Guretinha
Tarde
quente e seca na parte baixa da Rua Halfeld, na majestosa Juiz de Fora. Aliás,
todo Minas Gerais passava por aquele clima esquisito em pleno mês de julho.
Maria Gorete, carinhosamente chamada
de Guretinha, lá vinha, a passos lentos, descendo tal rua. Roupa surrada, mas
limpa; sapatos velhos, mas engraxados; sua inseparável sombrinha lilás
desbotada, mas perfeita. Estava aflita para mudar da antiga e atual residência
para os dois cômodos nos fundos da casa de seu neto, o Danilo. Por isso é que
ela se aventurou a percorrer a pé até depois do movimentado calçadão da Halfeld,
atravessou a passarela da ferrovia e foi até o largo da prefeitura. Ali,
naquele trecho, ela conseguiria alugar um caminhão pequeno para carregar seus
móveis. Móveis? não, não eram móveis e sim quinquilharias de quase setenta anos;
mas eram seu tesouro.
Guretinha escolheu o caminhão menor
que por sinal era o mais novo. O dono, o Natal, estava sentado no estribo com a
porta escancarada.
- Boa tarde, meu jovem! Quanto você
cobraria para levar a mudança de uma velha do bairro Bandeirantes até Filgueiras,
- são uns quatro quilômetros, eu acho?
- Para a Senhora... tome é este preço que anotei no meu cartão. Nele tem
meu telefone e é só me ligar marcando o dia. Ok! Minha senhora?
Guretinha pegou o cartão, olhou o
preço e não esboçou nenhuma reação e disse:
- Está bem, meu filho, eu telefono!
Virou as costas e quando foi dar os
primeiros passos ouviu um enorme barulho de porta de caminhão fechando. Era o
Natal que, sempre, batia as portas do caminhão.
- Eh!.... por favor, moço, esse
caminhão é propriedade sua? - perguntou Maria Goreti.
- É sim, vovó! E ele ainda está
sobre a garantia da fábrica! Algum problema?
Guretinha pegou o cartão, com o
telefone e o preço anotados, rasgou-o em vários pedaços e jogou num cesto de
lixo que fica fixado nos postes de iluminação da rua. Falou em seguida:
- Se tratas teu patrimônio assim...!
- seguiu andando rumo a um caminhão velho aos extremos, mas bem limpo; o
chassis era antigo, mas bem engraxado; a carroceria de madeira estava toda
remendada e amarrada com arame, mas perfeita e nela algumas letras manuscritas
com pirógrafo: “NÃO JURGUE PELA APARENÇA, FASSA VOCE O PREÇO”. O “chauffeur”, seu André, era o proprietário, não
menos que cinquenta e cinco anos, daquele tesouro.