Sim claro que eu ajudo, com todo o prazer!

- Beleza! Mas, fica tranqüilo que eu te pago! Costumo pagar sessenta   reais para ajudante, OK?

- Nossa,  está bom demais, obrigado -  sorriu o Divino com os olhos até fundos de fome.

As dezenove e quarenta e oito minutos , Divino chega em casa exausto!

- Onde você estava homem?  Eu fui em todos os lugares atrás de ti; até no IML fui te procurar?

- É que apareceu um serviço de entrega de mercadoria e não deu tempo de te avisar; nem deu tempo de pegar meus documentos. Toma esses cinqüenta reais prá você fazer a feira amanhã!